Intussuscepção em criança: sinais ultrassonográficos e condutas clínicas atualizadas

Intussuscepção em crianças

Índice

Intussuscepção em criança: tudo o que você precisa saber sobre esse tema para sua prática clínica!

A intussuscepção intestinal é a principal causa de obstrução intestinal adquirida em crianças entre 6 meses e 3 anos de idade. Embora relativamente incomum, sua importância clínica reside na gravidade potencial do quadro, que pode evoluir rapidamente para isquemia intestinal, necrose e perfuração, exigindo diagnóstico precoce e intervenção imediata.

Nas últimas décadas, os avanços na ultrassonografia e o refinamento das condutas clínicas transformaram o manejo dessa condição, oferecendo maior segurança e eficácia no tratamento.

Entendendo a fisiopatologia da intussuscepção

A intussuscepção consiste na invaginação de um segmento do intestino (intussuscepto) dentro de outro (intussuscepciente), semelhante a um telescópio que se retrai. Essa invaginação resulta em obstrução do fluxo sanguíneo venoso, seguida de congestão, edema, comprometimento arterial e, se não tratada, necrose da parede intestinal.

Mais de 90% dos casos são idiopáticos. No entanto, há forte associação com infecções virais, principalmente aquelas que causam hipertrofia de placas de Peyer, como adenovírus e rotavírus. Em pacientes mais velhos ou com recorrência da condição, deve-se considerar causas estruturais, incluindo pólipos, divertículo de Meckel, duplicações intestinais, linfoma e púrpura de Henoch-Schönlein.

Na imagem abaixo é possível observar a apresentação esquemática da intussuscepção em crianças. Na forma ileocólica — a mais frequente, correspondendo a cerca de 90% dos casos — o segmento final do íleo desliza para dentro do cólon, atravessando a junção ileocecal. Além disso, existem também outras variantes, menos comuns, como a íleo-ileal, íleo-íleo-cólica, jejuno-jejunal, jejuno-ileal e a colo-cólica. Em alguns casos, embora minoritários, é possível identificar uma causa anatômica subjacente que atua como ponto de invaginação, como ocorre na forma íleo-ileal ilustrada acima.

Ilustração médica de criança com intussuscepção intestinal, mostrando intussuscepção ileocólica e íleo-ileal, com detalhe de pólipo intestinal como ponto de invaginação.
Fonte: UPTODATE, 2025. Intussusception in children.

Quadro clínico da intussuscepção em criança

O reconhecimento clínico da intussuscepção pode ser desafiador, já que a tríade clássica — dor abdominal intermitente, fezes em “geleia de groselha” e massa abdominal palpável — está presente em menos de 40% dos casos.

Inicialmente, a criança pode apresentar dor abdominal súbita e intensa, em crises intermitentes, geralmente acompanhada de choro e flexão das pernas. Durante os intervalos de dor, a criança pode parecer relativamente normal. Com a progressão, surgem náuseas, vômitos biliosos e eliminação de muco e sangue pelo reto. Em casos mais avançados, a criança pode evoluir com letargia, palidez e sinais sistêmicos de choque.

Curiosamente, a letargia pode ser o único sinal em algumas crianças, especialmente lactentes, o que pode levar a diagnósticos errôneos como encefalite ou sepse. Portanto, manter alto índice de suspeição clínica é fundamental.

O papel da ultrassonografia no diagnóstico

A ultrassonografia tornou-se o exame de escolha para diagnóstico de intussuscepção, por ser não invasiva, rápida, amplamente disponível e isenta de radiação ionizante. Além disso, apresenta alta sensibilidade (aproximadamente 98%) e especificidade (entre 88% e 100%).

Entre os principais achados ultrassonográficos, destacam-se:

  • Sinal do alvo (target sign): visualizado em cortes transversais, caracteriza-se por múltiplos anéis concêntricos com hiperecogenicidade periférica e centro hipoecogênico.
Radiografias abdominais evidenciando sinais radiológicos da intussuscepção intestinal, com destaque para sinal do alvo e sinal do menisco no quadrante inferior direito.
Fonte: CUNHA, F. M, 2005.
  • Sinal do pseudorrim: observado em cortes longitudinais, lembra um rim, com camadas intestinais invaginadas simulando o parênquima e a pelve renal.
Imagens de ultrassonografia demonstrando sinais ecográficos da intussuscepção intestinal, incluindo sinal do alvo em corte axial e sinal do pseudo-rim em corte longitudinal.
Fonte: CUNHA, F. M, 2005.
  • Sinal do sanduíche: quando visualizados os planos das camadas intestinais comprimidas umas contra as outras.
  • Doppler colorido: pode ser usado para avaliar a perfusão intestinal. A ausência de fluxo pode indicar isquemia e necessidade de abordagem cirúrgica imediata.

Assim, além desses sinais clássicos, a ultrassonografia pode ser útil para identificar causas secundárias, como massas abdominais ou linfonodomegalia mesentérica.

Condutas clínicas atualizadas na intussuscepção em criança

O tratamento da intussuscepção depende da estabilidade clínica da criança e do tempo de evolução dos sintomas. As diretrizes atuais priorizam a redução não cirúrgica como abordagem inicial em pacientes estáveis e sem sinais de perfuração ou peritonite.

Redução não cirúrgica

É realizada por meio de enemas com ar ou solução salina, guiados por fluoroscopia ou ultrassonografia. Assim, o enema pneumático é considerado mais eficaz e seguro, apresentando taxas de sucesso entre 75% e 95%, especialmente quando realizado nas primeiras 24 horas após o início dos sintomas.

A técnica ultrassonográfica tem se destacado por evitar exposição à radiação e permitir avaliação em tempo real da desinvaginação. No entanto, requer equipe treinada e disponibilidade de equipamento adequado.

Durante o procedimento, a criança deve estar monitorada e a equipe deve estar pronta para intervenção cirúrgica em caso de perfuração. Após o sucesso da redução, a criança deve permanecer em observação hospitalar por, pelo menos, 12 a 24 horas, considerando que recidivas ocorrem em até 10% dos casos, principalmente nas primeiras 48 horas.

Indicações cirúrgicas na intussuscepção em criança

A cirurgia está indicada nos seguintes cenários:

  • Falha na redução por enema
  • Presença de sinais de peritonite (rigidez abdominal, defesa muscular)
  • Sinais de perfuração intestinal
  • Recidivas frequentes (em alguns casos)
  • Evidência de causa patológica associada (tumor, divertículo, etc.).

Durante o procedimento cirúrgico, a técnica de escolha é a redução manual da intussuscepção. Entretanto, em casos de necrose intestinal ou perfuração, a ressecção do segmento afetado torna-se inevitável.

Prevenção e seguimento

Apesar de a maioria dos casos ser idiopática, estudos demonstraram uma associação estatística entre a vacinação contra rotavírus e aumento do risco de intussuscepção, especialmente após a primeira dose. No entanto, o benefício da vacina supera amplamente esse risco, e a vacinação continua recomendada pelas principais diretrizes internacionais.

Após a alta, os pais devem ser orientados sobre os sinais de recorrência e a importância de retorno imediato ao serviço de emergência se os sintomas reaparecerem.

Casos especiais: intussuscepção em neonatos e crianças maiores

A intussuscepção é uma condição rara em neonatos, sendo sua ocorrência em recém-nascidos excepcional. Dessa forma, quando diagnosticada nessa faixa etária, a condição costuma estar associada a causas secundárias, como anomalias anatômicas ou tumores, o que agrava o prognóstico. Além disso, o diagnóstico precoce é desafiador devido à sintomatologia muitas vezes não específica, como dificuldade alimentar, distensão abdominal e vômitos, o que pode retardar a intervenção.

Em neonatos, a intussuscepção frequentemente resulta em complicações mais graves, como perfuração intestinal ou sepse, devido ao tempo prolongado até o tratamento. Portanto, nesses casos, é fundamental um diagnóstico rápido e uma abordagem clínica cuidadosa para minimizar o risco de complicações e melhorar o prognóstico.

Por outro lado, a intussuscepção também pode ocorrer em crianças maiores, geralmente após os 5 anos de idade. Assim, nessa faixa etária, a condição é mais comumente associada a causas patológicas subjacentes, como pólipos, divertículo de Meckel ou até mesmo linfoma. A maior frequência de condições anatômicas predisponentes faz com que a abordagem diagnóstica seja mais rigorosa.

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Referências

  • FLEISCHER, David M.; SHAH, Sanjay R. Intussusception in children. UpToDate. 2024. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/intussusception-in-children. Acesso em: 10 maio 2025.
  • CUNHA, F. M. da et al. Intussuscepção em crianças: avaliação por métodos de imagem e abordagem terapêutica. Radiologia Brasileira, v. 38, n. 3, p. 209-218, 2005. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rb/a/ZC6MVSyWTpfN4GDsnDTGSCx/. Acesso em: 10 maio 2025.
  • NASCIMENTO, A. C.; MARINHO, C. Intussuscepção intestinal em pediatria: diagnóstico e conduta. Revista Médica de Minas Gerais, v. 30, n. 1, p. 65-70, 2020.
  • ALMEIDA, M. F. et al. Intussuscepção intestinal: diagnóstico ultrassonográfico em pediatria. Jornal Brasileiro de Ultrassonografia, v. 39, n. 2, p. 77-82, 2020.
  • SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Departamento Científico de Cirurgia Pediátrica. Intussuscepção intestinal: atualização em diagnóstico e tratamento. Boletim SBP, 2023.

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