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Como fazer a indicação do anticoncepcional para paciente com SOP?

Entenda como fazer a indicação de tratamento com anticoncepcional para pacientes com SOP e como realizar uma abordagem de qualidade para sua paciente com a condição. Boa leitura!

O que é síndrome dos ovários policísticos?

A síndrome dos ovários policísticos (SOP) é uma causa importante de irregularidade menstrual de excesso de andrógenos em mulheres.  Por isso, o diagnóstico da SOP pode ser estabelecido quando mulheres exibem os traços clássicos de hirsutismo, ciclos menstruais irregulares e a presença de morfologia ovariana policística, identificada por ultrassonografia transvaginal (USTV). 

Contudo, existe uma controvérsia significativa em relação aos critérios diagnósticos precisos, especialmente quando nem todas essas características clássicas se manifestam de maneira evidente.

Fisiopatologia da síndrome dos ovários policísticos. Fonte: FEBRASGO.

Abordagem terapêutica da SOP 

Os objetivos da terapia de mulheres com SOP são: 

  1. Melhorar características hiperandrogênicas, como hirsutismo, acne, queda de cabelo;
  2. Manejar anormalidades metabólicas oriundas da disfunção hormonal e reduzir fatores de risco como diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares;
  3. Prevenir hiperplasia endometrial e carcinoma endometrial;
  4. Contrapção para mulheres que não querem engravidar;
  5. Induzir ovulação para as que querem ter filhos. 

A primeira medida de abordagem a ser tomada é a mudança do estilo de vida. As mulheres com SOP devem ser orientadas sobre a importância de uma dieta balanceada para redução de peso para as que tem sobrepeso ou obesidade. 

Evidências recentes vêm apontando cada vez mais a importância que as intervenções no estilo de vida possui no tratamento da doença. Ela chegam a ser mais eficazes do tratamento mínimo para perda de peso e melhora da resistência insulínica. 

Os contraceptivos orais combinados de estrogênio-progestina também fazem parte da terapia farmacológica para mulheres com SOP. No entanto, essa medida está associada à tromboembolismo venoso (TEV) especialmente em mulheres obesas. Por isso, alternativas ao combinado incluem progestágeno (“minipílula”) ou DIU liberador de progestágeno. A terapia com progestágeno fornece contracepção e reduzem o risco de hiperplasia endometrial. 

Leia também: Guia completo da Síndrome dos Ovários Policísticos

Tratamento para mulheres que não buscam engravidar

Para as mulheres que não querem engravidar, o foco do tratamento da endometriose deve ser proteção endometrial (evitando a hiperplasia), excesso de androgênio e anormalidades metabólicas. 

A hiperplasia endometrial é consequência da produção de estrona no tecido adiposo periférico. Por isso, a exposição diária à progestina antagoniza o efeito proliferativo endometrial do estrogênio. 

Os contraceptivos orais combinados estrogênio-progestina ainda oferecem a contracepção em mulheres que não pretendem engravidar, pois mulheres com oligomenorreia ovulam intermitentemente e pode ocorrer gravidez indesejada. Ainda, benefícios cutâneos para manifestações hiperandrogênicas. 

Categorias de critérios médicos de elegibilidade para uso de anticoncepcionais. Fonte: Critérios médicos de elegibilidade para uso de contraceptivos: pedra angular do planejamento familiar da OMS, 5ª ed, Genebra 2015.

Atualmente, recomendamos a adoção de cautela ao prescrever COCs para mulheres com índice de massa corporal (IMC) ≥30 kg/m² e com idade acima de 40 anos. Isso se deve ao fato de que esse grupo específico de mulheres apresenta um risco consideravelmente elevado de desenvolver tromboembolismo venoso (TEV).

O anticoncepcional de início do tratamento escolhido para essas mulheres geralmente são aqueles contendo 20 mcg de etinilestradiol combinado com um progestágeno como noretindrona ou acetato de noretindrona, progestágenos que têm uma androgenicidade menor. 

Esses progestágenos incluem desogestrel, acetato de ciproterona e drospirenona. No entanto, doses maiores contendo de 30 a 35 mcg pode ser o ideal para supressão de andrógenos ovarianos e controle das características hiperandrogênicas. 

Tratamento para mulheres que querem engravidar 

Para mulheres que não querem engravidar, o tratamento deve ser focado na indução da ovulação e perda de peso. Mulheres com SOP que apresentam anovulação e excesso de peso ou obesidade, é recomendado considerar a perda de peso antes de iniciar a terapia de indução da ovulação.

Inicia-se com modificações no estilo de vida, abrangendo alterações na dieta e aumento da atividade física. Em casos que não resultem em gestação, pode ser considerada a farmacoterapia, seguindo-se, se necessário, pela avaliação da cirurgia bariátrica.

Pensando na indução ovulatória, a medicação usada é o Letrozol, um inibidor de aromatase, ou Clomifeno, um modulador seletivo de receptor de estrogênio. Como primeira escolha, o Letrozol tem prioridade sobre o Clomifeno, que já foi primeira linha por muitos anos. A escolha da medicação é independente do IMC da paciente.

A mudança de escolha é resultado de estudos como o “Letrozole versus clomiphene for infertility in the polycystic ovary syndrome” (DOI:  10.1056/NEJMoa1313517), que demonstrou melhores taxas de nascidos vivos associadas ao uso do Letrozol. 

Abordagem em várias etapas para o tratamento da infertilidade anovulatória associada à síndrome dos ovários policísticos.

Apesar de não ser uma recomendação formal, a perda de peso prévia ao início do tratamento com indutor ovulatório está fortemente associada a melhores resultados (nascidos vivos). 

A terapia com tiazolidinediona foi investigada para indução da ovulação, mas não sugerimos seu uso devido à preocupação com sua segurança cardiovascular. 

Gerenciamento do peso corporal e uso da metformina

A perda do peso corporal está altamente associado à melhora do estado metabólico, embora a resposta orgânica seja muito particular de cada mulher. Estudos multicêntricos em mulheres sobrepeso/obesas com SOP e infertilidade associaram fortemente a perda de peso à melhores taxas ovulatórias e de nascidos vivos. 

A metformina costuma ser recomendada por ter um baixo custo e ser segura durante a gestação. Ela pode diminuir discretamente a hiperandrogenia, ainda que em mulheres não obesas com SOP. 

A dosagem geralmente varia de 1.000 a 1.500 mg diários (equivalente a dois ou três comprimidos de 500 mg), distribuídos em duas ou três doses ao longo do dia, podendo ser aumentada para até 2.500 mg. 

Iniciar o tratamento com uma dose menor (um comprimido de 500 mg por dia) é recomendado, com um aumento gradual da dose (acréscimo de um comprimido de 500 mg por semana) até atingir a dosagem pretendida. Em alguns cenários, a administração de um comprimido de 850 mg, duas a três vezes ao dia (totalizando 1.700 a 2.250 mg diários), pode ser necessária.

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Controle da resistência à inuslina na SOP 

O controle da resistência à insulina é uma parte importante do manejo da Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP), já que a resistência à insulina é um dos principais componentes dessa condição.

Uma dieta rica em fibras, alimentos de baixo índice glicêmico e fontes de proteína magra é essencial para uma mudança do perfil glicêmico. Ainda, a pratica de atividades físicas aeróbicas (como caminhadas, natação, ciclismo) e exercícios de resistência para melhorar a sensibilidade à insulina.

O efeito primordial da metformina é a diminuição da produção hepática de glicose, levando à redução das concentrações de insulina no sangue. Embora a metformina tenha sido empregada para induzir a ovulação, seja isoladamente ou em conjunto com clomifeno, os estudos indicam que, em relação às taxas de nascimentos vivos, a monoterapia com clomifeno ou letrozol apresenta vantagens em relação à monoterapia com metformina. 

As diretrizes atuais fazem recomendações rotineiras de merformina em mulheres obesas com SOP. No entanto, não são recomendadas para mulheres com intolerância à glicose que falharam nas intervenções de estilo de vida. 

Mecanismos de ação e efeitos no ciclo menstrual

A disfunção ovulatória pode causar ciclos menstruais irregulares. Assim, a mulher pode ovular esporadicamente ou nem mesmo 1x ao ano. 

Por essa razão, é importante deixar claro para a mulher a possibilidade de gestação embora haja SOP. Muitas pacientes acreditam ser completamente inférteis diante do quadro, e por isso escolhem não fazer uso de método contraceptivo hormonal ou de barreira. Essa é uma segunda preocupação: a exposição da mulher à IST’s. 

Ainda decorrente da ovulação irregular, tem-se uma estimulação excessiva do endométrio, a hiperplasia endometrial. Como resultado, aumenta-se grandemente o fator de risco para câncer de endométrio. 

O desequilíbrio hormonal pode causar sangramento uterino anormal, como sangramentos mais intensos ou spotting (pequenos sangramentos entre os períodos). Somado a isso, o aumento dos níveis de andrógenos pode causar sintomas como hirsutismo (crescimento excessivo de pelos), acne e queda de cabelo.

Sistema de Ferriman-Gallweay para estimar nível de hirsutismo. Fonte: Hatch R, Rosenfield RS, Kim MH, Tredway D. Hirsutismo: implicações, etiologia e tratamento. Am J Obstet Gynecol 1981; 140:815.

Seleção de anticoncepcional para pacientes com SOP 

A escolha do anticoncepcional pelo médico deve ser individualizada.  É rotina terapêutica para mulheres com SOP a prescrição de anticoncepcionais combinados de estrogênio e progestina. Eles podem ajudar a regularizar os ciclos menstruais, controlar o hirsutismo (crescimento excessivo de pelos) e melhorar a acne. Eles são frequentemente recomendados para mulheres com SOP.

A escolha dos combinados se deve à supressão de hormônios como o LH, desequilibrado na SOP. Nesse caso, também contribuem para a regulação de insulina. 

Anticoncepcionais à base apenas de progestina podem ser preferíveis para mulheres que têm contraindicações ao estrogênio ou que experimentam efeitos colaterais significativos com anticoncepcionais combinados.

As diferentes formulações de combinados podem variar segundo as práticas médicas de cada região. No entanto, o especialista pode ter as seguintes opções: 

  • Monofásicos: Pílulas combinadas como Yasmin, Yaz, Diane, Microgynon, entre outras;
  • Bifásicos e trifásicos: Ortho Tri-Cyclen, Triquilar, Tri-Levlen, entre outros;
  • Baixa dosagem: Alesse, Mircette, Loestrin, entre outros;
  • Ultra baixa dosagem: Lo Loestrin Fe, Seasonique, entre outros.
Critérios de elegibilidade para o uso de contraceptivo. Fonte: Centers for Disease Control and Prevention. National Center for Chronic Disease Prevention and Health Promotion.

Leia também: Identificação e avaliação da endometriose através da ressonância magnética

Alternativas não hormonais: uso do DIU e abordagens não farmacológicas 

Não existe contraindicação para o uso do DIU em mulheres com SOP, embora não seja uma terapia específica para a SOP. 

O DIU hormonal (levonorgestrel) libera pequenas quantidades de hormônio no útero. Diminuição dos sintomas da SOP são relatados por mulheres com SOP, como o sangramento irregular e dor menstrual. 

Ainda, o DIU hormonal pode regularizar o ciclo menstrual, bem como a intensidade do sangramento, a acne e hirsutismo. É importante deixar claro que os sintomas só são amenizados durante o uso do DIU. 

 Avaliação de resposta ao tratamento e ajustes na terapia

A paciente deve ser orientada a comparecer às consultas com seu ginecologista regularmente. Somente através delas o progresso e o ajuste na terapia da SOP poderão ser realizados. Ela deve ser incentivada à perca de peso independente do seu tratamento com anticoncepcional ou DIU. 

Algumas recomendações para a consulta da paciente com SOP são: 

  1. Orientá-la a manter um registro dos sintomas ao longo do tempo para observar a melhora;
  2. Monitoração do peso;
  3. Determinar metas a serem alcançadas no tratamento;
  4. Parabenizá-la pela evolução, reconhecendo o seu esforço;
  5. Esclarecer dúvidas e possíveis efeitos colaterais. 

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Referências 

  1. Diagnosis of polycystic ovary syndrome in adults. Robert L Barbieri, MD. UpToDate
  2. Combined estrogen-progestin contraception: Side effects and health concerns. Andrea H Roe, MD, MPH. UpToDate
  3. Legro RS, Brzyski RG, Diamond MP, Coutifaris C, Schlaff WD, Casson P, Christman GM, Huang H, Yan Q, Alvero R, Haisenleder DJ, Barnhart KT, Bates GW, Usadi R, Lucidi S, Baker V, Trussell JC , Krawetz SA, Snyder P, Ohl D, Santoro N, Eisenberg E, Zhang H, NICHD Reproductive Medicine Network 
  4. Treatment of polycystic ovary syndrome in adolescentes. Natalie Shaw, MD, MMSc. UpToDate

Veja também o vídeo de revisão sobre escolha de anticoncepcional na SOP do Dr. Gustavo Maciel, coordenador da Pós-graduação em Ginecologia Endócrina e Reprodutiva do Cetrus:

4 Replies to “Qual a melhor escolha de anticoncepcional na SOP?”

  1. Mesmo não atuando mais como ginecologista, é sempre bom rever conceitos.
    Parabéns ao Dr. Gustavo pela aula. Clara e objetiva

  2. Objetividade e clareza na exposição, com exemplos que contribuem com a clínica diária.

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