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Aprenda sobre ultrassonografia das vias aéreas para atuar na emergência

A ultrassonografia das vias aéreas desempenha um papel cada vez mais importante em várias áreas da medicina, incluindo anestesiologia, medicina de emergência e cuidados intensivos. Sua capacidade de fornecer informações em tempo real e sua acessibilidade tornam-na uma ferramenta valiosa na avaliação e manejo das vias aéreas.

Com a chegada da ultrassonografia point of care ultrasound (POCUS),  a abordagem das vias aéreas se tornou mais fácil e rápida de ser realizada, mudando o prognóstico dos pacientes. 

Neste texto, abordaremos a relevância crescente da ultrassonografia das vias aéreas como uma ferramenta fundamental na abordagem emergencial de pacientes críticos. 

Ultrassonografia das vias aéreas

A ultrassonografia das vias aéreas emergiu como uma técnica valiosa que complementa a avaliação clínica tradicional, fornecendo informações dinâmicas e em tempo real sobre a anatomia e função das vias aéreas. Especificamente, na emergência, ela desempenha um papel crucial na identificação e monitoramento de condições agudas que comprometem a via aérea, como obstruções, edema, pneumotórax, hemorragia, entre outras.

Além de ser não invasiva e de fácil acesso, a ultrassonografia das vias aéreas oferece vantagens significativas sobre outros métodos diagnósticos, como a radiografia e a tomografia computadorizada, especialmente em situações emergenciais onde a rapidez na obtenção de informações é vital.

Por meio de protocolos específicos, podemos avaliar rapidamente a integridade das vias aéreas, identificar complicações potencialmente letais e orientar intervenções terapêuticas imediatas, como a realização de intubação endotraqueal, cricotireoidostomia de emergência ou drenagem de pneumotórax.

Além disso, a ultrassonografia das vias aéreas pode ser utilizada de forma dinâmica durante procedimentos e anestesia, fornecendo feedback em tempo real sobre a posição do tubo endotraqueal, a expansão pulmonar e a presença de complicações, melhorando assim a segurança e eficácia desses procedimentos.

Na anestesia, por exemplo, abordagem incorreta das vias aéreas são responsáveis pelas principais causas de morte e dano cerebral. O uso da USG ajuda muito neste cenário, reduzindo os riscos. 

Vias áreas

As vias aéreas são responsáveis pela condução do ar para dentro e fora dos pulmões, permitindo a respiração e a troca gasosa. Elas são divididas em vias aéreas superiores e inferiores, cada uma com suas características anatômicas e fisiológicas distintas. 

As vias aéreas superiores e inferiores funcionam em conjunto para garantir a condução eficiente do ar para os pulmões, bem como para proteger o sistema respiratório contra partículas estranhas e patógenos.

O epitélio respiratório presente ao longo das vias aéreas reveste-se de células ciliadas e células caliciformes, que auxiliam na remoção de partículas estranhas por meio da ação do muco e dos movimentos ciliares.

O sistema nervoso autônomo controla a regulação do diâmetro das vias aéreas, com os músculos lisos contraindo-se para provocar broncoconstrição e relaxando para induzir broncodilatação, influenciando, desse modo, o fluxo de ar.

Vias aéreas superiores

  • Nariz e Cavidade Nasal: São responsáveis pela filtração, umidificação e aquecimento do ar inspirado. O nariz contém pêlos e mucos que ajudam a capturar partículas estranhas.
  • Faringe: É um canal comum para o trato respiratório e digestivo. Divide-se em nasofaringe, orofaringe e laringofaringe.
  • Laringe: Situada abaixo da faringe, é uma estrutura cartilaginosa que contém as cordas vocais. A laringe desempenha um papel importante na produção de som durante a fala e na proteção das vias respiratórias durante a deglutição.

Vias aéreas inferiores

  • Traqueia: É um tubo cartilaginoso que se estende da laringe até os brônquios principais. Sua função é conduzir o ar para os pulmões. A traqueia é composta por anéis de cartilagem em forma de “C” que fornecem suporte e proteção.
  • Brônquios Principais e Brônquios Secundários: Os brônquios principais são ramificações da traquéia que se dividem em brônquios secundários e, subsequentemente, em bronquíolos. Essas estruturas conduzem o ar para os diferentes segmentos dos pulmões.
  • Bronquíolos e Alvéolos: Os bronquíolos são as vias aéreas menores que se ramificam a partir dos brônquios, terminando nos alvéolos. Os alvéolos são pequenas estruturas saculares onde ocorre a troca gasosa entre o ar inspirado e o sangue capilar, permitindo que ocorra a oxigenação e a eliminação de dióxido de carbono.

Uso da ultrassonografia para detecção de patologias das vias aéreas na emergência

Na emergência, a ultrassonografia das vias aéreas desempenha um papel crucial na detecção rápida e precisa de diversas patologias que podem comprometer a ventilação e a oxigenação dos pacientes. 

Neste ambiente existe um protocolo para avaliação pulmonar. Ele é chamado de Protocolo BLUE (Bilateral Lung Ultrasound in Emergency). Este é um método sistemático de ultrassonografia pulmonar que visa avaliar a presença de patologias agudas nos pulmões, pleura e parede torácica. Ele é dividido em três etapas:

  • Exclusão de Pneumotórax: Realização de varredura em busca de movimentos anormais da linha pleural, presença de “linha de deslizamento” e ausência de padrão “mórbido” ou “slide”.
  • Identificação de Edema Pulmonar: Avaliação de padrão de “linha B” difuso e simétrico nos campos pulmonares, indicando acúmulo de líquido intersticial.
  • Avaliação de Hipóteses Diferenciais: Caso não se identifique nenhuma das condições anteriores, é possível usar a ultrassonografia para avaliar outras condições, tais como pneumonia, atelectasia, consolidações, derrame pleural, enfisema subcutâneo, entre outras.
Para saber mais sobre cada achado, ter acesso à imagens, acesse nossos artigos completos sobre o assunto: 

Assista ainda a videoaula do protocolo blue com Dra. Cibele Alvarenga

Acesso às vias aéreas  

Para além de determinar causas de sintomas respiratórios, como falamos acima, a ultrassonografia pode ser utilizada para guiar o acesso às vias aéreas. Este ocorre em situações em que há o comprometimento da ventilação ou da oxigenação do paciente ou quando há quando há necessidade de proteger as vias respiratórias de possíveis aspirações de conteúdo gástrico, saliva ou sangue, em casos de rebaixamento do nível de consciência. Além disso, quando há necessidade de se realizar procedimentos cirúrgicos e necessidade de anestesia geral. 

Para realizar o acesso às vias aéreas, existem algumas formas. Algumas de forma não invasiva e outras de forma invasiva, como a intubação orotraqueal e a cricotireoidostomia. Estas duas últimas são bastante favorecidas pelo uso da ultrassonografia. 

Uso da ultrassonografia no acesso às vias aéreas

Pensando em ambiente de emergência, terapia intensiva e anestesiología, a ultrassonografia pode ser útil para: 

  • Previsão de via aérea difícil 
  • Avaliação de situações agudas que alteram a via aérea 
  • Identificação da membrana cricotireóidea
  • Mensuração do tamanho do tubo endotraqueal e de duplo lúmen
  • Confirmação da intubação traqueal e endobrônquica
  • Guia para intubação retrógrada
  • Guia para bloqueio de nervos laríngeos
  • Identificação do melhor local para traqueostomia (anéis traqueais e interespaço)
  • Prevenção de problemas pós-extubação (edema de via aérea, paralisia de cordas vocais, estenose laríngea)
  • Avaliação da pleura e do pulmão
  • Avaliação do conteúdo gástrico e risco de aspiração

Para que a visualização e o uso do ultrassom se dê da melhor forma, indica-se o uso de um transdutor linear de média a alta frequência. Caso deseje avaliar a língua ou região submandibular, deve escolher probe convexo. 

Abaixo discutiremos estes tópicos no processo da intubação orotraqueal e da cricotireoidostomia. 

Intubação orotraqueal e o uso da ultrassonografia

A intubação orotraqueal costuma ser um procedimento bastante invasivo, que se não tiver cuidado, pode gerar traumas à via área do paciente e, se não tiver prática, pode ser feita a intubação seletiva. 

Para ser realizada de uma forma mais segura, é importante que se faça uma avaliação da via aérea, para saber se a mesma é ou não considerada uma via aérea de difícil acesso. Além disso, ajuda também na escolha do tubo endotraqueal. Assim, deve-se medir:

  • Espessura do tecido mole anterior do pescoço ao nível do osso hióide e da membrana tireo-hióidea;
  • Distância da pele à face anterior da via aérea ao nível das cordas vocais
  • Diâmetro subglótico da via aérea superior (diâmetro transversal da traqueia) que corresponde à largura da coluna de ar ao nível da cartilagem cricóide. 

Imagem I: Medição da espessura do tecido mole anterior do pescoço ao nível do osso hióide e da membrana tireo-hióidea. Fonte: LAGES et al, 2018. 

Imagem II: Identificação da membrana cricotireóidea. Fonte: DUMARESQ, 2020. 

Verificação após a realização da intubação

Após a realização da intubação, é importante confirmar se o tubo está no local correto. Existem algumas formas, como a capnografia e a ausculta pulmonar, mas a ultrassonografia se mostrou muito mais vantajosa.

Assim, de imediato ela consegue visualizar se houve ou não entubação esofágica. Tanto o esôfago como a traqueia podem ser vistos ao mesmo tempo quando se coloca o transdutor na região mediolateral esquerda do pescoço. Observam-se uma imagem hipoecoica aerada maior (traqueia) e uma imagem arredondada menor, com uma camada muscular circular logo abaixo do tecido da glândula tireoide (esôfago).

Imagem III: Identificação do esôfago e da traqueia durante intubação traqueal. Fonte: DUMARESQ, 2020. 

Caso tenha a intubação esofágica, visualizamos a imagem abaixo, em que é visto dois lúmens: 

Imagem IV: A) Imagem esperada após intubação traqueal com presença do tubo na traqueia. B) Imagem obtida após uma intubação esofágica com abertura do esôfago pela passagem errada do tubo endotraqueal, simulando uma segunda traqueia. Fonte: DUMARESQ, 2020. 

Para visualizar se houve ou não intubação seletiva, deve-se posicionar o transdutor na linha axilar média pela visualização do movimento da pleura e do diafragma, uma evidência dinâmica que indica a expansão pulmonar e, portanto, posição correta do tubo traqueal. A avaliação deve ser feita de maneira bilateral, a fim de assegurar a não seletividade do tubo.

Imagem IV:  Avaliação indireta da intubação traqueal por meio da visualização do deslizamento das pleuras. Fonte: DUMARESQ, 2020. 

Saiba mais sobre o assunto: Avaliação US Pulmonar na Intubação Orotraqueal 

Ultrassonografia para guiar traqueostomia percutânea, cricotireoidostomia e intubação retrógrada

A traqueostomia percutânea, cricotireoidostomia e intubação retrógrada estão bastante associadas a traumas da via aérea e costumam a ser um percentual grande de falhas. A traqueostomia percutânea, por exemplo, possui sérias complicações como hemorragias, estenose laringotraqueal, erosão de vasos mediastinais alto e lesão do istmo tireoidiano. 

O que foi visto na prática é que o uso da ultrassonografia para acessar as vias aéreas reduz significativamente esses erros e complicações. Para isso, é importante realizar previamente a identificação das estruturas anteriores do pescoço que são:

  • Cartilagens traqueais
  • Istmo tireoidiano da linha média traqueal
  • Vasos adjacentes 
  • Osso hioide 
  • Anéis traqueais
Fonte: DUMARESQ, 2020. 

Fonte:  LAGES et al, 2018.

Curso intensivo em Ultrassonografia Point Of Care em Emergência e UTI

A realização e interpretação da ultrassonografia das vias aéreas requer treinamento específico e prática supervisionada. Para adquirir proficiência na ultrassonografia das vias aéreas, é essencial participar de cursos de treinamento específicos e buscar oportunidades de prática supervisionada.

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Referências

  1. Dumaresq DMH. Ultrassonografia das vias aéreas. In: Sociedade Brasileira de Anestesiologia; Nunes RR, Bagatini A, Duarte LTD, organizadores. PROANESTESIA Programa de Atualização em Anestesiologia: Ciclo 3. Porto Alegre: Artmed Panamericana; 2020. p. 111–32. (Sistema de Educação Continuada a Distância, v. 3).
  2. Lages N, Vieira D, Dias J, Antunes C, Jesus T, Santos T, Correia C. Acesso às vias aéreas guiado por ultrassom [Ultrasound guided airway access]. Braz J Anesthesiol. 2018 Nov-Dec;68(6):624-632. doi: 10.1016/j.bjan.2018.06.014. Epub 2018 Sep 20. PMID: 30245096; PMCID: PMC9391688.
  3. OLIVEIRA, R.R. et al. Ultrassonografia pulmonar: uma ferramenta adicional na COVID-19. CBR Radiologia Brasileira. Disponível aqui
  4. ZIMMERMAN, J. Overview of perioperative uses of ultrasound. UpToDate, 2024.