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Diretrizes sobre o ultrassom transcraniano na confirmação da morte cerebral e suas implicações

Aprenda como a diretriz nacional sobre uso do ultrassom transcraniano na confirmação da morte cerebral pode colaborar com o diagnóstico da condição, auxiliando os médicos que lidam com o quadro. Boa leitura! 

A morte cerebral ainda é uma condição que carrega consigo diversas implicações éticas que, muitas vezes, são de difícil compreensão para a família de um paciente nesta condição. 

Pensando nisso, é fundamental que o médico esteja ciente de ferramentas que auxiliem no diagnóstico e colabore com a qualidade de informação com a família. 

Definição de morte cerebral 

A morte cerebral é um diagnóstico médico que indica a perda irreversível de todas as funções cerebrais, incluindo as do tronco cerebral. 

Do ponto de vista médico, é uma condição na qual não há atividade cerebral, nem atividade elétrica mensurável no cérebro, reflexos do tronco cerebral ou respiração espontânea, mesmo com suporte ventilatório

Geralmente, é diagnosticada com base em critérios clínicos e testes confirmatórios, como o exame neurológico detalhado, testes de reflexo eletrofisiológico, e, em alguns casos, exames complementares como:

  • angiografia cerebral;
  • cintilografia cerebral;
  • Doppler transcraniano. 

Esses critérios variam em diferentes países, mas incluem geralmente a ausência irreversível de todas as funções cerebrais superiores e inferiores.

O diagnóstico de morte cerebral é crucial, por ter implicações éticas, legais e clínicas, especialmente em relação à doação de órgãos e decisões sobre o fim do suporte de vida.

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Papel do ultrassom transcraniano para o diagnóstico da morte cerebral 

A ultrassonografia transcraniana (USTC) desempenha um papel importante no diagnóstico da morte cerebral como uma ferramenta complementar aos outros métodos de confirmação. Alguns benefícios desse exame incluem:

1. Confirmação de ausência de fluxo sanguíneo cerebral

  • Visualização direta: Permite a visualização direta das artérias cerebrais, avaliando a presença ou ausência de fluxo sanguíneo;
  • Indicativo de isquemia cerebral: A ausência de fluxo sanguíneo cerebral, especialmente nas artérias principais, é um indicador significativo da morte cerebral.

2. Complementaridade aos outros testes

  • Adição aos protocolos de confirmação: Junto aos testes de eletroencefalograma (EEG), exame neurológico e outros exames complementares, o ultrassom transcraniano fortalece a validade diagnóstica;
  • Aumento da precisão: A combinação de múltiplos testes aumenta a precisão na confirmação da morte cerebral.

3. Rapidez e acessibilidade

  • Procedimento não invasivo: Comparado a outros métodos, o ultrassom transcraniano é um procedimento não invasivo e de fácil acesso;
  • Rapidez na realização: Pode ser realizado de maneira rápida e repetida, sendo útil em situações críticas.
Entenda também: Como realizar o exame da ultrassonografia vascular e quais são os principais achados?

Limitações do ultrassom transcraniano

O ultrassom transcraniano é um exame que possui algumas limitações que devem ser de conhecimento do neurologista e operador da máquina como:

  • Dependência da janela acústica, intimamente relacionada à qualidade da imagem, que pode ser afetada por fatores como anatomia do paciente e presença de artefatos;
  • Experiência técnica do operador para aquisição da imagem e sua interpretação.

Com isso, entendemos que o ultrassom transcraniano contribui para decisões clínicas cruciais, como a confirmação da morte cerebral, influenciando questões de doação de órgãos e ações médicas subsequentes.

Assim, deve ser utilizado como parte de um protocolo mais amplo de confirmação, nunca como o único método diagnóstico.

Somado a isso, entende-se que o doppler transcraniano (TCD) é menos suscetível do que um eletroencefalograma a resultados falso-positivos em pacientes com efeitos residuais de medicamentos sedativos.

No entanto, casos falso-negativos podem ocorrer em pacientes com janelas transcranianas inadequadas para insonação por ultrassom, e alguns pacientes com avaliações clínicas positivas podem apresentar fluxo sanguíneo residual mesmo após arteriografia cerebral.

Imagem ilustrativa de médico analisando resultados de exame de ultrassom transcraniano para confirmar ou descartar morte cerebral, seguindo as diretrizes.

Diretriz brasileira para aplicação do ultrassom transcraniano na confirmação de morte cerebral

Um grupo de especialistas do Departamento Científico de Doppler Transcraniano da Academia Brasileira de Neurologia (ABN) uniu esforços para estabelecer critérios neurossonológicos essenciais para o diagnóstico de morte encefálica no Brasil. 

Estes critérios envolvem a metodologia tanto do Doppler Transcraniano Contínuo (DTCC) quanto do Doppler Transcraniano (DTC), abrangendo também aspectos como:

  • treinamento;
  • competências em neurossonologia;
  • diagnóstico de parada circulatória encefálica;
  • padronização da documentação do exame para a morte encefálica.

Os resultados detalhados desta iniciativa serão descritas de maneira resumida a seguir.

Parâmetros recomendados para o paciente e para o equipamento

Os parâmetros recomendados para os pacientes são: 

  • Posição de decúbito dorsal;
  • PA Sistólica > 90mmHg;
  • PA Diastólica > 60mmHg;
  • Ausência de hipoxemia (SpO2 > 95%). 

Caso a pressão sistólica do paciente for inferior a esse valor, o examinador deve aguardar o aumento da pressão sanguínea do paciente após reposição de fluidos e/ou uso de aminas vasoativas.  

A diretriz orienta o seguinte para o equipamento: 

  • Sonda de 2MHz;
  • Volume de amostragem entre 10 e 15 mm;
  • Ganho máximo;
  • Potência baixa. 

Insonação da janela transtemporal

Identifique o fluxo da artéria cerebral média (ACM) por: 

  • Ajuste da profundidade da insonação entre 44 e 62 mm; 
  • Identificação do vaso com fluxo em direção ao transdutor; 
  • Avaliação do espectro de ondas para cada intervalo de 2 mm de profundidade.

Insonação da janela suboccipital

  1. Realizar flexão lateral do pescoço em direção ao ombro contralateral;
  2. Identificar o fluxo de velocidade da artéria vertebral (AV) por:
    • Utilização de uma profundidade entre 60 e 80 mm; 
    • Garantia de que o fluxo seja projetado para longe do transdutor;
    • Avaliação do espectro de ondas para cada intervalo de 2 mm.
  3. Identificar o fluxo de velocidade da artéria basilar (AB) por:
    • Utilização de uma profundidade entre 80 e 100 mm; 
    • Garantia de que o fluxo seja projetado para longe do transdutor; 
    • Avaliação do espectro de ondas para cada intervalo de 2 mm.

Insonação da janela transorbital se inadequada

  1. Reduza a potência do ultrassom para 10%;
  2. Identifique o fluxo de velocidade do sifão carotídeo da seguinte forma:
    • Utilização de uma profundidade entre 60 e 80 mm;
    • Garantia de que o fluxo seja projetado para longe ou em direção ao transdutor;
    • Avaliação do espectro de ondas para cada intervalo de 2 mm.

Insonação em situações especiais 

No caso de diagnóstico em crianças menores que 2 anos, em que as fontanelas geralmente encontram-se abertas e o crânio é naturalmente mais elástico, a PIC pode não aumentar como em pacientes adultos, o que pode levar a resultados falso-negativos. 

Isso se justifica pelo fluxo sanguíneo encefálico persistente, especialmente em pacientes com avaliação clínica compatível com morte cerebral. 

Somado a esse cenário, uma situação parecida envolve os pacientes com drenos intraventriculares ou craniotomias extensas. Nestes casos, os resultados do exame devem ser interpretados com cautela. 

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Diagnóstico de morte cerebral por falência de circulação

Conforme a Academia Brasileira de Neurologia, a avaliação das artérias intracranianas é suficiente para o diagnóstico de morte cerebral por ultrassom transcraniano, não sendo nem mesmo necessário mais de um teste. Portanto, apenas um único teste de 30 minutos é exigido. 

A ausência de fluxo sanguíneo cerebral, especialmente nas artérias principais, é um indicador significativo da morte cerebral. A seguir, atente-se para o fluxograma para o diagnóstico de falência pelas artérias cerebrais. 

A imagem mostra um fluxograma para diagnóstico de falência circulatória encefálica.
Fluxograma para o diagnóstico de falência circulatória encefálica. Fonte: Academia Brasileira de Neurologia.

As recomendações ofertadas pela Academia Brasileira de Neurologia são as seguintes: 

Padrões ultrassonográficos

Picos sistólicos curtos e/ou um fluxo alternante:

  • Quando picos sistólicos curtos estão presentes, são necessárias velocidades de fluxo diastólico próximas ou iguais a zero; 
  • A completa ausência de sinal de fluxo sanguíneo só deve ser considerada indicativa de ECA na presença de um estudo anterior na mesma internação hospitalar com uma janela transcraniana apropriada e fluxo sanguíneo identificado nas artérias examinadas.

Observe os achados bilateralmente na circulação anterior

  • Analise os achados pelo menos nas artérias cerebrais médias (ACMs); 
  • Na ausência do exame dessas artérias, ECA deve ser observada em ambos os sifões carotídeos.

Examine as artérias vertebrais e artéria basilar na circulação posterior

  • Observe os achados nas artérias vertebrais (VAs) e na artéria basilar (BA); 
  • Na ausência de sinal de fluxo sanguíneo ou quando a artéria basilar não pode ser estudada, ECA deve ser observada em ambas as artérias vertebrais; 
  • Achados característicos de ECA na artéria basilar em conjunto com qualquer fluxo residual em uma das artérias vertebrais invalidam a conclusão do exame como indicação de ECA neste território.

Abaixo, vemos uma imagem de Doppler transcraniano em pacientes com suspeita de ME apresenta características de velocidades do fluxo sanguíneo cerebral de encefalopatia crônica da infância (ECA).

A imagem mostra um exame de Doppler transcraniano que monitora uma artéria cerebral média. Pico sistólico curto, fluxo alternante, anterógrado na sístole e reverso na diástole.
Doppler transcraniano. Fonte: Academia Brasileira de Neurologia.
  • Em A, artéria cerebral média (58 mm) com um pico sistólico curto.
  • Já em B, artéria cerebral média (54 mm) com fluxo alternante, anterógrado na sístole e reverso na diástole (setas), e um pico sistólico curto (seta).
Saiba mais: Como o Doppler Transcraniano pode ser usado no diagnóstico de doenças neurológicas?

Como deve ser a descrição da morte cerebral?

Nesse tópico abordaremos uma sugestão ofertada pela diretriz de Modelo de Relatório Neurosonológico para Diagnósticos de morte encefálica. 

O relatório deve ser emitido no papel timbrado da instituição, hospital ou clínica responsável pelo exame e deve conter as seguintes informações:

Cabeçalho do relatório

O cabeçalho do relatório deve apresentar os seguintes itens:

  • identificação da instituição, hospital, clínica executora ou solicitante;
  • identificação do paciente com nome, data de nascimento, idade, gênero e registro hospitalar;
  • data e hora em que o exame foi concluído;
  • pressão arterial no momento do exame.

Corpo do relatório

O corpo do relatório deve incluir a descrição do exame, especificando a metodologia realizada e os resultados em todas as artérias examinadas.

Ainda deve conter a descrição da presença ou ausência de sinais compatíveis com ECA em cada vaso sanguíneo analisado. Devem ser fornecidas justificativas para testes com resultados inconclusivos.

Conclusão do relatório

A descrição final deve afirmar se os resultados são compatíveis ou incompatíveis com ECA, ou se o teste foi inconclusivo.

A conclusão também deve incluir informações sobre o médico responsável pelo exame, com seu nome completo, assinatura e número de licença médica.

Imagens do relatório

Para Doppler transcraniano (TCD), anexar pelo menos uma imagem (análise espectral) de cada vaso sanguíneo analisado.

Para ultrassonografia transcraniana com Doppler colorido (TCCD), pelo menos uma imagem de cada vaso sanguíneo analisado deve ser anexada ao relatório, e as imagens devem incluir:

  • identificação anatômica;
  • modo B;
  • vaso sanguíneo do Doppler colorido;
  • espectro do Doppler de onda pulsada.
Entenda também: Por que fazer uma especialização médica com o Cetrus?

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Referências