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Detecção da esteatose hepática: achados ultrassonográficos e elastográficos

Aprenda mais sobre a detecção da esteatose hepática, achados em exames de imagem e identificação de sinais importantes. Boa leitura! 

A esteatose hepática tem se tornado uma condição cada vez mais frequente, conforme o aumento do consumo de alimentos ricos em gordura. Pensando nisso, os exames diagnósticos mais acurados aliados a um olhar clínico cuidadoso vem se tornado a ferramenta mais favorável para médicos na análise de imagens. 

O que preciso saber para fazer a detecção da esteatose hepática?

A Esteatose Hepática, frequentemente chamada de “fígado gorduroso”, é uma condição caracterizada pelo acúmulo excessivo de triglicerídeos nos hepatócitos, as células do fígado. 

Esse acúmulo ocorre quando a quantidade de gordura que entra ou é produzida no fígado excede a quantidade que pode ser metabolizada ou removida. É um distúrbio multifatorial influenciado por uma combinação de fatores genéticos, metabólicos e ambientais.

Sua prevalência crescente está fortemente associada a mudanças no estilo de vida, como dietas ricas em gorduras saturadas e açúcares, sedentarismo e obesidade. 

Além disso, o aumento na precisão dos métodos de diagnóstico, como ultrassonografia e elastografia, tem contribuído para a detecção mais frequente da doença em estágios iniciais.

A condição abrange um amplo espectro de gravidade. Inicialmente, pode se apresentar como esteatose simples, onde o acúmulo de gordura está presente, mas sem inflamação significativa ou lesão celular. 

Contudo, em uma parcela dos pacientes, pode progredir para esteato-hepatite não alcoólica (NASH), caracterizada pela inflamação do fígado e dano celular mais substancial. Essa evolução aumenta o risco de fibrose progressiva, podendo levar à cirrose e, em casos extremos, ao desenvolvimento de carcinoma hepatocelular, um tipo de câncer no fígado.

É essencial ressaltar que, apesar da esteatose hepática ser inicialmente assintomática em muitos casos, é uma condição séria que requer atenção médica e mudanças no estilo de vida para evitar complicações graves. 

A abordagem médica deve ir além da simples observação da presença de gordura no fígado, considerando a avaliação cuidadosa do risco individual de progressão da doença e a implementação de estratégias terapêuticas personalizadas para cada paciente.

Características ultrassonográficas da esteatose hepática 

Na ultrassonografia, a esteatose hepática apresenta algumas características distintivas que podem ser identificadas pelos médicos radiologistas ou especialistas. Aqui estão algumas das principais características ultrassonográficas associadas à esteatose hepática:

Ecogenicidade Aumentada do Fígado

O fígado afetado pela esteatose tende a aparecer mais ecogênico (hiperecogênico) em comparação com o baço. Isso é devido ao acúmulo de gordura nos hepatócitos, o que aumenta a refletividade do ultrassom.

Padrão de Fígado Brilhante:

  • Pode-se observar um aumento difuso na ecogenicidade do parênquima hepático, levando a um “fígado brilhante” ou “fígado de aspecto gorduroso”.
  • Essa característica é uma indicação visual da presença de esteatose.

Perda da visualização dos vasos hepáticos

  • Em casos mais avançados, a presença de esteatose pode resultar na diminuição da visualização dos vasos hepáticos devido à atenuação do sinal ultrassonográfico.

Limitação na visualização do diafragma

  • O acúmulo de gordura no fígado pode interferir na visualização do diafragma posterior, especialmente em casos de esteatose mais extensa.

Diferenciação entre esteatose e lesões focais

  • Em situações onde coexistem lesões focais, como tumores ou cistos, a diferenciação dessas lesões da esteatose hepática é fundamental para um diagnóstico preciso.

É importante ressaltar que, embora a ultrassonografia seja amplamente utilizada na detecção de esteatose hepática devido à sua acessibilidade e custo relativamente baixo, essa técnica pode ter limitações na sensibilidade para detectar quantidades menores de gordura no fígado. 

Como um exemplo disso, a falha de esteatose, que podem, em alguns casos, assemelhar-se a neoplasias. A esteatose focal é identificada como uma região hiperecogênica, enquanto a falha de esteatose se apresenta como uma área hipoecogênica. Essas áreas muitas vezes são localizadas na periferia do órgão, em regiões próximas à vesícula biliar, especialmente nos segmentos IV e V do fígado. 

É importante ressaltar que essas áreas não causam efeito de massa e frequentemente exibem uma configuração algo geométrica. Em casos de dúvida ou para uma avaliação mais detalhada, a tomografia de abdome é uma opção eficaz para esclarecer essas discrepâncias.

Área de falha de esteatose (seta). Fonte: Sociedade Brasileira de Hepatologia

Em casos de dúvida ou quando se necessita de uma avaliação mais precisa da extensão da doença hepática, outras modalidades de imagem, como a ressonância magnética ou a elastografia, podem ser recomendadas para complementar o diagnóstico.

Limitações na detecção de esteatose hepática por ultrassom

Embora a ultrassonografia seja amplamente utilizada para detectar esteatose hepática, existem algumas limitações associadas a essa técnica de imagem:

Sensibilidade Variável

A sensibilidade do ultrassom na detecção de esteatose hepática pode variar. Em casos de quantidades menores de gordura no fígado, a ultrassonografia pode não ser capaz de identificar a condição, resultando em falsos negativos.

Dependência do Operador e Qualidade Técnica

A qualidade da imagem e a precisão do diagnóstico dependem da habilidade do operador. Fatores como a experiência do técnico em ultrassonografia e a qualidade do equipamento podem influenciar a acurácia do diagnóstico.

Limitações na Diferenciação de Graus de Esteatose

 A ultrassonografia pode identificar a presença de esteatose, mas muitas vezes não consegue distinguir entre diferentes graus de gravidade da doença, como a diferenciação entre esteatose simples e esteato-hepatite não alcoólica (NASH).

Obesidade e Interferências Acústicas

Em pacientes com obesidade ou excesso de gás intestinal, a ultrassonografia pode enfrentar dificuldades adicionais na obtenção de imagens claras do fígado, podendo prejudicar a avaliação adequada da esteatose hepática.

Limitações na Quantificação Precisa de Gordura Hepática

A ultrassonografia não é capaz de fornecer uma medida quantitativa precisa da quantidade de gordura presente no fígado, o que pode ser necessário para monitorar a progressão da doença ao longo do tempo.

Devido a essas limitações, em casos de diagnóstico incerto ou quando uma avaliação mais detalhada é necessária, outras modalidades de imagem, como a ressonância magnética (RM) com espectroscopia de prótons ou a elastografia por ressonância magnética, podem ser recomendadas para complementar a avaliação da esteatose hepática.

Leia também: hepatopatias: principais tipos, diagnóstico e manejo

Detecção da esteatose hepática: relação entre achados e gravidade da doença 

A acumulação de lipídios nos hepatócitos causa mudanças no modo como as ondas sonoras interagem com o fígado, resultando numa aparência peculiar durante a ultrassonografia. 

A gordura cria uma espécie de barreira para as ondas sonoras, o que faz com que mais sinais de eco retornem ao transdutor. Isso resulta na aparência do fígado, que pode parecer “brilhante“, com uma coloração esbranquiçada ou apresentando um maior eco. 

Esse acúmulo de gordura também afeta a capacidade das ondas ultrassônicas penetrarem no tecido, dificultando a visualização clara de estruturas como os vasos intra-hepáticos, ductos biliares e, em alguns casos, lesões hepáticas. 

Além disso, o contraste entre o fígado, o córtex renal e o baço é alterado, tornando o fígado mais claro (hiperecoico) em comparação com o córtex renal, fenômeno conhecido como contraste hepatorrenal. 

Quanto maior a quantidade de gordura depositada, mais evidente é a aparência hiperecoica do fígado, mais pronunciado é o contraste hepatorrenal e podem surgir irregularidades discretas na superfície e nas bordas do órgão, que se tornam progressivamente menos nítidas. Na ultrassonografia, a esteatose pode ser categorizada da seguinte forma:

  • Leve: manifesta-se como um discreto e difuso aumento na ecogenicidade hepática, permitindo a visualização normal do diafragma e das margens dos vasos hepáticos.
  • Moderada: apresenta um aumento moderado e difuso na ecogenicidade hepática, com visualização relativamente fácil do diafragma e das bordas dos vasos hepáticos.
  • Acentuada: caracteriza-se por um acentuado aumento na ecogenicidade hepática, tornando muito difícil ou praticamente impossível visualizar os vasos hepáticos, a parede da veia porta, o diafragma e a parte posterior do lobo hepático direito.
Esquematização das bordas hepáticas. Fonte: Sociedade Brasileira de Hepatologia. 

Elastografia hepática e tipos 

A avaliação das técnicas de elastografia pode ser categorizada de acordo com diferentes critérios, como: 

  • Tipo de onda aplicada no tecido (cisalhamento ou compressão, conhecida como elastografia de tensão);
  • Fonte da onda (intrínseca, externa ou in situ);
  • Tempo de deformação (transitório ou harmônico);
  • Modalidade de imagem utilizada (ultrassom ou ressonância nuclear magnética – RNM);
  • Volume avaliado (unidirecional, pequeno, planar, múltiplas fatias ou grande).

Dentro desse contexto, as técnicas disponíveis clinicamente para a avaliação da fibrose hepática incluem a elastografia transitória (TE), conhecida também como FibroScan, e as técnicas de SWE incorporadas em aparelhos de ultrassonografia. 

Finalidade das técnicas de elastografia hepática

Nessas técnicas, as ondas de cisalhamento são geradas pelo impulso acústico do feixe ultrassom diretamente no fígado, denominadas técnicas de impulso de força de radiação acústica (ARFI).  Essas abordagens permitem a medição da velocidade da onda de cisalhamento, seja em um ponto (pSWE) ou por meio de várias linhas de ARFI (2D-SWE), possibilitando a obtenção de imagens quantitativas da velocidade da onda de cisalhamento. 

Enquanto os métodos de elastografia por ultrassonografia se concentram na medição das deformações internas do tecido causadas por uma força aplicada, a elastografia por ressonância magnética oferece uma abordagem diferente que será detalhada em outro capítulo. 

Elastografia por ressonância magnética

A ERM apresenta uma perspectiva complementar e específica para a avaliação da rigidez hepática, sendo uma técnica útil para compreender a saúde do fígado em uma análise mais detalhada. 

Na figura abaixo vemos uma elastografia por ressonância magnética de uma mulher de 63 anos com diabetes mellitus, sobrepeso (IMC = 29 kg/m²) e esteatose de grau acentuado. 

Imagem ponderada em T2 (superior à esquerda) apresentando o fígado com dimensões aumentadas. A imagem de ondas (superior à direita) demonstra propagação adequada e uniforme pelo fígado. 

O elastograma (inferior à esquerda) e o mapa de confiança (inferior à direita) demonstram o fígado com rigidez de distribuição heterogênea, predominantemente na cor azul (dentro da normalidade), porém com áreas focais com rigidez aumentada na cor verde (até 4 kPa). 

A rigidez média calculada foi de 3,0 kPa, sendo equivalente a fibrose estágio 1-2. Este caso demonstra a vantagem da maior amostragem, pois uma amostragem no segmento posterior do lobo hepático direito poderia resultar em um estadiamento de fibrose que não reflete o grau de doença da paciente.

Elastografia por ressonância magnética. Fonte: Elastografia Hepática – Guia Prático.

Resultados inválidos ou não confiáveis na elastografia hepática 

Inválidos

Na elastografia transitória, os resultados inválidos são identificados quando o equipamento não emite um resultado devido a possíveis erros técnicos durante o exame. Essas ocorrências podem chegar a 10% dos casos

Fatores comuns incluem a profundidade de avaliação menor que 4-5 centímetros, uma “janela” de observação inadequada no ultrassom, reverberações, movimentos do pulso ou da respiração, ascites volumosas, espessura da parede intercostal superior a 2,5 centímetros, IMC superior a 30 kg/m², presença de esteatose e circunferência abdominal superior a 102 centímetros.

Não confiáveis 

Resultados considerados não confiáveis carecem dos critérios mínimos de qualidade para garantir precisão e têm uma alta probabilidade de discordância em relação ao padrão-ouro, como a biópsia hepática. 

Na elastografia transitória, um resultado confiável é obtido quando são registradas no mínimo 10 medidas válidas, mantendo uma relação entre o intervalo interquartil das medidas e a mediana igual ou inferior a 30%. 

Isso indica uma baixa variabilidade entre as medidas, refletindo medidas consistentes. Esse cálculo é realizado pelo equipamento e está presente no relatório. Quanto menor esse percentual, maior a consistência das medidas e maior a confiabilidade do resultado.

Equipamentos que utilizam pSWE têm critérios semelhantes de confiabilidade, onde se busca uma relação entre o intervalo interquartil e a mediana igual ou inferior a 30%, ou um desvio padrão não superior a 30% da média de pelo menos dez medidas válidas. 

Para equipamentos 2D-SWE, não há critérios independentes publicados para avaliar a confiabilidade do resultado do exame, sendo recomendado seguir as instruções dos fabricantes. Geralmente, são necessárias de 3 a 15 medidas válidas, com algumas orientações sobre a relação entre o intervalo interquartil e a mediana, preferencialmente não superior a 30%.

Leia também: Por que fazer uma especialização médica com o Cetrus?

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Referências 

  1.  Ultrassonografia e elastografia hepática. Giovanni Faria Silva. Sociedade Brasileira de Hepatologia. 
  2. Elastografia Hepática. DIMAS CARNAÚBA JUNIOR. Secretaria de Estado da Saúde – SP.