Anestesia regional guiada por ultrassonografia: orientações de conduta com foco na prática
Saiba como utilizar a ultrassonografia na anestesia regional, uma ferramenta que possibilita mais segurança ao paciente.
A utilização da ultrassonografia como ferramenta complementar na administração de anestesia regional tem se tornado uma prática cada vez mais difundida e recomendada dentro da comunidade médica.
Essa abordagem, que combina a precisão da imagem ultrassonográfica com os princípios da anestesia regional, oferece vantagens significativas em termos de eficácia do procedimento pelo anestesista e de segurança do paciente.
Diferença entre anestesia e sedação
Antes de falarmos especificamente sobre anestesia regional, é importante diferenciarmos anestesia de sedação. Ambas são abordagens distintas utilizadas para proporcionar conforto e alívio da dor durante procedimentos médicos ou cirúrgicos, mas há diferenças significativas entre elas.
Anestesia
A anestesia é um estado de ausência de sensação, geralmente acompanhado de perda de consciência, perda de reflexos e imobilidade muscular. Seu principal objetivo é bloquear a percepção da dor e fornecer condições ideais para procedimentos invasivos ou cirúrgicos.
Existem diferentes tipos de anestesia, como anestesia geral, anestesia regional e anestesia local. Cada tipo varia em termos de profundidade do bloqueio sensorial e dos níveis de consciência do paciente. Dessa forma, pode ser ou não necessária ventilação assistida ou controle da via aérea.
Sedação
No caso da sedação, este é um estado de depressão do sistema nervoso central que resulta em diminuição da consciência e relaxamento do paciente, sem necessariamente induzir sono profundo ou perda de reflexos. O paciente pode permanecer consciente e capaz de responder a estímulos, mas em um estado de relaxamento e calma.
A sedação pode ser leve, moderada ou profunda, dependendo da quantidade de medicamento administrado e do nível de depressão do sistema nervoso central induzido. O paciente geralmente mantém a ventilação espontânea, sem necessidade de suporte respiratório.
Tipos de anestesia
Existem vários tipos de anestesia, cada um com suas próprias características e aplicações. Os principais tipos de anestesia são a anestesia:
- Geral
- Regional
- Local.
De forma geral, usa-se a anestesia geral para induzir uma perda completa da consciência, levando o paciente a um estado de sono profundo. Administra-a por via intravenosa e/ou inalação de gases anestésicos. Indica-se seu uso em cirurgias extensas, procedimentos complexos ou pacientes que não podem tolerar estar acordados durante o procedimento.
A anestesia regional envolve o bloqueio da condução nervosa, envolvendo o neuro-eixo. Inclui técnicas como bloqueios de nervos periféricos, bloqueios epidurais e raquidianos. Ela pode ser usada sozinha ou em combinação com anestesia geral para fornecer analgesia intra e pós-operatória. Falaremos mais sobre ela abaixo.
Já a anestesia local envolve a administração de anestésicos diretamente no local da cirurgia ou procedimento, geralmente por meio de injeção. Bloqueia a aferência sensorial distal, proporcionando anestesia para pequenos procedimentos cirúrgicos ou manipulações dolorosas. Como exemplos de anestésicos utilizados temos a lidocaína, bupivacaína e ropivacaína.
Anestesia regional: o que é?
Anestesia regional é uma técnica de anestesia que envolve o bloqueio seletivo de nervos específicos ou grupos de nervos para produzir uma área de anestesia em uma parte do corpo.
Essa técnica é frequentemente utilizada para procedimentos cirúrgicos em que apenas uma região do corpo precisa ser anestesiada, oferecendo vantagens como menor risco de complicações sistêmicas e recuperação mais rápida do que a anestesia geral.
Tipos de anestesia regional
Existem basicamente três tipos de anestesia regional:
Anestesia peridural ou epidural
Consiste na administração de anestésico local na região do espaço peridural, localizado entre o ligamento amarelo e a dura máter, próximo à medula espinhal.
Esse tipo de anestesia pode ser usado para anestesiar áreas como o abdômen, a pelve, as pernas e o períneo, e é frequentemente utilizado durante o trabalho de parto ou para cirurgias abdominais e ortopédicas.
Raquianestesia (subaracnóidea)
Este tipo de anestesia regional é similar à anestesia epidural, mas envolve a injeção de anestésico local diretamente no líquido cefalorraquidiano dentro do canal espinhal. Ou seja, atravessa a dura máter.
Isso resulta em uma anestesia mais rápida e intensa, frequentemente utilizada para cirurgias de curta duração nas regiões inferiores do corpo, como as pernas ou o períneo.
Bloqueio de nervos periféricos
Neste tipo de anestesia, injeta-se o anestésico local próximo a um ou mais nervos periféricos específicos que inervam a área a ser anestesiada. Podemos dividir esses bloqueios em simples ou múltiplos, dependendo do número de nervos-alvo.
Exemplos comuns incluem bloqueio do plexo braquial para cirurgias de membros superiores e bloqueio do nervo ciático para cirurgias de membros inferiores.
Complicações da anestesia regional
Embora a anestesia regional seja geralmente considerada segura e eficaz, assim como qualquer procedimento médico, ela pode estar associada a algumas complicações. As principais complicações da anestesia regional incluem:
- Hematoma epidural
- Infecção
- Trauma direto por agulha ou cateter
- Cefaleia pós-punção
- Lesão nervosa
- Lesão vascular
- Reações alérgicas
- Toxicidade do Sistema Nervoso Central
- Toxicidade Cardiovascular
De todos esses, a infecção é algo que podemos mais evitar. Por isso, em caso de anestesia regional guiada por ultrassom, é importante adotar uma técnica estéril.
Técnicas da anestesia regional com uso do ultrassom
Para além de dominar os mecanismos de ação dos anestésicos e quais as suas indicações, o médico deve saber realizar a aplicação de forma correta. É importante ter cuidado no local onde se realizará a inserção da agulha com o fármaco para evitar traumas, lesões vasculares e nervosas, entre outras complicações possíveis de uma anestesia regional.
De forma geral, os profissionais realizam anestesias regionais com base na palpação de referências ósseas. Por exemplo, a raquianestesia deve ser realizada após a segunda vértebra lombar (L2), que é o local onde não há mais medula, para evitar causar um trauma raquimedular.
Com o uso do ultrassom, a identificação e a aplicação da anestesia se tornaram mais fáceis de serem realizadas, aumentando o sucesso do procedimento. Isto porque o ultrassom pode ser usado para:
- Determinar com mais precisão o nível da coluna vertebral para o bloqueio;
- Consegue estimar a profundidade da pele até a dura-máter;
- Confirmar a linha média;
- Identificar o interespaço mais acessível e o ângulo ideal para inserção da agulha.
De forma geral, a ultrassonografia é melhor para analisar a região torácica e lombar.
Imagens do ultrassom
O primeiro passo para obter a imagem do ultrassom é colocar o paciente em posição sentada, flexionando a coluna lombossacral, e então iniciar a palpação dos processos espinhosos para orientação anatômica. Com o uso de transdutor de baixa frequência, curvilíneo, é possível então observar estruturas mais profundas.
As quatro orientações do transdutor usadas na anestesia regional são:
- Parassagital: identificar a localização das lâminas e o espaço interlaminar.
- Parassagital oblíqua: profundidade do espaço interlaminar, que fica entre o complexo posterior (ligamento amarelo e dura máter) e o complexo anterior (ligamento longitudinal/ corpo vertral).
- Transversal: identifica a linha média, serve para medir a profundidade de um espaço intermediário alvo e avaliar a rotação da coluna.
- Diagonal.
Na imagem abaixo é possível observar o local de inserção do transdutor utilizando como referência os processos anatômicos:
Fonte: KAMDAR; HAO, 2024.
Benefícios da ultrassonografia
O uso da ultrassonografia na anestesia regional oferece uma série de benefícios, incluindo uma visualização anatômica aprimorada, administração mais precisa da anestesia, redução do tempo de procedimento, minimização de complicações e melhor satisfação do paciente.
Essa abordagem representa um avanço significativo na prática da anestesiologia, permitindo uma prestação de cuidados mais segura e eficaz para os pacientes submetidos a procedimentos de anestesia regional.
Abaixo, confira os benefícios para cada tipo de anestesia regional.
Anestesia regional: bloqueio de nervos periféricos
Segundo Jeng e Rosenblatt (2024), a utilização da ultrassonografia possibilita a visualização direta da posição da agulha em relação aos nervos alvo, vasos sanguíneos e estruturas circundantes, além de permitir a observação em tempo real do anestésico local durante e após a injeção. Comparado com as técnicas de estimulação de nervos, o uso do ultrassom apresenta vantagens significativas:
- Aumenta a taxa de sucesso do bloqueio.
- Reduz o tempo necessário para realizar o bloqueio e o início da sua eficácia.
- Diminui a quantidade de anestésico local necessária para alcançar um bloqueio eficaz.
- Está associado a uma menor incidência de punção vascular e toxicidade sistêmica do anestésico local (LAST).
- Minimiza o risco de complicações como pneumotórax e bloqueio do nervo frênico.
Benefícios da ultrassonografia na anestesia peridural/epidural
A utilização do ultrassom antes do procedimento de anestesia peri/epidural pode desempenhar um papel crucial ao identificar o espaço intervertebral adequado para a inserção da agulha, além de estimar a profundidade necessária para alcançar o espaço epidural.
Este método pode oferecer benefícios significativos especialmente a pacientes com obesidade ou anatomia alterada, nos quais os pontos de referência tradicionais na superfície da pele podem se mostrar imprecisos ou difíceis de identificar.
Anestesia regional: raquianestesia
Rotineiramente, empregamos a ultrassonografia pré-procedimento em pacientes com dificuldades na identificação dos marcos anatômicos. Essa técnica é cada vez mais utilizada para definir a anatomia antes da realização da raquianestesia.
O ultrassom pode auxiliar na identificação do espaço intervertebral para inserção da agulha e na estimativa da profundidade do espaço subaracnóideo, especialmente em pacientes com obesidade ou anatomia desafiadora.
Geralmente, utiliza-se uma matriz curva de baixa frequência escaneando a parte posterior nos planos parassagital e transversal.
Após identificarmos a linha média e os espaços interespinhosos lombares, marcamos esses pontos nas costas e estimamos a profundidade do espaço subaracnóideo para inserir a agulha raquidiana.
Treinamento prático do uso de ultrassonografia na anestesia regional
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Assista ao vídeo: US anestesia com Dr. Luiz Fernando dos Reis Falcão
Referências
- DELEON, A.M.; WONG, C.A. Spinal anesthesia: Technique. UpToDate, 2024
- ITUK, U.; WONG, C.A. Epidural and combined spinal-epidural anesthesia: Techniques. UpToDate, 2024
- JENG, C.L.; RESENBLATT, M.A. Lower extremity nerve blocks: Techniques. UpToDate, 2024
- JENG, C.L.; RESENBLATT, M.A. Overview of peripheral nerve blocks. UpToDate, 2024
- KAMDAR, B.B.; HAO, D. Ultrasound guidance for neuraxial anesthesia techniques. UpToDate, 2024