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Saiba os fatores associados à hemorragia peri-intraventricular em prematuros e a condução da HPIV

Aprenda sobre a hemorragia peri-intraventricular, quais são os fatores mais associados à condição e como conduzir o manejo adequado desses pacientes. Boa leitura! 

A hemorragia peri-intraventricular (HPIV) é uma das principais lesões neurológicas que acomete os recém-nascidos que são pré-termo de baixo peso. 

A incidência do quadro é muito relevante, alcançando cerca de 32,5% dos recém-nascidos nascidos com < 750g, e cerca de 11,6% dos nascidos com peso entre 1.251g a 1.499g. Em vista disso, é importante que o médico esteja atento a essa condição, sabendo como preveni-la durante a gestação.

Gravidade e classificação da hemorragia peri-intraventricular (HPIV)

A gravidade do GMH-IVH é baseada nos achados da ultrassonografia craniana

Imagem ilustrativa representando a avaliação da gravidade da Hemorragia Peri-intraventricular por Ultrassonografia Craniana.
Gravidade da HPIV conforme a USG craniana. Fonte: Vries et al, 2023.

É válido ressaltar que bebês com HPIV grave correm um risco consideravelmente maior de deficiências de desenvolvimento neurológico do que bebês com GMH-IVH mais leve.

Uma HPIV grau I é descrita como uma área de ecogenicidade aumentada, podendo ser descrita pela imagem abaixo, apontada pelas setas, com uma visão coronal no painel A e parassagital no painel B. 

Imagem ilustrativa da ultrassonografia de um bebê prematuro com hemorragia peri-intraventricular grau I.
Bebê prematudo com hemorragia de matriz germinativa grau I. Fonte: Cortesia de Linda S de Vries, MD, PhD e Lara M Leijser, MD, PhD, MSc.

Já o grau II pode ser representado pela imagem abaixo, que denota um aumento do ventrículo direito em relação ao esquerdo, além de sangue no corno occipital. Avaliar e comparar as duas imagens (acima e abaixo) pode ser interessante para o seu estudo, visto que ambas se tratam de bebês com a mesma idade gestacional (28 semanas). Como relatado acima, a hemorragia ocupa cerca de 10 a 50% da área do ventrículo

Imagem representativa do ultrassom para diagnosticar Hemorragia Peri-intraventricular (HPIV) Grau II em recém-nascidos de 28 semanas.
HPIV grau II, de 28 semanas. Fonte: Cortesia de Linda S de Vries, MD, PhD e Lara M Leijser, MD, PhD, MSc.

O grau III, pode ser representado pela imagem abaixo, que mostra um bebê prematuro nascido com 29 semanas de gestação com hemorragia intraventricular bilateral de matriz germinativa grau III (setas) com dilatação aguda devido a um grande coágulo em ambos os ventrículos.

Imagem representativa da Hemorragia Peri-intraventricular em bebê de 29 semanas, grau III: Exploração dos impactos e estratégias de tratamento.
Grau III de HPIV em um bebê de 29 semanas. Fonte: Cortesia de Linda S de Vries, MD, PhD e Lara M Leijser, MD, PhD, MSc.
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Quais são os fatores de risco para hemorragia peri-intraventricular (HPIV)?

Como comentamos acima, a HPIV é mais comum em recém-nascidos prematuros. Muitos fatores de risco podem ser levados em consideração ao pensarmos na HPIV, como: 

  • Prematuridade, sendo esse o fator de risco mais comum, especialmente em bebês nascidos com menos de 32 semanas;
  • Baixo peso ao nascer, principalmente quando abaixo de 1.500g;
  • Uso de ventilação mecânica, com pressões elevadas sob os pulmões;
  • Hipóxia, durante ou após o nascimento;
  • Alterações de pressão arterial, sendo tanto a hipotensão quanto a hipertensão associadas ao quadro;
  • Distúrbios de coagulação, como trombocitopenia ou distúrbios de coagulação;
  • Sepse neonatal;
  • Malformações cerebrais.

Esses fatores de risco podem atuar isoladamente ou em conjunto para aumentar a vulnerabilidade dos bebês prematuros à HPIV. 

Por isso, é fundamental que os cuidados pré-natais e neonatais sejam cuidadosamente monitorados e que os bebês prematuros sejam acompanhados de perto para detectar precocemente sinais de HPIV ou outros problemas neurológicos.

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Como diagnosticar a HPIV?

A ultrassonografia transfontanela, por ser um método não invasivo e isento de radiação ionizante, além de fácil manuseio à beira leito, se tornou um método diagnóstico mais utilizado e efetivo para o diagnóstico e seguimento desses pacientes. 

A ultrassonografia craniana é realizada por um especialista em radiologia ou neonatologia, utilizando uma sonda de ultrassom suave, que é aplicada cuidadosamente na região da fontanela para visualizar os ventrículos cerebrais e detectar a presença e a extensão da hemorragia.

Como vemos na imagem abaixo, a hemorragia peri-intraventricular se projeta na região da cabeça do núcleo causado (na imagem abaixo: NC), representado na imagem da esquerda. Na imagem da direita, em um corte frontal.

Imagem representativa da Hemorragia Peri-intraventricular, mostrando a projeção na região da cabeça do núcleo.

Em alguns casos, a RM pode ser utilizada para confirmar o diagnóstico e avaliar mais detalhadamente a extensão e possíveis complicações da HPIV. Embora a RM forneça imagens mais detalhadas, pode ser menos acessível ou requerer mais tempo do que a ultrassonografia.

Embora menos frequentemente utilizadas para o diagnóstico direto da HPIV, análises laboratoriais como contagem de plaquetas, tempo de protrombina (TP), tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA) e razão normalizada internacional (INR) podem ser realizadas para avaliar a coagulação sanguínea em casos suspeitos de HPIV ou para determinar a gravidade da condição.

A TC pode ser utilizada em situações específicas, principalmente quando há dificuldade na obtenção de imagens claras por ultrassonografia ou RM. No entanto, a exposição à radiação da TC é uma preocupação em recém-nascidos, tornando-a menos preferível em comparação com a ultrassonografia ou a RM.

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Cuidados de suporte para os pacientes com HPIV

O primeiro cuidado de suporte prioritário no paciente com HPIV é o controle da pressão arterial, mantendo a preservação do fluxo sanguíneo cerebral. Como objetivo, tem-se evitar perturbações significativas ou repentinas e evitar hipo ou hipertensão significativa. 

Em seguida, o fornecimento de oxigenação e ventilação adequadas, evitando especificamente hipocarbia, hipercarbia e acidose. O suporte hídrico, metabólico e nutricional adequado desempenha um papel fundamental no apoio ao recém-nascido seguindo as orientações e recomendações adequadamente conforme a idade do bebê

A abordagem da trombocitopenia e coagulopatia é muito importante para o paciente com HPIV. A baixa contagem de plaquetas ou anormalidades significativas na coagulação podem elevar a possibilidade de um aumento contínuo do sangramento em bebês prematuros que já apresentam hemorragia intracraniana grave.

O que fazer se for identificada a hemorragia intracraniana grave?

Se identificarmos a presença de uma hemorragia intracraniana grave durante o exame inicial de ultrassonografia craniana, é sugerido realizar análises laboratoriais, como contagem de plaquetas, tempo de coagulação (TC), tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA) e a relação internacional normalizada (RIN). 

Se o TTPA e/ou a RIN demonstrarem prolongamento significativo, recomendamos considerar a administração de plasma fresco congelado (PFC) para evitar a expansão do sangramento. No entanto, não há dados sólidos que justifiquem o uso preventivo de PFC na ausência de uma hemorragia intracraniana já estabelecida.

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Monitoramento do paciente com HPIV 

O monitoramento após a identificação do HPIV é fundamental para  a continuidade do tratamento do paciente com a condição.

A sugestão de monitoramento dada por sociedades de medicina fetal ao redor do mundo envolve o monitoramento com ultrassonografia craniana 2 vezes por semana durante 4 semanas após o seu início, a fim de detectar o desenvolvimento de dilatação ventricular pós hemorrágica

O acompanhamento por ultrassonografia craniana é valioso, mas não substitui a observação clínica atenta. Todos os bebês afetados devem ser cuidadosamente monitorados quanto ao aumento do tamanho da cabeça ou qualquer sinal de pressão intracraniana elevada (PIC). No entanto, é importante notar que esses sinais são tardios quando se trata de dilatação ventricular pós-hemorrágica (PHVD)

Sinais de aumento da PIC em bebês prematuros

Os sinais de aumento da PIC em bebês prematuros podem incluir:

  • desconforto respiratório;
  • bradicardia;
  • irritabilidade;
  • dificuldades na alimentação.
Algoritmo para a detecção e tratamento da Hemorragia Peri-intraventricular em bebês prematuros, focado na dilatação ventricular pós-hemorrágica (PHVD).
Algoritmo sobre detecção e tratamento da dilatação ventricular pós-hemorrágica (PHVD) em bebês prematuros. Fonte: Vries et al., 2023.
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Gestão da HPIV: bebês de risco moderado, alto e sintomáticos 

Os bebês de risco moderado são aqueles que desenvolvem dilatação ventricular moderada na ultrassonografia seriada (isto é, índice ventricular [VI] > percentil 97 a ≤ 4 mm acima do percentil 97 e largura do corno anterior [AHW] > 6 até 10 mm).

Nesse caso, os bebês devem ser monitorados com exame físico diário e ultrassonografias cranianas duas vezes por semana conforme o algoritmo acima. Em caso de: 

Dilatação parar ou estabilizar

O tratamento não é necessário, mas a USG deve ser contínua e ocorrer duas vezes por semana até quatro semanas após a identificação. O bebê deve ser submetido à neuroimagem novamente na idade que será equivalente ao termo. 

Dilatação progressiva

O médico deve iniciar a abordagem com punções lombares seriadas iniciais seguidas de drenagem do LCR, usando dispositivo de acesso ventricular temporário. Se necessário, o profissional de medicina deve realizar uma derivação ventrículo-peritoneal (DVP) permanente

Bebês de alto risco

Os bebês de alto risco são aqueles com dilatação ventricular lateral significativa e persistente (VI >4 mm acima do percentil 97 e largura do corno anterior [AHW] >10 mm ou distância tálamo-occipital [TOD] >25 mm). Para eles, recomenda-se o seguinte no tratamento inicial: 

  • Drenagem de LCR seriadas para manter uma VI < 4mm acima do percentil 97 para a idade;
  • No dia seguinte à drenagem, deve-se realizar uma USG craniana.

A decisão de realizar punções lombares subsequentes é baseada nos achados de dilatação persistente no estudo de acompanhamento. 

Punções lombares

As orientação para as punções lombares são: 

  • Máximo de 1 vez ao dia;
  • Restritas a 10mL/kg por punção lombar. 

O tratamento subsequente depende da resolução ou persistência da dilatação. 

Tratamento após o fim do aumento da dilatação

Como comentado, caso não ocorra mais aumento da dilatação, o acompanhamento por ultrassonografia craniana é mantido duas vezes por semana por até quatro semanas. 

Se não houver sinais de expansão contínua nesse período e os índices de ventrículos permanecerem dentro dos limites considerados normais (VI < percentil 97 e AHW < 6 mm), o bebê não requer tratamento ou acompanhamento adicional por ultrassonografia. Recomenda-se realizar uma neuroimagem na idade equivalente ao termo, conforme discutido separadamente.

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Prevenção da hemorragia peri-intraventricular (HPIV)

A prevenção da Hemorragia Peri-intraventricular (HPIV) em bebês prematuros é um aspecto crítico do cuidado neonatal.

O acompanhamento pré-natal regular e cuidadoso, incluindo orientações sobre a saúde materna e fetal, ajuda a reduzir os riscos associados à prematuridade. Ainda, identificar e minimizar as chances trabalho de parto prematuro pode minimizar a taxa de nascimentos prematuros, reduzindo, por sua vez, a probabilidade de HPIV.

A administração de corticosteroides à mãe antes do parto prematuro pode fortalecer os pulmões do bebê e diminuir os riscos de complicações, incluindo a HPIV. Somado a isso, os cuidados específicos durante o parto, como técnicas menos invasivas e atenção à saúde da mãe, podem ajudar a reduzir os riscos associados à HPIV.

Após o nascimento, garantir cuidados neonatais de alta qualidade, incluindo manejo adequado da ventilação, monitoramento cuidadoso da pressão arterial e oxigenação, é fundamental para minimizar os fatores de risco para HPIV.

A investigação contínua sobre fatores de risco, estratégias de prevenção e novas abordagens terapêuticas é fundamental para avançar na prevenção e tratamento da HPIV.

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A medicina fetal é uma especialidade médica focada no cuidado da saúde do feto durante a gestação. Os profissionais dessa área realizam diagnósticos e tratamentos para garantir o desenvolvimento saudável do bebê identificando possíveis complicações e tratando de patologias antes do nascimento.

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Referências