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Mecanismos centrais e periféricos da dor: como eles influenciam no manejo do paciente?

No Brasil, entre 2% e 10% dos indivíduos e em outros países de 3% a 50%, procuram clínicas gerais devido à dor. A presença de dor é relatada por mais de 70% dos pacientes nos consultórios médicos no Brasil, independentemente do motivo da consulta, sendo responsável por um terço dos casos. Este fato ressalta a importância de buscar abordagens mais eficazes para lidar tanto com a dor aguda quanto crônica.

A dor desempenha um papel vital como um mecanismo de alerta, capacitando os indivíduos a detectarem estímulos físicos, químicos e nocivos que podem causar ou já causaram lesões. Isso possibilita a ativação de respostas de defesa ou de retirada, bem como a indução de atitudes ou procedimentos para lidar com a situação.

Quais são os tipos de dor?

Existem diferentes tipos de dor, classificados de acordo com sua origem e natureza. Em relação à origem, a dor pode ser química, neurogênica e mecânica.

Dor química

A dor de origem química surge devido a alterações metabólicas e eletroquímicas locais causadas por:

  • Inflamação aguda
  • Perdas de tecido
  • Rupturas vasculares
  • Outros estímulos.

Dor neurogênica

A dor neurogênica resulta de lesões nas raízes nervosas, levando à desmielinização em seu trajeto e resultando em manifestações dolorosas irradiadas, tanto agudas quanto crônicas.

Mecanismos centrais e periféricos da dor: dor mecânica

A dor mecânica ocorre devido a lesões físicas nos tecidos, como:

  • Compressão
  • Distensão prolongadas.

Classificação quanto à natureza da dor

Quanto à natureza, classifica-se a dor em:

  • Nociceptiva
  • Neuropática
  • Complexa ou mista.

A dor nociceptiva é aquela originada da estimulação dos nociceptores e pode ser dividida em dor somática e visceral. Assim, a dor somática é processada pelos receptores da pele e do sistema músculo-esquelético, como a dor óssea e as úlceras cutâneas. Nesse contexto, a dor visceral tem origem nos nociceptores localizados nas vísceras, como cólicas e dores decorrentes de lesões nos pulmões e em outros órgãos internos. Já a dor neuropática surge de lesões ou compressões no sistema nervoso, tanto central quanto periférico. Por fim, a dor complexa ou mista envolve múltiplas características e requer a associação de fármacos para seu controle adequado.

Como avaliar a dor?

O limiar de dor varia entre diferentes espécies e até mesmo entre indivíduos da mesma espécie. Estudos têm revelado diferenças na tolerância e sensibilidade à dor entre homens e mulheres. Além disso, pesquisas revelaram disparidades entre os sexos em relação ao impacto das condições dolorosas, comportamentos adaptativos à dor e estratégias de enfrentamento.

Também é reconhecido o papel significativo desempenhado pelos hormônios sexuais na patogênese de algumas enfermidades dolorosas. Por exemplo, os estrógenos têm sido implicados em desordens temporomandibulares.

Atualmente, as escalas utilizadas na avaliação da dor são categorizadas como unidimensionais ou multidimensionais. As escalas unidimensionais quantificam a severidade ou intensidade da dor com base em informações rápidas e não invasivas, sendo especialmente úteis na mensuração da dor aguda.

Por outro lado, escalas multidimensionais avaliam e medem as diferentes dimensões da dor, considerando diversos indicadores de respostas e suas interações. As principais dimensões avaliadas incluem a sensorial, a afetiva e a avaliativa.

Quais são os mecanismos periféricos da dor?

Os mecanismos periféricos da dor constituem uma parte fundamental do sistema de sinalização dolorosa no corpo humano. Esses mecanismos envolvem uma série de processos complexos que ocorrem fora do sistema nervoso central.

No nível periférico, os nociceptores desempenham um papel central na detecção de estímulos nocivos. Esses receptores sensoriais especializados respondem a uma variedade de estímulos, incluindo:

  • Calor
  • Frio
  • Pressão
  • Produtos químicos liberados por tecidos danificados.

Uma vez ativados, os nociceptores convertem esses estímulos nocivos em sinais elétricos, em um processo conhecido como transdução. Esses sinais se transmitem ao longo das fibras nervosas periféricas, como as fibras Aδ e C, até a medula espinhal.

Assim, nos terminais dos nociceptores, ocorre a liberação de neurotransmissores excitatórios, como substância P e glutamato, que ativam os neurônios pós-sinápticos na medula espinhal, transmitindo o sinal doloroso para o sistema nervoso central. Além disso, a inflamação desempenha um papel importante na sensibilização dos nociceptores, aumentando sua resposta a estímulos nocivos e contribuindo para a percepção da dor.

Esses mecanismos periféricos são essenciais para a detecção e transmissão de sinais de dor do local da lesão até o sistema nervoso central, desempenhando um papel essencial na experiência sensorial da dor.

Mecanismo central da dor

O mecanismo central da dor desempenha um papel crucial na maneira como o corpo humano percebe e responde aos estímulos dolorosos. Após a transmissão dos sinais de dor das regiões periféricas, esses sinais são processados e interpretados dentro do sistema nervoso central (SNC), que consiste principalmente no cérebro e na medula espinhal.

Quando uma pessoa experimenta dor, os sinais começam nos nociceptores. Como explicado, uma vez ativados, os nociceptores convertem esses estímulos em sinais elétricos, em um processo chamado transdução. Esses sinais elétricos são então transmitidos ao longo das fibras nervosas periféricas, como as fibras Aδ e C, até a medula espinhal.

Na medula espinhal, ocorre a transmissão dos sinais de dor através de diferentes vias ascendentes, como o sistema espinotalâmico. Essas vias transmitem informações sobre a:

  • Localização
  • Intensidade
  • Qualidade da dor para o cérebro.


No cérebro, áreas corticais especializadas, como o córtex somatossensorial e o córtex cingulado, processam os sinais de dor. Essas áreas interpretam os sinais de dor e atribuem significado emocional a eles. Além da percepção consciente da dor, o cérebro também processa a dor em um nível emocional. Nesse contexto, estruturas cerebrais como o córtex pré-frontal e o sistema límbico desempenham um papel importante na atribuição de significado emocional à dor e na regulação das respostas emocionais associadas a ela. Isso explica por que fatores como ansiedade, estresse e estado emocional podem influenciar a percepção da dor.

Outro aspecto importante do mecanismo central da dor é a plasticidade neural. A dor crônica pode levar a mudanças neuroplásticas no SNC, alterando a sensibilidade à dor e os padrões de processamento neural. Essas mudanças podem contribuir para a manutenção da dor crônica e para o desenvolvimento de condições como a síndrome da dor crônica.

Mecanismos centrais e periféricos da dor: avaliação do paciente

Inicialmente, o médico deve avaliar a causa, gravidade e natureza da dor, além do seu impacto nas atividades diárias, humor e sono.

A história da dor inclui seu:

  • Tempo
  • Qualidade
  • Gravidade
  • Localização
  • Fatores exacerbantes.

Nesse contexto, avaliar o nível de função do paciente e sua relação com a dor é crucial. Além disso, o histórico pessoal/familiar de dor crônica deve ser considerado.

Mecanismos centrais e periféricos da dor: como avaliar a intensidade da dor?

A avaliação da intensidade da dor deve ocorrer antes e após intervenções potencialmente dolorosas. Em pacientes capazes de expressar verbalmente, o autorrelato é considerado o padrão-ouro, enquanto sinais externos (como chorar ou tremer) são secundários.

Em pacientes com dificuldades de comunicação ou crianças pequenas, indicadores não verbais podem ser a principal fonte de informação. Medidas formais, como escalas de:

  • Categoria verbal (leve, moderada, grave)
  • Escalas numéricas: pede-se aos pacientes que classifiquem sua dor de 0 a 10 (0 = ausência de dor; 10 = “a pior dor imaginável”)
  • Escala visual analógica (EVA): os pacientes criam um sinal representando o grau da dor em uma linha de 10 cm sem identificação, com a extremidade esquerda com os dizeres “sem dor” e a direita com os dizeres “dor insuportável”

Fonte: adapted from the American Geriatrics Society (AGS) Panel on Chronic Pain in Older Persons: The management of chronic pain in older persons. Journal of the American Geriatrics Society 46:635–651, 1998.

Manejo do paciente com dor: bloqueio terapêutico da dor

O bloqueio terapêutico da dor é uma técnica utilizada para aliviar ou gerenciar a dor em pacientes que não respondem adequadamente a outros tratamentos conservadores. Esse procedimento envolve a administração de medicamentos anestésicos ou corticosteroides diretamente nos nervos, articulações ou músculos afetados, interrompendo temporariamente a transmissão dos sinais de dor.

Existem diferentes tipos de bloqueios terapêuticos, dependendo da localização e da causa da dor.

  • Bloqueios nervosos: injeção de anestésicos locais ao redor dos nervos específicos que estão transmitindo os sinais de dor. Isso pode incluir bloqueios nervosos periféricos, como bloqueios do plexo braquial ou lombar, ou bloqueios de nervos específicos
  • Bloqueios articulares: injeção de medicamentos diretamente em uma articulação afetada para aliviar a dor causada por condições como artrite ou lesões articulares
  • Bloqueios musculares: neste caso, os medicamentos são injetados nos músculos afetados para aliviar a dor associada a espasmos musculares ou pontos de gatilho
  • Bloqueios espinhais: injeção de anestésicos ou corticosteroides na área ao redor da medula espinhal para aliviar a dor causada por condições como hérnia de disco ou estenose espinhal.

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Estudos indicam que cerca de 30% da população mundial vive com dores crônicas. Tratar essas condições de forma adequada é crucial para a saúde pública, promovendo o uso racional do sistema de saúde e de medicamentos, reduzindo os gastos com recursos públicos de saúde e mitigando as repercussões psicossociais e econômicas associadas à dor.

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Referência bibliográfica

  • REVISTA BRASILEIRA DE ANESTESIOLOGIA. Dor: aspectos atuais da sensibilização periférica e central. Disponível aqui.
  • REVISTA BRASILEIRA DE ANESTESIOLOGIA. O papel dos bloqueios anestésicos no tratamento da dor de origem cancerosa. Disponível aqui.
  • SOUSA, F.A.E.F.; SILVA, J.A. Mensurando dor. Revista Dor, São Paulo, v. 6, n. 4, p. 680-687, 2005.