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Interpretação do teste ergoespirométrico e orientações de conduta de tratamento

Aprenda a interpretar o teste ergoespirométrico e saiba manejar o seu paciente de acordo com o resultado do exame. 

O teste ergoespirométrico é um exame físico não invasivo utilizado na prática clínica para avaliar a função cardiopulmonar do paciente. Este método alia as variáveis disponíveis no teste ergométrico com as variáveis respiratórias obtidas pela análise de gases liberados durante o exercício físico. 

O teste ergoespirométrico é um excelente instrumento de análise das respostas fisiológicas do paciente em frente ao esforço, disponibilizando parâmetros em relação à análise de condicionamento físico e ainda de patologias cardiorrespiratórias. 

Para que serve o teste ergoespirométrico?

O teste ergoespirométrico é bastante útil para as áreas da cardiologia, pneumologia e ainda da medicina interna e da medicina do esporte. Ele consegue fornecer informações importantes para: 

  • O diagnóstico diferencial das doenças pulmonares com as cardíacas;
  • Seleção dos candidatos a transplante cardíaco;
  • Diagnóstico de insuficiência coronária;
  • Estratificação de risco antes de cirurgias de grande porte;
  • Determinação da eficácia de intervenções terapêuticas;
  • Estudo fisiopatológico e do diagnóstico diferencial de limitações funcionais ao exercício; 
  • Desempenho dos esportistas e atletas de alto rendimento;
  • Avaliação de pessoas sedentárias, ativas, cardiopatas, pneumopatas. 

Segundo dados da diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia, as indicações para  teste cardiopulmonar são: 

  • Grau A (Há evidências ou consenso favorável):
    • Seleção de pacientes para transplante cardíaco
    • Identificação de mecanismos fisiopatológicos no diagnóstico de dispneia;
    • Avaliação da gravidade da síndrome de insuficiência coronária;
    • Prescrição de exercício em atletas de ponta, pacientes com insuficiência cardíaca congestiva, com pneumopatias ou obesos;
    • Estimativa de prognóstico em pacientes portadores de IVE sintomáticos. 
  • Grau B1 (Há divergências de opiniões, mas as evidências favorecem sua utilidade/eficácia):
    • Avaliação da resposta a intervenções terapêuticas 
    • Quantificação precisa da potência aeróbica em indivíduos em programas de exercício físico. 
  • Grau B2 (Há divergências de opiniões, com utilidade não muito bem estabelecida): 
    • Avaliação da resposta a programas de reabilitação. 

Preparação para teste ergoespirométrico

O teste ergoespirométrico associado às análises do teste ergométrico com variáveis ventilatórias, gases expirados e oximetria. Para que eles sejam realizados com qualidade e segurança para o paciente, é preciso que exista uma preparação inicial. 

Primeiramente é importante informar ao paciente como o exame irá ocorrer. Como a comunicação entre o médico e o paciente fica prejudicada no momento do teste, é importante explicar a Escala de Borg, que geralmente se encontra em um pôster na parede, em que o paciente pode indicar a sensação de cansaço. 

Depois é importante preparar a sala em que o mesmo será realizado. Para isso, é necessário um ambiente amplo, limpo, com boa luminosidade, e controle da temperatura (deve-se manter entre 18º e 22ºC) e através de termômetro  e controle da umidade relativa do ar (entre 50 e 70%) através do higrômetro. A sala deve ter ainda com vestiário e banheiro. 

Para o teste ergoespirométrico especificamente é necessário: 

  • Computador central que controlará o ergômetro
  • Ergômetro, que pode ser uma esteira (pacientes até 157,5kg) ou um cicloergômetro (indicada em casos de pacientes com limitações ortopédicas, neurológicas ou vasculares periféricas)
  • Oxímetro
  • Monitor de pressão 
  • Eletrocardiograma
  • Aparelho de medida da ventilação
  • Bucal e clipe nasal

Além de tudo isso, é de suma importância que o ambiente tenha equipamentos de primeiros socorros, como desfibriladores e medicamentos, em caso de alguma emergência. É fundamental que os equipamentos utilizados estejam calibrados. 

Leia mais: Teste ergoespirométrico: como realizar o exame e elaborar o laudo?

Funcionamento do teste

O paciente é posicionado em uma esteira ergométrica ou em uma bicicleta ergométrica. Em seguida, são colocados os sensores para monitoramento da frequência cardíaca, pressão arterial e, principalmente, a máscara ou dispositivo para análise de gases.

O teste é iniciado com um nível inicial de esforço, que pode ser estabelecido com base na capacidade física do paciente. A cada estágio, a intensidade do exercício é gradualmente aumentada, seja através do aumento da velocidade na esteira ou da resistência na bicicleta, de acordo com um protocolo pré-estabelecido.

Durante todo o teste, os parâmetros fisiológicos são continuamente monitorados e registrados. O exame continua até que o paciente atinja seu esforço máximo ou até que o protocolo estabelecido seja completado. Após o término do teste, é fornecido um período de recuperação, durante o qual o paciente continua sendo monitorado para avaliar a recuperação dos parâmetros fisiológicos.

Variáveis analisadas

O teste ergoespirométrico analisamos a parte do teste ergométrico, que são a frequência cardíaca, pressão arterial, eletrocardiograma e avaliação dos sintomas apresentados pelo paciente no momento da realização do exame. Somados a essas variáveis, observamos a parte pulmonar relativas a ventilação e frações de expiradas de oxigênio (FEO2) e de gás carbônico (FECO2):

  • Consumo de oxigênio (VO2) 
  • Produção de gás carbônico (VCO2);
  • Ventilação pulmonar (VE)
  • Equivalentes ventilatórios do oxigênio ou limiar ventilatório 1 (VE/ VO2) e do gás carbônico  ou limiar ventilatório 2 (VE/ VCO2);
  • Pulso de oxigênio (VO2/FC);
  • Quociente respiratório (RQ ou R = VCO2/ VO2); Observação : Utiliza-se a sigla RQ até que o 1º limiar ventilatório seja atingido. Após o primeiro limiar ventilatório ser atingido, usa-se a sigla R.
  • Limiar anaeróbico (LAn): reflete aptidão física
  • Potência circulatória (PC)
  • Ponto de compensação respiratória (PCR)
  • Pressão expirada de O2 (PETO2) ou Fração expirada de O2 (FEO2)
  • Pressão expirada de CO2 (PETCO2) ou fração expirada de CO2 (FECO2)
  • Reserva ventilatória (VE/VVM)

Interpretação do teste ergoespirométrico

Confira abaixo o que as principais variável representa e qual a sua interpretação no teste ergoespirométrico: 

Consumo de oxigênio (VO2)

O consumo de oxigênio (VO2) representa a quantidade de oxigênio extraída do ar inalado pelo processo de ventilação pulmonar durante um determinado intervalo de tempo. Os músculos distribuem, circulam e absorvem esse oxigênio, utilizando-o para realizar suas funções metabólicas.

Faz-se o cálculo do VO2 considerando a diferença entre o volume de oxigênio inspirado e o volume de oxigênio expirado.

Durante o teste, o paciente pode alcançar o VO2máx, que seria o consumo máximo de oxigênio alcançado, mesmo que a carga de trabalho continue sendo aumentada. Podemos afirmar que um indivíduo alcançou o VO2máx quando: 

  • Ocorre um platô na curva do VO2 (aumento ≤ 150 ml/min-1 ou 2 ml/kg1min-1 );
  • Quando o quociente respiratório (R) ≥ 1,15 FCMax ≥ 90% da prevista pela idade;
  • Quando o índice de percepção de esforço ≥ 18 (Escala de BORG) e fadiga voluntária máxima com incapacidade de manutenção do ritmo preestabelecido.


Nos pacientes com comprometimento cardiopulmonar, muscular e cerebral, identificamos o maior valor alcançado no final de um exercício exaustivo como o VO2pico. Este valor reflete a capacidade da pessoa de absorver, transportar e consumir oxigênio até ser interrompido por algum fator limitante, como o sedentarismo ou estados fisiopatológicos como a DPOC, IC e doenças musculares periféricas. Essa limitação impede que o indivíduo atinja seu VO2máx.

Considera-se esta variável como padrão-ouro porque consegue identificar a gravidade de doenças cardiopulmonares e inferir o nível de aptidão física. 

Quociente respiratório (RQ ou R) 

Este quociente reflete a razão entre a liberação de CO2 e a captação de O2 pulmonares medidos no ar expirado (VCO2/VO2). 

Limiar anaeróbio ventilatório (LAV) ou 1° limiar ventilatório

Este limiar pode caracteriza-se por marcar o início do acúmulo sustentando de lactato na corrente sanguínea, comparados aos valores de repouso. É percebido pela perda da linearidade entre a ventilação (VE) e o VO2. 

Ponto de compensação respiratória (PCR) ou 2° limiar ventilatório

Serve como marcar de esforço respiratório. Ele é caracterizado pela perda da linearidade da relação entre a VE e o VCO2, queda da PETO2.

Pulso de oxigênio – PuO2 (VO2/FC) 

Considerada uma das mais importantes variáveis utilizadas pela ergoespirometria, pois demonstra a quantidade de O2 que é transportada/consumida a cada sístole cardíaca pela musculatura periférica. 

Ela pode contribuir para o diagnóstico de disfunção ventricular e isquemia miocárdica induzida por esforços. 

Como as doenças se apresentam ao exame? 

O teste é uma ferramenta valiosa na avaliação da capacidade funcional e cardiovascular, permitindo diagnosticar e monitorar uma variedade de condições médicas.

Abaixo, está um resumo das principais doenças e padrões fisiológicos associados a cada variável:

  • VO2 pico abaixo do esperado: Indica capacidade funcional reduzida, associada a condições como insuficiência cardíaca, doença pulmonar, obesidade mórbida, entre outras.
  • LAT reduzido ou alterado: Sugere deterioração da capacidade funcional aeróbia e pode estar presente em pacientes com insuficiência cardíaca, doença arterial coronariana e outras condições cardiopulmonares.
  • VE/VCO2 slope elevado: Associado a uma resposta ventilatória ineficiente ao exercício e está presente em pacientes com insuficiência cardíaca, doença pulmonar, hipertensão pulmonar, entre outras condições.
  • VT reduzido ou atrasado: Pode indicar uma resposta anormal do sistema respiratório ao exercício e está associado a condições como insuficiência cardíaca, doença pulmonar, entre outras.
  • VE elevado em relação ao VO2: Indica uma resposta ventilatória desproporcional ao exercício e pode estar presente em pacientes com obesidade mórbida, insuficiência cardíaca, entre outras condições.
  • Aumento desproporcional da FR em relação ao VO2: Pode indicar uma resposta ventilatória anormal e está associado a condições como insuficiência cardíaca, doença pulmonar, entre outras.

Na tabela abaixo é possível observar como todas as variáveis se comportam no distúrbio cardio circulatório, distúrbio respiratório, vascular-pulmonar, hiperventilação e obesidade/sedentarismo. 

Fonte: HOSSRIS; FERNANDES, 2018. 

Quem pode realizar o teste ergoespirométrico?

O teste ergoespirométrico, assim como espirométrico, deve ser realizado por um cardiologista especializado nesta área. O profissional deve receber um certificado de Ergometria creditado pela Sociedade Brasileira de Cardiologia. 

Deve ainda ter realizado pelo menos 50 testes sob supervisão de especialistas, seguindo toda uma regra pré estabelecida. 

Curso intensivo em Ergoespirometria e Reabilitação Cardiovascular

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Não perca tempo e esteja apto a realizar o teste, aprendendo como laudar o exame e compreender os seus resultados. 

Referências 

  1. GUIMARÃES, J.I. et al. Normatização de técnicas e equipamentos para realização de exames em ergometria e ergoespirometria. Arq. Bras. Cardiol. 80 (4) • Abr 2003, https://doi.org/10.1590/S0066-782X2003000400011  
  2. FLORIANO, R.S.; ORSINI, M.; REIS, M.S. Importância do teste cardiopulmonar para a fisioterapia cardiovascular. Fisioter Bras 2019;20(4):578-91 https://doi.org/10.33233/fb.v20i4.2411  
  3. YAZBEK Jr., P. et al. Ergoespirometria: teste de esforço cardiopulmonar, metodologia  e interpretação. Arq. Brasileiro Cardol, volume 71, nº5, 1998. 
  4. SOUZA, F.G.; JAIME, P.J.D.C.; CUNHA, R.M. Teste ergoespirométrico aplicado à prática do exercício físico: um estudo de revisão. Revista Movimenta ISSN: 1984-4298 Vol 6 n°2,  2013. 
  5. STEIN, R. Teste cardiopulmonar de exercício: noções básicas sobre o tema. Revista da Sociedade de Cardiologia do Rio Grande do Sul. Ano XV nº9, set/out/nov/dez 2006.
  6. HERDY, A.H. et al. Cardiopulmonary Exercise Test: Background, Applicability and Interpretation.  Arq. Bras. Cardiol. 107 (5) • Nov 2016 •
  7. HOSSRI, C. A. C.; FERNANDES, E.L. Variáveis do teste cardiopulmonar de exercício diagnóstico diferencial da dispneia. Rev DERC 2018;24(3):74-79
  8. HOSSRI, C.A.C.; ARAKAKI, H. Indicações do teste cardiopulmonar na avalia de pacientes com insuficiência coronária. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 2002;1:14-22
  9. SOUZA, E.C.M.S et al. Teste cardiopulmonar do exercício na prática clínica. Rev Bras Med Esporte _ Vol. 6, Nº 6 – Nov/Dez, 2000.