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Como realizar o diagnóstico de adenomiose?

A adenomiose, uma condição ginecológica caracterizada pela presença anormal de tecido endometrial dentro do miométrio, continua a representar um desafio diagnóstico significativo devido à sua apresentação clínica variável e fisiopatologia indefinida. 

No entanto, nos últimos anos, o ultrassom transvaginal e ressonância magnética passaram

a ter muita importância no diagnóstico.  Confira no texto mais informações sobre estes exames complementares na investigação desta condição clínica e saiba mais sobre ela. 

O que é adenomiose?

A adenomiose é uma condição ginecológica benigna, caracterizada pela presença anormal de tecido endometrial dentro do miométrio. Pode se apresentar com uma invasão superior a 2,5mm de profundidade ou pelo menos um campo microscópico com grande aumento distante da camada basal do endométrio. Além disso, pode-se identificar presença de glândulas e estroma endometrias envoltos por hiperplasia e hipertrofia das células miometrias.  

 A sua etiologia permanece parcialmente compreendida, embora várias teorias tenham sido propostas. A invasão direta do endométrio na camada miometrial através de lesões da parede uterina, como cesarianas, curetagens uterinas ou partos, é frequentemente implicada como um mecanismo provável. Além disso, desordens hormonais, como o desequilíbrio entre estrogênio e progesterona, têm sido associadas ao desenvolvimento e progressão da adenomiose.

Epidemiologia e fatores de risco

A adenomiose pode afetar mulheres de todas as idades, mas é mais comum em mulheres que já tiveram filhos e em mulheres na faixa etária entre 30 e 50 anos. Segundo a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) a prevalência é de 31% a 61,5% nas mulheres. 

Os fatores que contribuem para o desenvolvimento da adenomiose ainda não são completamente compreendidos, mas acredita-se que as mudanças hormonais e a inflamação crônica possam desempenhar um papel importante. 

Dentre os fatores de risco, podemos citar:

  • Idade entre 40 a 50 anos;
  • Menarca precoce com idade inferior a 10 anos;
  • Ciclos menstruais curtos com menos de 24 dias de intervalo;
  • Uso prévio de contraceptivos hormonais e tamoxifeno;
  • Índice de massa corporal elevado;
  • Multiparidade (mais de duas gestações);
  • Histórico de abortamento;
  • Manipulações uterinas prévias;
  • Histórico de parto cesariano.

Alguns estudos atuais mostraram ainda uma associação entre a adenomiose e a endometriose e miomas uterinos. 

Fisiopatologia da adenomiose

A patogênese da adenomiose envolve um intricado interplay entre fatores genéticos, imunológicos e hormonais. Estudos sugerem uma possível contribuição de fatores genéticos na suscetibilidade individual à adenomiose, embora o perfil genético exato permaneça elusivo. 

Além disso, o microambiente imunológico local pode desempenhar um papel crucial na progressão da doença, influenciando a proliferação e a invasão do tecido endometrial ectópico.

Teorias da fisiopatologia

Embora não haja um consenso sobre a fisiopatologia da doença, existem algumas teorias que tentam explicar a fisiopatologia da adenomiose:

  • Ativação do mecanismo de lesão e reparo tecidual
  • Metaplasia de remanescentes Mullerianos pluripotentes deslocados 
  • Teoria de que a migração e disseminação das lesões pela parede uterina pode acontecer pela presença do tecido adenemiótico intravascular no miométrio
  • Diferenciação de células troncos embrionárias

A primeira teoria é que a adenomiose surge devido a invasão direta do miométrio pelo endométrio, que ocorre pelo enfraquecimento da parede do útero, ocasionado por gestação prévia ou cirúrgica. 

Essas condições poderiam enfraquecer a junção mioendometrial, causando à hiperplasia reacional da camada basal do endométrio e a infiltração do miométrio. Mudanças hormonais e imunológicas locais são fatores que também poderiam contribuir no desenvolvimento da doença.

Por outro lado, acreditam que a adenomiose estaria relacionada a metaplasia de resquícios müllerianos, assim, justificando a existência de nódulos adenomióticos fora do útero. Ao que tudo indica, o nódulo adenomiótico não responde de maneira cíclica aos esteroides ovarianos, como o endométrio, sugerindo origem distinta do endométrio basal.

Outra linha de pesquisa acredita que a adenomiose ocorre pela invaginação da camada basal no sistema linfático intramiometrial, visto que a doença já foi localizada em sistemas linfáticos miometriais.

A última teoria propõe a participação de células-tronco originadas da medula óssea, pois há estudos que indicam o envolvimento dessas células na regeneração endometrial no decorrer do ciclo menstrual.

Subtipos de adenomiose (Histopatologia)

A adenomiose tem três subtipos  histtológicos que também são facilmente identificados pela ressonância magnética. Eles possuem características próprias e são importantes para a definição do tratamento. São eles:

Adenomiose focal

Este subtipo é caracterizado pela presença de pequenos cistos intramiometriais, com ou sem aumento da zona juncional, distribuídos em um único ou múltiplos focos. Na ressonância magnética, identifica-se pela presença de áreas de sinal heterogêneo dentro do miométrio, frequentemente acompanhadas de aumento focal da zona juncional. 

Adenomiose superficial (juncional)

Neste subtipo, pequenos cistos estão disseminados no interior do miométrio sem aumento da zona juncional. Na ressonância magnética, a adenomiose superficial pode ser identificada pela presença de pequenos cistos dispersos dentro do miométrio, sem um aumento significativo da zona juncional. 

Adenomiose difusa

Caracteriza-se a adenomiose difusa pela presença difusa de pequenos cistos associados ao aumento da zona juncional. Na ressonância magnética, identifica-se pela presença generalizada de áreas de sinal heterogêneo dentro do miométrio, frequentemente acompanhadas de alargamento difuso da zona juncional. 

Manifestações clínicas 

A maioria das mulheres que possuem o diagnóstico de adenomiose são assintomáticas. Entre as que possuem manifestações clínicas, podemos citar:

  • Dor pélvica intensa
  • Dismenorreia
  • Sangramento uterino anormal
  • Aumento do tamanho do útero
  • Infertilidade 
  • Abortos espontâneos
  • Sintomas de compressão local
  • Disúria. 

Diagnóstico da adenomiose

Geralmente, os profissionais diagnosticam a adenomiose por meio da história clínica, exame físico e o uso complementar de exames de imagem, como ultrassonografia transvaginal ou ressonância magnética. Antigamente, faziam-se os diagnósticos por meio da avaliação histológica de amostras de histerectomia.

História Clínica

A anamnese cuidadosa desempenha um papel fundamental na investigação da suspeita de adenomiose. É crucial abordar sintomas frequentemente associados, como dismenorreia grave, sangramento uterino anormal, menorragia, dispareunia e dor pélvica crônica. 

Além disso, informações sobre história obstétrica (gestação, abortos, tipo de parto), idade, paridade, contracepção e tratamentos prévios são relevantes para uma avaliação abrangente. Deve-se ainda questionar sobre uso de medicamentos. 

Exame físico da adenomiose

Embora o exame físico por si só não seja diagnóstico, pode fornecer informações complementares importantes. Achados como útero móvel, difusamente alargado (aspecto globoso) e macio. Pode haver ainda sensibilidade uterina à palpação e dor à mobilização cervical.

No entanto, é fundamental reconhecer que esses achados não são específicos e podem estar presentes em outras condições ginecológicas.

Exames complementares

Devido à falta de padrão em relação a sua origem e sintomatologia, a adenomiose é uma doença de difícil diagnóstico, necessitando do médico uma investigação mais acurada. O uso de exames de imagem como ultrassonografia transvaginal e ressonância magnética são excelentes métodos complementares no diagnóstico da doenças.

Exames laboratoriais

Os exames laboratoriais não são utilizados para diagnóstico. Eles podem ser úteis para excluir outras coisas e avaliar a condição clínica da pacientes, principalmente se tiver com sintomas. 

De forma geral, costuma-se pedir Beta HCG, hemograma completo e exames de clamídia e/ou gonorreia. 

Ultrassonografia transvaginal no diagnóstico da adenomiose

Considera-se o ultrassom transvaginal o exame de primeira linha. Além disso, com o método é possível atingir sensibilidade de até 82% e especificidade de até 84%.

Desde 2015 foi criado uma padronização para o diagnóstico de adenomiose por ultrassom transvaginal. Em 2022 houve uma revisão, estabelecendo critérios diretos (indicam a presença de tecido endometrial ectópico no miométrio) e indiretos (secundários a presença de tecido endometrial no miométrio), que são: 

Critérios diretos
  • Cistos, independente de tamanho
  • Ilhas hiperecogênicas
  • Linhas e brotos ecogênicos subendometriais. 
Critérios indiretos
  • Útero globoso
  • Espessamento assimétrico 
  • Zona juncional interrompida
  • Zona juncional irregular
  • Vascularização translesional 
  • Sombras em estrias. 

A únic desvamtagem do uso da ultrassonografia transvaginal é que a experiência do profissional e a qualidade do aparelho podem influenciar nos resultados do exame.

Imagem I: Critérios de avaliação ultrassonográfica morfológica do útero (MUSA) de 2015 para diagnóstico de adenomiose

Desenhos esquemáticos ilustrando as características ultrassonográficas consideradas atualmente típicas da adenomiose: espessamento assimétrico (A), cistos (B), ilhas hiperecóicas (C), sombreamento em leque (D), linhas e botões subendométricos ecogênicos (E), vascularização translesional (F), zona juncional irregular (G) e zona juncional interrompida (H). Em um artigo de consenso atualizado, publicado em 2022, o útero globular foi incluído como uma característica indireta da adenomiose. Fonte: [Artigo gratuito do PMC] [PubMed] Harmsen MJ, Van den Bosch T, de Leeuw RA, et al. Consenso sobre definições revisadas das características da avaliação ultrassonográfica morfológica uterina (MUSA) da adenomiose: resultados de um procedimento Delphi modificado. Ultrassonografia Obstétrica Gynecol 2022; 60:118. In: Stewart, 2024. 

Ressonância magnética (RM)

A ressonância magnética é considerada o exame de imagem mais sensível para a investigação da adenomiose e apresenta resultado semelhante ou moderadamente superior ao US transvaginal. A sensibilidade está entre 88 e 93% e a

especificidade está entre 67 e 91%. 

Existem também alguns critérios diagnósticos que devem ser considerados no diagnóstico da adenomiose pela RM. Em T2 deve-se observar:: 

  • Espessamento da zona juncional em pelo menos 8 a 12mm (sendo que acima de 12mm é preditivo de adenomiose e abaixo de 8mm geralmente exclui a presença de adenomiose);
  • A razão zona juncional máxima/miométrio total acima de 40%;
  • Diferença entre a espessura máxima e mínima da zona juncional maior que 5mm.

Ela ainda é útil para o diagnóstico dos subtipos de adenomiose. 

Apesar do seu uso ser muito bom no diagnóstico dessa condição ginecológica, a RM pode sofrer interferência da fase do ciclo menstrual, uso de medicamentos e da idade. 

Diagnóstico diferencial 

Alguns dos diagnósticos diferenciais mais comuns incluem:

  • Miomas uterinos (leiomiomas)
  • Endometriose
  • Hiperplasia endometrial
  • Endometrite crônica 
  • Doença inflamatória pelvica (DIP).

Tratamento da adenomiose

O tratamento vai depender do quadro clínico da paciente, idade e do subtipo de adenomiose. Caso a paciente não apresente sintomas, não há necessidade de tratamento, mas deve haver acompanhamento regular. 

De forma geral, a primeira linha de tratamento é medicamentosa. Utiliza-se AINES, DIU de levonorgestrel de 52mg ou pilulas anticoncepcionais de estrôio-progestágeno para aqueles que não podem utilizar o DIU. 

Caso não seja suficiente, pode-se realizar procedimentos cirúrgicos. Para pacientes que não desejam mais ter filhos, sugere-se a histerectomia ou embolização de artérias uterinas, como alternativa. Caso a paciente ainda deseje gestar, faz-se ressecção preservadora do útero. 

Ultrassonografia em Ginecologia e Obstetrícia

A ultrassonografia desempenha um papel fundamental na detecção precoce de patologias ginecológicas e obstétricas, permitindo intervenções precoces e melhorando os resultados clínicos. 

Além disso, a capacitação em ultrassonografia proporciona aos profissionais a confiança necessária para realizar exames com precisão e interpretar corretamente os resultados, contribuindo para uma prática clínica mais eficaz e centrada no paciente.

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Referências:

  1. Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO). Adenomiose. São Paulo: FEBRASGO, 2021 (Protocolo FEBRASGO-Ginecologia, n. 77/Comissão Nacional Especializada em Endometriose).
  2. VENEROSO, A.A.; VASCONCELOS, J.V.D.; REQUEIJO, M.J.R. Atualizações acerca da Adenomiose: evolução dos dados epidemiológicos, do diagnóstico e do tratamento nos últimos anos. Research, Society and Development, v. 12, n. 7, e20012742804, 2023 (CC BY 4.0) | ISSN 2525-3409 |
  3. STEWART, E.A. Uterine adenomyosis. UpToDate, 2024. 

2 Replies to “Como realizar o diagnóstico de adenomiose?”

  1. Qual o percentual ou taxa da possibilidade de gravidez da mulher com 38 anos?

  2. Boa tarde efetuei a colocação de um DIU com vcs
    Pois a meses estava sentindo dor e passei no médico e foi pedido uma transvaginal e uma ultrassom vaginal e constatado q o diu está fora do lugar
    Estou tentando contato com vcs a semana e não consigo preciso de ajuda
    Clínica em são Paulo

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