Complicações comuns em retalhos microcirúrgicos do membro superior e como preveni-las

Equipe médica em uma sala de cirurgia, com um profissional vestindo luvas cirúrgicas estéreis e preparando-se para um procedimento. Paciente coberto na mesa cirúrgica ao fundo.

Índice

Retalhos microcirúrgicos do membro superior são fundamentais na reconstrução de lesões complexas, pois possibilitam cobertura adequada, preservação funcional e resultado estético satisfatório. No entanto, mesmo com os avanços da microcirurgia, complicações ainda podem ocorrer e comprometer o sucesso da reconstrução.

Entre as complicações mais comuns destacam-se a trombose arterial ou venosa, a necrose parcial, a infecção, o hematoma, o seroma e a deiscência de sutura. Essas complicações estão frequentemente associadas a fatores técnicos, condições clínicas do paciente ou cuidados pós-operatórios inadequados.

Nesse contexto, a identificação precoce dos riscos e a adoção de medidas preventivas em todas as etapas, desde o planejamento até o acompanhamento pós-cirúrgico, são essenciais para garantir maior taxa de sucesso e reduzir a morbidade.

Principais complicações dos retalhos do membro superior

Perda parcial ou total do retalho

A perda do retalho, seja parcial ou total, representa uma das complicações mais temidas da cirurgia reconstrutiva, pois pode comprometer não apenas o resultado estético, mas também a função do membro superior. Nessas situações, pode haver falha na cicatrização adequada, comprometendo o resultado reconstrutivo.

Além disso, essa complicação tende a ser mais frequente em regiões anatômicas desafiadoras, como o antebraço, onde a escassez de tecido subcutâneo e a presença de múltiplos tendões dificultam a integração do enxerto de pele e favorecem falhas de cicatrização.

Quando a perda é parcial, geralmente decorre de necrose marginal ou falha localizada na vascularização, enquanto as perdas totais, mais graves, estão comumente associadas a complicações vasculares, como trombose arterial ou venosa.

Trombose venosa ou arterial

As complicações vasculares, em especial as tromboses, são a principal causa de insucesso em retalhos microcirúrgicos.

A trombose venosa destaca-se como a mais frequente e ocorre predominantemente nos dois a três primeiros dias de pós-operatório, período crítico para a viabilidade do retalho. Devido à baixa capacidade de drenagem venosa colateral, esses retalhos seguem a lógica do “tudo ou nada”: quando há oclusão venosa, a congestão rapidamente leva à isquemia e necrose total, muitas vezes irreversível.

Já a trombose arterial apresenta características distintas. Embora menos comum, pode surgir tardiamente, inclusive após a primeira semana, e geralmente associa-se a alterações estruturais da parede vascular ou à manipulação intraoperatória dos vasos. Esse tipo de complicação reduz significativamente o sucesso de reintervenções, pois frequentemente reflete um substrato anatômico desfavorável.

Nesse contexto, alterações na coloração, temperatura e turgor do tecido devem ser interpretadas com alta suspeição, e diante de qualquer sinal de falha vascular, a reexploração cirúrgica deve ser imediata, uma vez que a janela terapêutica é curta e decisiva para salvar o retalho.

Infecção

A infecção constitui outra complicação relevante nos retalhos, podendo ocorrer tanto na área doadora quanto na receptora. Essa intercorrência pode ser favorecida pela formação de seromas e hematomas, que criam um ambiente propício à proliferação bacteriana e dificultam a cicatrização.

Ademais, do ponto de vista clínico, a infecção pode manifestar-se por dor, eritema, calor local, drenagem purulenta ou deiscência da ferida operatória. Nos casos em que o comprometimento infeccioso está associado à congestão venosa, a coloração azulada ou arroxeada da pele do retalho pode indicar trombose venosa concomitante.

Nesse contexto, o monitoramento pós-operatório deve incluir inspeções seriadas da cor, temperatura e perfusão, além da avaliação de sangramento após punctura com agulha, que pode revelar hipóxia tecidual em estágios iniciais.

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Fatores de risco para complicações dos retalhos do membro superior

As complicações dos retalhos microcirúrgicos do membro superior podem comprometer seriamente o resultado funcional e estético da reconstrução, sendo fundamental compreender os fatores de risco envolvidos para otimizar os desfechos.

O tempo de isquemia é um dos elementos mais críticos. Ou seja, períodos prolongados de isquemia (geralmente acima de 2 a 4 horas, dependendo do tipo de retalho) aumentam de forma expressiva a probabilidade de falhas vasculares e necrose do retalho.

Além disso, a obesidade também se destaca, pois além de dificultar a dissecção dos vasos e manipulação dos tecidos, associa-se a maior risco de infecção, deiscência de sutura e atraso no processo de cicatrização.

Outro ponto relevante é a presença de alterações hematológicas, como a trombocitose pré-operatória, que pode favorecer eventos trombóticos e está ligada a maior incidência de perdas parciais.

Do ponto de vista técnico, o tipo de anastomose realizada influencia diretamente os resultados. Por exemplo, determinadas configurações, como a término-lateral, têm maior associação com complicações, exigindo maior vigilância pós-operatória.

Além desses fatores, características próprias do paciente, como comorbidades cardiovasculares, tabagismo, diabetes mellitus e estado nutricional, também podem impactar negativamente a integração do retalho e sua sobrevivência. Da mesma forma, a experiência da equipe cirúrgica e a qualidade dos cuidados pós-operatórios desempenham papel essencial na prevenção de intercorrências.

Estratégias de prevenção das complicações dos retalhos do membro superior

A prevenção de complicações depende de uma abordagem integrada, envolvendo:

  • Planejamento cirúrgico cuidadoso;
  • Otimização clínica do paciente;
  • Execução técnica precisa;
  • Monitorização intensiva no pós-operatório inicial, especialmente nas primeiras 48 a 72 horas, período em que a maioria dos eventos trombóticos ocorre.

Essas medidas aumentam a previsibilidade dos resultados e melhoram a taxa de sucesso dos retalhos microcirúrgicos do membro superior.

O cuidado ideal também exige uma equipe interprofissional bem treinada. Dessa forma, torna-se importante uma equipe com cirurgião experiente em microcirurgia, anestesia qualificada, centro cirúrgico familiarizado com as complexidades da cirurgia e enfermeiros especializados no monitoramento de retalhos. A detecção precoce de sinais de comprometimento permite intervenção rápida e aumenta as chances de salvaguardar o retalho.

Estratégias no pré e pós-operatório

No pré-operatório, exames de imagem, como a angiotomografia, são importantes para avaliar a anatomia vascular e confirmar a adequação dos vasos receptores, especialmente em pacientes que já passaram por cirurgias anteriores.

No pós-operatório, o monitoramento rigoroso do retalho deve incluir inspeção contínua da cor, temperatura e perfusão do tecido, com notificação imediata do cirurgião diante de qualquer alteração suspeita. Enfermeiros e outros profissionais de saúde familiarizados com cuidados de feridas e protocolos específicos de retalhos livres desempenham papel essencial nesse acompanhamento.

Medidas de prevenção específicas

Para prevenir a perda do retalho, é fundamental o planejamento adequado da área doadora, a escolha precisa dos vasos receptores e vigilância intensiva nas primeiras horas pós-cirúrgicas, garantindo a detecção precoce de sinais de sofrimento tecidual.

Além disso, para a prevenção de trombose em casos nos quais os vasos receptores apresentam calibre inadequado ou estão situados a uma distância considerável, pode-se recorrer à técnica da alça arteriovenosa (AV loop), que consiste em confeccionar uma fístula temporária com enxerto de veia, geralmente safena ou cefálica, permitindo, em um segundo tempo, a realização da anastomose arterial e venosa definitivas. Essa abordagem amplia as possibilidades de reconstrução em cenários complexos, embora não seja rotineiramente necessária.

Por fim, para evitar infecções, recomenda-se garantir hemostasia adequada, utilizar drenos eficazes nas áreas doadoras e receptoras e seguir protocolos rigorosos de assepsia e antibióticoprofilaxia.

Condutas frente a complicações detectadas precocemente

Apesar da gravidade do quadro de perda parcial ou total do retalho, muitas vezes é possível conduzir os casos de forma conservadora, especialmente nas perdas parciais. Para isso, utilizam-se curativos diários, desbridamentos seriados e acompanhamento rigoroso até a cicatrização por segunda intenção ou preparo da área para uma nova cobertura.

O tratamento da infecção, por sua vez, depende da gravidade. Casos leves, por exemplo, podem responder a antibioticoterapia e curativos locais, enquanto quadros graves exigem drenagem cirúrgica, revisão da anastomose ou até ressecção do retalho comprometido.

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Referências

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  • Deramo, P.; Rose, J. Retalhos: Músculo e Musculocutâneo. [Atualizado em 29 de abril de 2023]. Em: StatPearls [Internet]. Ilha do Tesouro (FL): StatPearls Publishing; jan. de 2025. 
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  • Portinho, C. P.; et al. Reconstrução microcirúrgica em cabeça e pescoço: análise retrospectiva de 60 retalhos livres. Revista Brasileira de Cirurgia Plástica, 2013.
  • Souza Filho, M. V. P. ; Santos, C. C. Microcirurgia em reconstruções complexas: análise dos resultados e complicações. Revista Brasileira de Cirurgia Plástica, 2009.

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