Sepse na UTI: diretrizes para diagnóstico e tratamento

Paciente internada em leito de UTI, recebendo oxigênio por cânula nasal, sendo avaliada por médico e enfermeira durante acompanhamento clínico relacionado à sepse

Índice

A sepse continua no centro das discussões em terapia intensiva porque ameaça a vida de forma rápida, multifatorial e frequentemente imprevisível. Assim, intensivistas precisam integrar raciocínio clínico, protocolos atualizados e execução ágil.

Além disso, protocolos institucionais bem definidos reduzem atrasos, padronizam condutas e melhoram desfechos clínicos. Este artigo organiza definições, critérios diagnósticos, pilares do tratamento e diretrizes contemporâneas, sempre com ênfase em fluxos assistenciais aplicáveis à rotina.

Definição de sepse

Define-se sepse como disfunção orgânica potencialmente fatal resultante de resposta desregulada do hospedeiro a uma infecção. Em termos operacionais, caracteriza-se pela presença de infecção suspeita ou confirmada acompanhada de aumento do SOFA ≥ 2 pontos em relação ao basal, o que indica comprometimento de um ou mais sistemas orgânicos. Além disso, classifica-se choque séptico quando há necessidade de vasopressores para manter pressão arterial média (PAM) ≥ 65 mmHg associada a hiperlactatemia, apesar de adequada ressuscitação volêmica.

Portanto, deve-se encarar a sepse como condição tempo-dependente: atrasos em triagem, antibiótico e controle de foco elevam mortalidade.

Importância do reconhecimento precoce na UTI

O reconhecimento precoce altera trajetórias clínicas. Assim, recomenda-se triagem ativa e contínua de pacientes com sinais de infecção, instabilidade hemodinâmica ou hipoperfusão. Desde a admissão, equipes devem acionar bundles que incluam coleta de lactato, hemoculturas, exames de imagem direcionados, início de antimicrobianos e ressuscitação com cristaloides. Em paralelo, deve-se instalar monitorização adequada e definir metas hemodinâmicas claras.

Consequentemente, serviços que estruturam essa resposta reduzem tempo até antibiótico, diminuem falência orgânica progressiva e encurtam necessidade de ventilação mecânica.

Epidemiologia e impacto na mortalidade

A sepse responde por milhões de casos anuais globalmente e, de maneira consistente, concentra alta mortalidade na UTI. Países com maiores desafios de implementação de bundles e maior carga de resistência antimicrobiana exibem taxas mais elevadas.

Além disso, idade avançada, imunossupressão, comorbidades cardiovasculares e renais, foco abdominal e atraso terapêutico associam-se a piores desfechos. Entretanto, centros que instituem protocolos de detecção precoce, antibioticoterapia adequada e controle rápido da fonte reduzem mortalidade e tempo de internação. Portanto, investir em processos assistenciais e educação continuada impacta diretamente sobrevivência.

Diagnóstico da sepse na UTI

O diagnóstico exige integração de dados clínicos, laboratoriais e de imagem, com estratificação de gravidade por escores validados. Ao mesmo tempo, equipes devem alinhar a necessidade de rapidez com a qualidade da informação coletada.

Assim, prioriza-se uma abordagem em dois tempos:

  • Avaliação imediata para iniciar medidas tempo-sensíveis
  • Em seguida, refinamento diagnóstico conforme novos dados entram.

Critérios clínicos e laboratoriais

A combinação de sinais vitais alterados, disfunção orgânica mensurável e evidência de infecção norteia o diagnóstico. Paralelamente, recomenda-se estimar risco por escores e acompanhar tendências de biomarcadores para guiar intervenções.

Sinais vitais alterados (hipotensão, taquicardia, febre)

Hipotensão sustentada com PAM < 65 mmHg, taquicardia persistente, febre (ou, em casos graves, hipotermia), taquipneia e alteração do estado mental compõem um quadro de alerta.

Diante desses achados, deve-se:

  • Instituir monitorização hemodinâmica adequada
  • Aferir lactato
  • Coletar culturas
  • E iniciar ressuscitação volêmica com cristaloides.

Além disso, tempo de enchimento capilar prolongado, extremidades frias e oligúria sinalizam hipoperfusão sistêmica.

Marcadores laboratoriais

O lactato sérico elevado sugere hipoperfusão e maior risco, tornando-se métrica de metas (clareamento do lactato). Hemograma com leucocitose ou leucopenia, trombocitopenia e desvio à esquerda reforça gravidade. Elevação de creatinina e redução do débito urinário indicam lesão renal aguda; bilirrubinas e transaminases alteradas apontam disfunção hepática.

Ainda, PCR e procalcitonina auxiliam no acompanhamento da resposta terapêutica, embora não substituam o julgamento clínico. Dessa maneira, o painel laboratorial orienta priorização de recursos e ajuste de metas.

Escalas e scores (SOFA, qSOFA, APACHE II)

O SOFA quantifica disfunção em seis sistemas e orienta acompanhamento diário. O qSOFA, frequência respiratória ≥ 22, PAS ≤ 100 mmHg e alteração do nível de consciência, facilita triagem fora da UTI e no pronto-socorro.

Já o APACHE II contribui para estratificação prognóstica global. Portanto, recomenda-se utilizar escores com propósitos distintos: triagem (qSOFA), avaliação de trajetória e gravidade (SOFA) e prognóstico (APACHE II).

Nota: o qSOFA não deve ser usado isoladamente para diagnóstico de sepse, servindo apenas como ferramenta de triagem.

Identificação da fonte infecciosa

Definir a fonte orienta cobertura antimicrobiana e estratégias intervencionistas. Por isso, deve-se seguir uma sistemática: história clínica, exame físico minucioso, exames de imagem e culturas microbiológicas.

Avaliação clínica e história do paciente

Analisar procedimentos recentes, dispositivos invasivos, internações prévias, uso de antimicrobianos, focos comuns (pulmão, abdome, trato urinário, pele e partes moles) e sinais locais direciona a investigação. Além disso, comorbidades e epidemiologia local influenciam hipóteses. Dessa forma, cria-se um mapa de probabilidades que guiará exames subsequentes.

Exames de imagem

A imagem complementa e, frequentemente, confirma suspeitas. Radiografia de tórax avalia pneumonia e edema pulmonar; ultrassonografia à beira-leito identifica coleções, derrames pleurais e alterações biliares; tomografia computadorizada do abdome e pelve detecta abscessos e perfurações.

Sempre que possível, deve-se priorizar métodos disponíveis rapidamente, pois a definição do foco acelera decisão terapêutica e planejamento de controle da fonte.

Cultura microbiológica

A coleta de hemoculturas, uroculturas e culturas de secreções respiratórias ou sítios suspeitos precede o início dos antimicrobianos, quando o quadro hemodinâmico permite. Entretanto, não se deve postergar antibiótico em pacientes instáveis. Posteriormente, o resultado microbiológico orienta descalonamento e otimização de doses, o que reduz toxicidade, custos e pressão seletiva.

Tratamento da sepse na UTI

O tratamento efetivo combina suporte hemodinâmico, terapia antimicrobiana adequada, controle da fonte infecciosa e monitorização estreita. Para garantir consistência, recomenda-se adotar bundles com metas claras, tempos-alvo e responsáveis definidos.

Suporte hemodinâmico

A ressuscitação hemodinâmica restaura perfusão tecidual e reduz progressão da disfunção orgânica.

Reposição volêmica e cristaloides

Deve-se iniciar reposição com cristaloides balanceados, comumente até 30 mL/kg nas primeiras horas (conforme recomendação da Surviving Sepsis Campaign), ajustando conforme resposta clínica, PAM, lactato e parâmetros dinâmicos de responsividade a fluidos (por exemplo, variação de pressão de pulso, elevação passiva de pernas).

Nota: a reposição deve ser individualizada, especialmente em pacientes com risco de congestão (ex: insuficiência cardíaca, doença renal crônica).

Além disso, recomenda-se evitar sobrecarga volêmica, pois excesso de fluidos aumenta edema intersticial, dificulta oxigenação e prolonga ventilação mecânica. Portanto, após a fase de ressuscitação, deve-se reavaliar continuamente a necessidade de volumes adicionais.

Uso de vasopressores

Se, após fluidos, a PAM permanecer < 65 mmHg, introduz-se noradrenalina como primeira escolha. Titolam-se doses para atingir PAM alvo, enquanto monitoriza-se perfusão periférica, débito urinário e lactato. Em casos refratários, adiciona-se vasopressina ou considera-se adrenalina. Paralelamente, avalia-se função cardíaca; diante de disfunção miocárdica significativa, pode-se associar inotrópicos (como dobutamina). Dessa forma, mantém-se perfusão adequada e reduz-se risco de lesão orgânica adicional.

Terapia antimicrobiana

A antibioticoterapia adequada, iniciada precocemente, constitui um dos determinantes centrais de sobrevivência.

Início precoce e escolha do antimicrobiano

Recomenda-se iniciar antimicrobianos na primeira hora após reconhecimento da sepse, considerando foco provável, gravidade clínica, perfil de resistência local, uso recente de antimicrobianos e risco para patógenos multirresistentes. Em choque séptico, frequentemente seleciona-se terapia combinada inicial para ampliar cobertura, especialmente quando a fonte é abdominal ou pulmonar com risco de bacilos Gram-negativos resistentes.

Ainda, deve-se ajustar dose ao clearance renal e ao volume de distribuição alterado presente no doente crítico.

Ajustes conforme cultura e sensibilidade

Assim que a microbiologia estiver disponível, realiza-se descalonamento para esquema direcionado, reduzindo espectro e otimizando posologia. Além disso, monitoriza-se eficácia clínica e efeitos adversos. Dessa maneira, preserva-se a atividade dos antimicrobianos, minimiza-se toxicidade e controla-se custos.

Controle da fonte de infecção

Sem controle de foco, a sepse persiste. Portanto, recomenda-se abordagem precoce e resolutiva.

Procedimentos cirúrgicos ou drenagem

Abscessos, peritonites, coleções pleurais complicadas, tecidos necróticos e focos ortopédicos frequentemente exigem intervenção. Sempre que possível, prioriza-se drenagem percutânea guiada por imagem; quando inviável, indica-se cirurgia. Além disso, coordena-se o timing com estabilização hemodinâmica, mas, diante de foco não controlável clinicamente, não se deve adiar excessivamente a intervenção.

Cuidados com cateteres e dispositivos invasivos

Cateteres vasculares, sondas e próteses podem atuar como reservatórios. Diante de suspeita de infecção relacionada a cateter, recomenda-se remoção ou troca do dispositivo, coleta de ponta para cultura quando pertinente e revisão das práticas de inserção/manutenção. Assim, reduz-se risco de reinfecção e encurta-se tempo de antibiótico.

Monitoramento e suporte adicional

A evolução clínica requer acompanhamento estreito e suporte a sistemas orgânicos, sempre com metas objetivas.

Ventilação mecânica quando indicada

Na insuficiência respiratória hipoxêmica, aplica-se ventilação protetora (volumes correntes baixos, pressão de platô limitada), titulação criteriosa de PEEP e estratégias de recrutamento quando indicadas. Em casos graves, considera-se pronação e, excepcionalmente, ECMO em centros habilitados.

Dessa forma, otimiza-se oxigenação e minimiza-se lesão pulmonar induzida pelo ventilador.

Monitoramento hemodinâmico contínuo

Cateter arterial para monitorização da PAM batimento a batimento, parâmetros dinâmicos de responsividade a fluidos, ecocardiografia à beira-leito e, em casos selecionados, monitorização avançada (por exemplo, análise de contorno de pulso) apoiam decisões.

Além disso, metas incluem débito urinário ≥ 0,5 mL/kg/h, normalização progressiva do lactato, melhora da perfusão periférica e estabilidade de gases arteriais.

Sedação, analgesia e nutrição

Recomenda-se sedação leve com metas claras (escalas padronizadas) e interrupções diárias, sempre que possível. Controla-se dor de modo proativo e multimodal. Introduz-se nutrição enteral precoce, preferencialmente nas primeiras 24–48 horas, com metas calóricas e proteicas individualizadas. Em paralelo, previne-se delirium, úlceras de estresse e tromboembolismo venoso conforme risco.

Protocolos e diretrizes atuais

Diretrizes internacionais e protocolos institucionais sustentam decisões baseadas em evidências, reduzem variabilidade e aumentam segurança do paciente.

Surviving Sepsis Campaign

A Surviving Sepsis Campaign (SSC) organiza bundles de 1 e 3 horas, enfatizando reconhecimento precoce, coleta de lactato, hemoculturas antes de antibiótico quando possível, início precoce de antimicrobianos, ressuscitação com cristaloides e uso oportuno de vasopressores.

Além disso, recomenda-se reavaliação frequente da responsividade a fluidos, metas hemodinâmicas individualizadas e descalonamento antimicrobiano guiado por microbiologia. A implementação sistemática dessas medidas, acompanhada de auditoria e feedback, reduz mortalidade e dias de UTI.

Protocolos institucionais na UTI

Cada serviço deve adaptar diretrizes à sua realidade microbiológica, estrutura de imagem, disponibilidade de laboratório e expertise intervencionista. Portanto, elabora-se um protocolo com fluxos claros: triagem, exames iniciais, tempos-alvo para antibiótico, indicações de imagem, critérios de controle de foco, metas hemodinâmicas e critérios de escalonamento para suporte avançado.

Em seguida, promove-se treinamento multiprofissional, simulações rápidas (mock codes de sepse) e monitoramento de indicadores (tempo até antibiótico, adesão às bundles, taxa de descalonamento, mortalidade ajustada por risco). Assim, consolida-se melhoria contínua.

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Para aprofundar o domínio prático desses conceitos, recomenda-se conhecer o Fellowship em Terapia Intensiva da Cetrus no link acima. O programa enfatiza tomada de decisão à beira-leito, integração com imagem point-of-care, aplicação de bundles e desenvolvimento de liderança clínica na UTI.

Consequentemente, profissionais consolidam competências em reconhecimento precoce, manejo hemodinâmico, ventilação protetora, antibioticoterapia e controle de foco.

Referências bibliográficas

  • NEVIERE, R. Sepsis syndromes in adults: epidemiology, definitions, clinical presentation, diagnosis, and prognosis. UpToDate. Waltham, MA: UpToDate, Inc., 2025. Acesso em: 23 set. 2025.
  • SCHMIDT, G. A.; MANDEL, J.; BELL, T. D. Evaluation and management of suspected sepsis and septic shock in adults. UpToDate. Acesso em: 23 set. 2025.

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