O pneumotórax neonatal representa uma emergência respiratória que requer reconhecimento e intervenção imediata. Em recém-nascidos, a presença de ar no espaço pleural causa colapso pulmonar parcial ou total, comprometendo a oxigenação e a estabilidade hemodinâmica. Embora a incidência varie entre 1% e 2% dos neonatos internados em unidades de terapia intensiva, o diagnóstico precoce influencia diretamente a sobrevida e o desfecho neurológico.
Tradicionalmente, o diagnóstico baseava-se na avaliação clínica e na radiografia de tórax. No entanto, o advento da ultrassonografia point-of-care (POCUS) transformou a abordagem, permitindo a identificação rápida, precisa e não invasiva do pneumotórax à beira do leito, um avanço decisivo, especialmente em pacientes críticos e instáveis.
O que é pneumotórax neonatal?
O pneumotórax neonatal ocorre quando há acúmulo de ar entre a pleura visceral e a pleura parietal, interrompendo a pressão negativa necessária para a expansão pulmonar. Essa condição pode surgir de forma espontânea ou secundária a intervenções, como ventilação mecânica.
Assim, em recém-nascidos, a fragilidade pulmonar e a complacência reduzida favorecem o rompimento alveolar, permitindo o escape de ar para o espaço pleural. Portanto, dependendo da magnitude, o pneumotórax pode ser pequeno e autolimitado ou evoluir rapidamente para um quadro de pneumotórax hipertensivo, que ameaça a vida do paciente.
Fatores de risco e causas pneumotórax neonatal
Os fatores de risco variam conforme o contexto neonatal. Entre os mais relevantes, destacam-se:
- Prematuridade: os pulmões imaturos apresentam deficiência de surfactante, predispondo ao colapso alveolar e ao vazamento aéreo
- Ventilação mecânica invasiva: pressões inspiratórias elevadas aumentam o risco de ruptura alveolar
- Síndrome do desconforto respiratório (SDR): a heterogeneidade da complacência pulmonar gera áreas de hiperinsuflação
- Aspiração meconial: o aprisionamento aéreo e as áreas de atelectasia favorecem a formação de pneumotórax
- Reanimação neonatal vigorosa: manobras com pressão excessiva podem romper alvéolos frágeis.
Além disso, casos espontâneos podem ocorrer em neonatos aparentemente saudáveis, sobretudo em meninos, filhos de mães jovens e partos vaginais precipitados.
Sinais clínicos de pneumotórax
O quadro clínico do pneumotórax neonatal varia de discreto desconforto respiratório a insuficiência respiratória aguda. Em geral, o neonato apresenta taquipneia, retrações intercostais, cianose e saturação periférica de oxigênio reduzida.
A inspeção pode revelar assimetria torácica e expansão desigual, enquanto a ausculta evidencia redução ou ausência do murmúrio vesicular no hemitórax afetado. Em casos graves, o desvio da traqueia, a hipotensão e a bradicardia indicam pneumotórax hipertensivo, uma emergência que exige drenagem imediata.
Na imagem abaixo é possível visualzar um pequeno pneumotórax espontâneo apical esquerdo. A linha pleural visceral é marcada por setas vermelhas.
Limitações do diagnóstico clínico
Apesar de indispensável, a avaliação clínica isolada nem sempre fornece diagnóstico conclusivo. A sobreposição de sinais com outras causas de desconforto respiratório, como atelectasia, pneumonia ou derrame pleural, dificulta a diferenciação.
A radiografia de tórax, embora útil, demanda deslocamento do paciente e tempo para aquisição e interpretação, fatores que podem atrasar decisões terapêuticas. Assim, o uso do POCUS (Point-of-Care Ultrasound) emerge como ferramenta de alto valor, capaz de confirmar o diagnóstico em segundos, sem a necessidade de transporte ou exposição à radiação.
O papel do POCUS no diagnóstico rápido
O POCUS revolucionou o atendimento neonatal ao permitir a avaliação pulmonar imediata, segura e acurada. Dessa forma, estudos demonstram que a ultrassonografia apresenta sensibilidade e especificidade superiores a 90% para detectar pneumotórax em neonatos, superando a radiografia em rapidez e precisão.
Além disso, o exame pode ser repetido quantas vezes for necessário, permitindo o monitoramento evolutivo e a confirmação pós-intervenção, como após drenagem torácica.
Técnica de ultrassom à beira do leito
O exame deve ser realizado com transdutor linear de alta frequência (10–15 MHz), ideal para estruturas superficiais como a pleura. O paciente permanece em decúbito dorsal, e o operador posiciona o transdutor nos hemitórax anterior e lateral, preferencialmente nos espaços intercostais superiores.
Portanto, o objetivo principal é identificar o deslizamento pleural (“lung sliding”), sinal característico do pulmão expandido. A ausência desse deslizamento sugere pneumotórax, especialmente quando associada à ausência de artefatos pulmonares normais, como as linhas B.
Achados ultrassonográficos indicativos de pneumotórax
Os principais achados ultrassonográficos são:
- Ausência do “lung sliding”: indica separação entre as pleuras e ausência de ventilação regional
- Presença de “A-lines” proeminentes: reforça a reflexão aérea sem artefatos verticais
- Ausência de “B-lines”: confirma ausência de contato pleural
- Sinal do “lung point”: ponto de transição entre áreas com e sem deslizamento pleural, considerado diagnóstico de pneumotórax.
Assim, o reconhecimento desses sinais, aliado à correlação clínica, permite o diagnóstico imediato, reduzindo significativamente o tempo até a intervenção.

Vantagens do POCUS em neonatologia
O uso do POCUS oferece inúmeras vantagens em comparação aos métodos tradicionais:
- Rapidez diagnóstica: o exame pode ser realizado em menos de dois minutos, com resultados imediatos
- Evita exposição à radiação: aspecto essencial em neonatos, que apresentam maior sensibilidade a danos ionizantes
- Portabilidade: o equipamento pode ser utilizado à beira do leito, inclusive em incubadoras
- Monitoramento contínuo: permite reavaliações seriadas sem desconforto ao paciente
- Aplicação multiparamétrica: além do pneumotórax, o POCUS avalia derrames, atelectasias e posicionamento de tubos e cateteres.
Dessa forma, esses benefícios tornam o POCUS uma ferramenta indispensável nas unidades de terapia intensiva neonatal (UTIN), especialmente em centros com alta rotatividade e recursos limitados.
Conduta e intervenção baseadas no diagnóstico com POCUS
Após a identificação ultrassonográfica do pneumotórax, o manejo depende da gravidade clínica e do volume de ar identificado.
Nos casos pequenos e assintomáticos, o tratamento conservador com oxigenoterapia e observação pode ser suficiente. Já nos casos de comprometimento respiratório, o POCUS auxilia não apenas no diagnóstico, mas também na orientação da drenagem torácica.
O médico pode utilizar a imagem em tempo real para escolher o ponto ideal de inserção da agulha ou dreno, evitando estruturas vasculares e reduzindo o risco de complicações.
Assim, após a drenagem, a ultrassonografia permite confirmar o reexpansionamento pulmonar, verificar a posição do dreno e monitorar possíveis recidivas.
Casos clínicos e exemplos práticos
Caso 1: Recém-nascido de 32 semanas, em ventilação mecânica, apresentou súbita dessaturação e bradicardia. O POCUS mostrou ausência de deslizamento pleural e presença de “lung point” no hemitórax direito. A drenagem imediata confirmou pneumotórax hipertensivo, com melhora rápida da saturação.
Caso 2: Neonato a termo, parto normal, evoluiu com leve desconforto respiratório nas primeiras horas de vida. O POCUS revelou ausência de B-lines e “A-lines” regulares no hemitórax esquerdo. Optou-se por observação clínica e oxigenoterapia, com resolução espontânea em 24 horas.
Assim, esses exemplos demonstram como o uso do POCUS permite decisões rápidas, baseadas em evidências visuais, reduzindo a necessidade de exames complementares e otimizando o tempo de resposta da equipe.
Ultrassonografia point-of-care na prática neonatológica
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Referências bibliográficas
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