Avaliação ultrassonográfica das glândulas adrenais em neonatos e crianças

A imagem mostra uma pessoa (provavelmente um profissional de saúde) segurando um transdutor de ultrassom enquanto aplica gel de ultrassom sobre ele.

Índice

A avaliação ultrassonográfica das glândulas adrenais em neonatos e crianças desempenha papel fundamental na prática pediátrica, pois se trata de um método não invasivo, seguro e de fácil execução, capaz de fornecer informações detalhadas sobre a morfologia e possíveis alterações dessas estruturas.

Indicações do exame

A ultrassonografia das glândulas adrenais em neonatos e crianças é indicada em diferentes contextos clínicos, sendo fundamental, por exemplo, na investigação de suspeita de massas ou tumores nessa região.

Além disso, pode auxiliar na avaliação de quadros de hipertensão de origem endócrina, como o hiperaldosteronismo primário, e contribuir para o diagnóstico de disfunções hormonais, incluindo a insuficiência adrenal e a síndrome de Cushing. Também desempenha papel relevante na investigação de feocromocitomas e de outras alterações funcionais que acometem as adrenais.

Técnica de avaliação das glândulas adrenais através da ultrassonografia

A ultrassonografia das glândulas adrenais geralmente é realizada como parte de uma avaliação abdominal ou renal completa, preferencialmente com a criança em jejum para melhor qualidade das imagens.

O exame deve ocorrer em ambiente calmo, contando com a presença do cuidador e utilizando medidas que favoreçam o conforto, como gel aquecido e recursos de distração, a exemplo de brinquedos ou televisão.

O transdutor deve ser escolhido conforme a faixa etária da criança:

  • Em recém-nascidos, recomenda-se transdutor linear de alta frequência (12–15 MHz);
  • Em crianças maiores ou adolescentes utiliza-se transdutor curvilíneo de menor frequência (3–5 MHz).

Posicionamento e cortes ideais

A glândula adrenal direita é mais bem visualizada a partir do flanco direito ou de cortes intercostais, utilizando o fígado como janela acústica. Por outro lado, a glândula adrenal esquerda costuma ser examinada pela linha axilar posterior, através do baço e do rim esquerdo, embora gases estomacais e intestinais possam dificultar sua visualização.

Nos neonatos, a identificação da adrenal direita é possível em quase todos os casos, enquanto a esquerda é observada em menor proporção. Em crianças mais velhas, a visualização pode ser limitada pelo menor tamanho da glândula.

Por fim, quando necessário, varreduras adicionais em diferentes posições, como decúbito lateral ou ventral, podem melhorar a detecção das estruturas.

Anatomia normal das glândulas adrenais e aparência ultrassonográfica

As glândulas adrenais são órgãos endócrinos que localizam-se no retroperitônio, acima dos rins e separados destes pela gordura perirrenal. A glândula adrenal direita ocupa posição anterossuperior ao rim direito, próxima ao fígado, pilar diafragmático e veia cava inferior, enquanto a esquerda situa-se anteromedial ao rim esquerdo, próxima da aorta, do pilar diafragmático e do baço.

Glândula adrenal esquerda, com medula hiperecoica e córtex hipoecoico. Fonte: Aderotimi e Kraft, 2020.

No recém-nascido, são proporcionalmente grandes, chegando a corresponder a um terço do tamanho renal, mas sofrem involução após o nascimento, reduzindo até 50% nas primeiras semanas. A partir do segundo ano, retomam crescimento progressivo, atingindo dimensões adultas na puberdade. O peso médio é de 5 g desde o nascimento, e nas medições ultrassonográficas o comprimento varia de 0,9 a 3,6 cm no neonato e de 4 a 6 cm em crianças maiores e adultos, com espessura do córtex entre 0,2 e 0,6 cm.

Morfologicamente, a suprarrenal direita apresenta formato triangular ou piramidal, enquanto a esquerda mostra-se mais alongada, em forma de meia-lua.

Em termos de ecogenicidade, a glândula é composta por uma medula central hiperecogênica, responsável pela produção de catecolaminas, e um córtex hipoecogênico, que se diferencia em três zonas produtoras de hormônios (aldosterona, glicocorticoides e andrógenos).

No período neonatal, o córtex é volumoso e inclui uma zona fetal transitória que sofre atrofia nos primeiros meses, sendo gradualmente substituída por tecido fibroso. Por volta de 5–6 meses, a glândula pode parecer difusamente hiperecogênica. Todavia, a partir de um ano de idade, assume a aparência típica do adulto: córtex hipoecogênico delimitado por gordura hiperecogênica.

Glândula adrenal direita normal em diversas faixas etárias. (a) recém-nascido, (b) criança de seis semanas, (c) aos três anos e (d) aos oito anos. Com o crescimento, a glândula passa a apresentar-se hipoecogênica, circundada por gordura hiperecoica. Fonte: Aderotimi e Kraft, 2020.

Ademais, em condições normais, a superfície deve ser lisa, sem formações nodulares ou císticas, e o corpo da glândula não deve ultrapassar 10 mm de espessura, enquanto cada ramo adrenal deve medir no máximo 6 mm.

Principais patologias identificáveis

As glândulas adrenais podem ser acometidas por uma variedade de alterações congênitas, funcionais e neoplásicas, muitas das quais podem ser identificadas precocemente por ultrassonografia em neonatos e crianças.

Dessa forma, o reconhecimento das características ultrassonográficas típicas de cada patologia é fundamental para o diagnóstico precoce, acompanhamento adequado e orientação terapêutica.

Malformações congênitas

As anomalias congênitas das glândulas suprarrenais, embora incomuns, podem incluir desde agenesia até variações estruturais relacionadas à fusão ou à presença de tecido acessório.

Entre elas, destaca-se a glândula adrenal circum-renal ou arredondada, resultado da fusão dos seus membros, e a glândula em ferradura, que caracteriza-se pela união das porções mediais das adrenais, formando uma estrutura única localizada na linha média, anterior à aorta.

Glândula adrenal circum-renal ou arredondada. Fonte: Aderotimi e Kraft, 2020.

Além disso, a forma típica triangular, em Y ou em V da adrenal depende da presença de um rim normalmente posicionado. Dessa forma, quando há agenesia renal unilateral ou alterações na migração renal, a glândula pode apresentar-se reta, alongada ou em formato discoide. Nesses casos, é essencial investigar cuidadosamente o abdome, pois pode haver um rim ectópico.

Glândula adrenal reta em um neonato com rim ectópico. Fonte: Aderotimi e Kraft, 2020.

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Hiperplasia adrenal congênita

A hiperplasia adrenal congênita é uma doença autossômica recessiva causada, na maioria dos casos, por deficiência de 21-hidroxilase, levando a alterações no metabolismo dos corticosteroides. Clinicamente, manifesta-se ao nascimento com genitália ambígua em meninas, enquanto em meninos o sinal principal é a perda de sal, que pode ser grave e potencialmente fatal.

Nesse contexto, a ultrassonografia mostra-se uma ferramenta extremamente eficaz na avaliação desses pacientes. Nas crianças afetadas, as glândulas adrenais estão aumentadas, sendo consideradas anormais quando o comprimento excede 20 mm e a largura dos ramos ultrapassa 4 mm.

Além disso, os achados ultrassonográficos típicos incluem:

  • Preservação da diferenciação entre córtex e medula;
  • Aumento difuso ou nodular da glândula;
  • Ecogenicidade pontilhada;
  • Córtex com aspecto lobulado, enrugado ou cerebriforme.
Hiperplasia adrenal congênita: glândula aumentada com superfície cerebriforme. Fonte: Aderotimi e Kraft, 2020.

Hemorragia adrenal

A hemorragia adrenal espontânea é mais frequente em neonatos, geralmente associada a fatores como trauma de parto, macrossomia, anóxia, estresse perinatal, sepse ou desidratação, e também pode ocorrer em casos de diabetes materno, coagulopatias ou hipóxia. Clinicamente, pode manifestar-se como massa palpável no flanco, anemia, icterícia e, raramente, choque hipovolêmico ou insuficiência renal.

Na ultrassonografia, a hemorragia adrenal aguda aparece como uma massa hiperecogênica, redonda ou triangular, hipovascular ao Doppler colorido, envolvendo toda a glândula ou apenas um de seus ramos. Com o tempo, ocorre liquefação, conferindo aparência mais cística, e redução progressiva do tamanho, podendo eventualmente deixar calcificações residuais.

Hemorragia adrenal. (a) Corte longitudinal demonstra hemorragia aguda na adrenal direita (seta); (b) Exame Doppler ultrassonográfico revela ausência de vascularização interna em hemorragia adrenal parcialmente cística (seta); (c) Calcificação residual na adrenal (seta) observada quatro meses após hemorragia neonatal. Fonte: Aderotimi e Kraft, 2020.

Cistos adrenais

Os cistos adrenais verdadeiros, revestidos por epitélio, são raros em crianças e geralmente identificados de forma incidental.

Na ultrassonografia, apresentam-se como lesões anecoicas com boa transmissão acústica e ausência de fluxo vascular ao Doppler colorido. Portanto, achados adicionais, como septações, nódulos ou calcificações, podem indicar outras condições, incluindo pseudocistos ou neoplasias adrenais.

Cisto adrenal. Fonte: Aderotimi e Kraft, 2020

Neuroblastoma

O neuroblastoma, junto com o ganglioneuroblastoma e o ganglioneuroma, compõe um espectro de tumores derivados de células ganglionares simpáticas primitivas ou da crista neural. É o câncer sólido extracraniano mais comum na infância, com quase metade originando-se da glândula adrenal.

Clinicamente, os pacientes apresentam-se com massa abdominal palpável, distensão, dor ou síndromes paraneoplásicas, como a opsoclonia-mioclonia-ataxia. As catecolaminas urinárias estão elevadas em 90% dos casos, e dois terços apresentam doença metastática, frequentemente em linfonodos regionais ou medula óssea, com metástases hepáticas visíveis na ultrassonografia.

Na ultrassonografia, o neuroblastoma caracteriza-se como uma massa sólida, heterogênea, deslocando o rim ipsilateral. Além disso, áreas císticas podem indicar necrose ou hemorragia, enquanto focos hiperecogênicos sugerem calcificação. O Doppler colorido geralmente revela vascularização interna, auxiliando na diferenciação de neuroblastoma cístico de hemorragia adrenal.

Neuroblastoma. (a) Grande massa hiperecoica; (b) Doppler evidenciando vascularização interna; (c) Metástases hepáticas. Fonte: Aderotimi e Kraft, 2020.

Feocromocitoma

O feocromocitoma é um tumor raro da medula adrenal, originado de células cromafins, que secreta catecolaminas. Em crianças, manifesta-se principalmente por hipertensão persistente, cefaleia e taquicardia, podendo ser detectado incidentalmente em ultrassonografias renais.

Ultrassonograficamente, apresenta-se como massa sólida, redonda ou oval, de contornos bem definidos, podendo ser homogênea ou heterogênea.

Carcinoma adrenocortical

O carcinoma adrenocortical, por sua vez, é um tumor infrequente, altamente maligno, predominante em crianças pequenas. Por ser geralmente hormonicamente ativo, os pacientes apresentam sinais clínicos como puberdade precoce, síndrome de Cushing e virilização ou feminização, em vez de massa palpável.

Na ultrassonografia, caracteriza-se como massa sólida heterogênea, com áreas de necrose, hemorragia ou calcificação em tumores maiores, podendo estar associada a linfadenopatia.

Limitações do método na avaliação da glândula adrenal

Apesar de ser prática, não invasiva e livre de radiação, a ultrassonografia apresenta limitações importantes. Por exemplo, esse método não permite diferenciar de forma confiável tumores adrenais, como neuroblastomas, ganglioneuromas benignos, feocromocitomas ou carcinomas corticais adrenais.

Além disso, a interpretação pode ser dificultada por fatores como posição retroperitoneal profunda das glândulas, presença de gases intestinais e pequenas dimensões da adrenal em crianças mais velhas.

Dessa forma, a correlação com exames bioquímicos e modalidades de imagem complementares é frequentemente necessária para um diagnóstico definitivo.

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Referências

  • Aderotimi, T. S.; Kraft, J. K. Ultrasound of the adrenal gland in children. Ultrasound, 2020.
  • Radiopaedia. Adrenal glands ultrasound. 2024.

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