A dermatite atópica infantil é uma doença inflamatória crônica da pele, de natureza imunomediada, caracterizada por prurido intenso, lesões eczematosas recorrentes e impacto significativo na qualidade de vida da criança e de sua família.
Embora o tratamento convencional com hidratantes, corticosteroides tópicos e imunomoduladores costume resolver a maioria dos casos, um grupo de pacientes apresenta formas moderadas a graves, refratárias ao manejo padrão.
Nesses casos, a introdução de terapias sistêmicas, especialmente os imunobiológicos, surge como uma opção promissora e eficaz para o controle da inflamação e a melhora clínica sustentada.
Panorama da dermatite atópica na infância
A dermatite atópica (DA) é a principal doença inflamatória crônica da pele em crianças, caracterizada por intenso prurido, ressecamento cutâneo e lesões eczematosas recorrentes.
A DA integra a chamada tríade atópica, frequentemente associando-se a asma, rinite alérgica e, em alguns casos, alergias alimentares. Costuma manifestar-se nos primeiros anos de vida, com pápulas e placas principalmente em áreas como face, couro cabeludo e superfícies extensoras.
Trata-se de uma condição multifatorial, resultante da interação entre predisposição genética e fatores ambientais que afetam a barreira cutânea e o sistema imunológico. A presença da doença em um ou ambos os pais aumenta substancialmente o risco de a criança desenvolver manifestações atópicas. Além disso, estímulos externos, como alérgenos ambientais, suor, tecidos sintéticos e produtos irritantes, podem agravar o quadro.
A prevalência da dermatite atópica infantil varia entre 10% e 30%, com tendência de aumento nas últimas décadas, especialmente em regiões de clima frio e seco. Apesar de muitos casos apresentarem melhora ou remissão na adolescência, a doença pode persistir ou recorrer na vida adulta, impactando significativamente a qualidade de vida da criança e de sua família.
O diagnóstico é essencialmente clínico, baseado na história e na distribuição típica das lesões, e o manejo envolve o controle dos sintomas, a restauração da barreira cutânea e a identificação de possíveis fatores desencadeantes.
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Fisiopatologia da dermatite atópica na infância
Na dermatite atópica infantil, a barreira cutânea está comprometida, tornando a pele mais suscetível à xerose, irritação e penetração de alérgenos ambientais. Essa fragilidade contribui para a inflamação, o prurido intenso e os achados clínicos típicos da doença.
Além disso, um dos mecanismos centrais desse defeito envolve a redução de ceramidas, lipídios essenciais do estrato córneo que mantêm a integridade da barreira e evitam a perda excessiva de água.
A inflamação é mediada por respostas imunes distintas:
- Lesões agudas apresentam predomínio de uma resposta Th2, com aumento das citocinas IL-4 e IL-5;
- Lesões crônicas são marcadas por uma resposta Th1, com produção de IFN-gama e IL-12.
O ato de coçar intensifica a inflamação ao estimular queratinócitos a liberarem citocinas como TNF-alfa, IL-1 e IL-6.
Ademais, a diminuição de peptídeos antimicrobianos na pele facilita a colonização por Staphylococcus aureus, presente em mais de 90% dos casos, podendo agravar a inflamação e predispor a infecções secundárias, como impetiginização.
Por fim, alterações genéticas, como mutações na filagrina, podem contribuir para a desregulação da barreira epitelial, acentuando a vulnerabilidade cutânea e influenciando tanto a intensidade quanto a recorrência das lesões.
Avaliação da gravidade da dermatite atópica infantil
Avalia-se a gravidade da dermatite atópica infantil pela extensão e características das lesões (eritema, escoriações, liquenificação, secreção) e pelo impacto em sintomas, incluindo coceira, sono e atividades diárias.
Dessa forma, classifica-se a doença em:
- Leve: prurido e lesões discretas, pouco impacto.
- Moderada: prurido frequente, vermelhidão e impacto moderado.
- Grave: lesões extensas, prurido intenso e comprometimento significativo do sono e das atividades.
Abordagens terapêuticas convencionais
O manejo da dermatite atópica segue uma estratégia escalonada, ajustada conforme a gravidade da doença.
O objetivo principal é aliviar os sintomas, prevenir crises, tratar infecções associadas, reduzir os efeitos adversos das terapias e restaurar a barreira cutânea.
Portanto, em casos leves, o controle geralmente é alcançado apenas com tratamentos tópicos. Já nas formas moderadas a graves, o tratamento torna-se mais complexo e pode exigir o uso de medicamentos sistêmicos para controlar a inflamação e melhorar a qualidade de vida do paciente.
Cuidados gerais com a pele
O manejo diário da dermatite atópica na infância envolve medidas não farmacológicas que visam manter a hidratação da pele, reduzir a inflamação e prevenir exacerbações.
Nesse contexto, hidratantes e emolientes são essenciais, devendo ser aplicados pelo menos duas vezes ao dia e logo após o banho ou lavagem das mãos. Cremes e pomadas mais espessos são preferíveis por proporcionarem maior proteção contra a xerose, enquanto loções podem ser usadas por pacientes que preferem texturas menos oleosas.
O banho diário, por sua vez, não piora o quadro clínico, desde que seja curto (5 a 10 minutos), com água morna (27–30°C) e sabonetes de pH fisiológico. Após o banho, recomenda-se a aplicação imediata de emolientes para preservar a hidratação. Ademais, banhos com hipoclorito de sódio diluído podem ser usados ocasionalmente sob orientação profissional para reduzir inflamação e infecções secundárias.
Por outro lado, o uso de curativos e bandagens é controverso. Alguns pacientes podem se beneficiar de bandagens secas ou úmidas sobre emolientes e corticoides tópicos durante surtos ou em casos de eczema crônico. Entretanto, não há evidências consistentes para seu uso em lesões úmidas ou infectadas.
Fototerapia
Em casos de dermatite atópica com prurido difuso que não responde adequadamente ao tratamento tópico ou quando outras opções terapêuticas são insuficientes, a fototerapia pode ser considerada, desde que o paciente não esteja em uso de ciclosporina, pois a combinação é contraindicada.
Essa abordagem inclui exposição a:
- Luz ultravioleta A (UVA) de banda estreita;
- Luz ultravioleta B (UVB);
- Ou PUVA (psoraleno associado à UVA).
Espera-se que a fototerapia melhore os sinais clínicos, reduza o prurido e a colonização bacteriana, permitindo menor uso de corticoides.
Terapias comportamentais e outras medidas não farmacológicas
O prurido intenso característico da dermatite atópica pode levar a comportamentos repetitivos, como coçar ou esfregar a pele. Nesse contexto, a terapia de reversão de hábitos é uma abordagem comportamental voltada a reduzir esses comportamentos, envolvendo cinco elementos principais: conscientização, relaxamento, substituição por respostas alternativas, apoio social e generalização das estratégias aprendidas.
Outras medidas incluem:
- Apoio psicossocial;
- Educação estruturada para pacientes e familiares;
- Uso de roupas macias de algodão;
- Manutenção de temperatura adequada;
- Uso de umidificador;
- Lavagem de roupas com sabão neutro;
- Restrição de alimentos alergênicos, quando indicado.
Uso de corticosteroides tópicos
Os corticoides tópicos constituem a primeira linha de tratamento para crianças com dermatite atópica, sendo indicados especialmente durante surtos agudos e episódios de prurido intenso.
No âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), os corticoides tópicos disponíveis para este fim incluem dexametasona e acetato de hidrocortisona.
Ciclosporina
Por fim, a ciclosporina é um imunossupressor que atua inibindo a calcineurina, resultando na redução da produção de citocinas inflamatórias, como a interleucina 2, essencial para a ativação e diferenciação dos linfócitos T.
Atualmente, seu uso está incorporado ao SUS para o tratamento de pacientes com DA moderada a grave.
Entretanto, apesar de sua eficácia, a ciclosporina apresenta riscos significativos de efeitos adversos, incluindo náusea, diarreia, dor de cabeça, hipertricose, hipertensão e alterações laboratoriais que indicam impacto renal.
Dessa forma, diretrizes internacionais recomendam prescrever a menor dose eficaz pelo menor período necessário: idealmente não ultrapassando 8 a 12 meses, com limite máximo de dois anos contínuos. Além disso, enfatizam a necessidade de interromper a medicação ou substituí-la por tratamento tópico após a melhora dos sintomas.
Quando considerar imunobiológicos?
Critérios clínicos de indicação
Imunobiológicos devem ser considerados em pacientes com dermatite atópica persistente, moderada a grave, que não respondem adequadamente às terapias tópicas ideais.
Além disso, antes de iniciar terapias sistêmicas, é importante reavaliar o paciente para descartar condições concomitantes, como infecções ou dermatite de contato, e confirmar o diagnóstico.
Falha ou intolerância a terapias convencionais
Pacientes que não obtêm controle da doença com tratamentos tradicionais, incluindo corticoides tópicos, ciclosporina ou outros imunossupressores, podem ser candidatos a imunobiológicos.
Gravidade da doença e impacto na qualidade de vida
A indicação de imunobiológicos também leva em conta a intensidade da doença e seu impacto no bem-estar do paciente, incluindo coceira intensa, distúrbios do sono, frequentes crises e comprometimento da qualidade de vida.
Principais imunobiológicos disponíveis
Dupilumabe
O dupilumabe é um anticorpo monoclonal totalmente humano que bloqueia a sinalização de IL-4 e IL-13, citocinas centrais na resposta Th2, desempenhando papel fundamental no tratamento da dermatite atópica (DA).
É aprovado para uso em crianças a partir de seis meses com DA moderada a grave não controlada por terapias tópicas, podendo ser usado para tratamento de longo prazo.
Administra-se o dupilumabe por injeção subcutânea, com intervalos que variam entre duas e quatro semanas, dependendo da idade e do peso do paciente. Em crianças a partir de seis meses e adolescentes, a dose é calculada conforme o peso corporal. Além disso, para crianças entre seis meses e seis anos, não é necessária a dose de ataque, e a dose de manutenção deve ser aplicada até que os sinais de dermatite atópica desapareçam.
Por fim, os efeitos adversos mais comuns do dupilumabe incluem reações no local da injeção, conjuntivite e vermelhidão facial. Entre os efeitos menos frequentes, destacam-se dermatite psoriasiforme e artrite ou entesite soronegativa.
Lebrikizumabe
O lebrikizumabe é um anticorpo monoclonal direcionado à IL-13 solúvel, aprovado para adolescentes com 12 anos ou mais que apresentam DA moderada a grave.
Ensaios clínicos demonstraram melhora significativa da dermatite atópica em monoterapia ou com corticosteroides tópicos.
Novas terapias em estudo
Vários imunobiológicos em desenvolvimento visam novas vias imunológicas, incluindo o eblasakimabe (anti-IL-13R-alfa-1) e agentes que modulam OX40/OX40L, como rocatinlimab e amlitelimab.
Nesse contexto, ensaios iniciais demonstram eficácia promissora na redução da gravidade da DA.
Segurança e monitoramento no uso pediátrico
O perfil de segurança dos imunobiológicos em crianças é favorável, com eventos adversos geralmente leves a moderados, como reações no local da injeção, conjuntivite e vermelhidão facial.
Além disso, monitoramento inclui avaliação oftalmológica quando necessário, observação de sinais de artrite ou psoríase e acompanhamento do crescimento e desenvolvimento. Ademais, testes de alergia de contato podem ser indicados antes do início do tratamento em casos selecionados.
Evidências científicas e diretrizes atuais
Estudos de fase 3 e análises de longo prazo comprovam eficácia de dupilumabe e lebrikizumabe em melhorar desfechos clínicos e qualidade de vida em pacientes pediátricos.
Portanto, diretrizes atuais recomendam agentes biológicos como primeira linha sistêmica para DA moderada a grave não controlada por terapia tópica, em razão do perfil de segurança superior a imunossupressores tradicionais.
Perspectivas futuras no tratamento da dermatite atópica infantil
O avanço dos imunobiológicos e a pesquisa em novas vias imunológicas ampliam as opções terapêuticas, oferecendo maior segurança.
Dessa forma, estudos futuros devem esclarecer estratégias de manutenção, otimização de doses, prevenção de recidivas e impacto em comorbidades atópicas, consolidando o tratamento sistêmico como ferramenta central na dermatite atópica pediátrica.
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Referências
- BRASIL. Ministério da Saúde; Secretaria de Atenção Especializada à Saúde; Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação e do Complexo Econômico-Industrial da Saúde. Portaria Conjunta SAES/SECTICS nº 34, de 20 de dezembro de 2023. Aprova o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Dermatite Atópica. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 2023. Disponível em: https://www.gov.br/conitec/pt-br/midias/protocolos/portaria-conjunta-saes-sectics-no-34-pcdt-dermatite-atopica.pdf. Acesso em: 5 out. 2025.
- Kolb L, Ferrer-Bruker SJ. Atopic Dermatitis. [Updated 2023 Aug 8]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2025 Jan-. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK448071/.
- Paller AS, Butala S, Howe W. Tratamento da dermatite atópica (eczema). UpToDate, 2025.






