Emergências respiratórias em crianças: como lidar com crises agudas?

Mulher segurando uma criança no colo enquanto ela usa uma máscara de nebulização; um termômetro está sobre a mesa ao lado.

Índice

As emergências respiratórias em crianças representam um dos cenários mais desafiadores na pediatria, exigindo reconhecimento rápido e intervenção imediata para evitar desfechos graves.

Quadros como broncoespasmo, laringite, bronquiolite e crises asmáticas podem evoluir rapidamente, levando à hipóxia e instabilidade hemodinâmica. Por isso, compreender os sinais de alerta, estabelecer prioridades e aplicar condutas baseadas em evidências são passos fundamentais para garantir um atendimento eficaz e seguro, reduzindo riscos e melhorando o prognóstico dos pacientes.

O que caracteriza uma emergência respiratória em pediatria?

Uma emergência respiratória ocorre quando a criança apresenta dificuldade para respirar de forma eficaz, com risco de evoluir rapidamente para insuficiência respiratória e até parada cardíaca caso não seja tratada.

Principais sinais de gravidade

Os sinais que indicam maior risco incluem:

  • Esforço respiratório aumentado (taquipneia, retrações, uso de musculatura acessória, batimento de asa do nariz, estridor, sibilos ou gemido);
  • Expansão torácica reduzida;
  • Entrada de ar diminuída;
  • Queda da saturação de oxigênio.

Além disso, manifestação de cianose, taquicardia, alteração do estado mental ou bradipneia são marcadores de possível exaustão respiratória e iminência de parada cardiorrespiratória.

Quando buscar atendimento imediato

É fundamental procurar ajuda urgente quando a criança apresenta respiração rápida com esforço evidente, cianose, redução da reatividade ou confusão, sonolência excessiva, chiado intenso, ruídos respiratórios anormais, piora da saturação ou dificuldade progressiva para respirar.

Ademais, situações como suspeita de corpo estranho, laringite grave, crise asmática severa ou sinais de infecção respiratória grave também exigem atendimento emergencial.

Diferenças entre quadros leves, moderados e graves

  • Quadros leves: respiração rápida, mas sem aumento significativo do esforço; ausência de ruídos importantes; saturação geralmente preservada.
  • Quadros moderados: presença clara de desconforto respiratório, com retrações, respiração ruidosa e possível queda leve da saturação.
  • Quadros graves: grande dificuldade para respirar, esforço intenso ou paradoxal, entrada de ar muito reduzida, cianose, alteração do estado mental e saturação baixa.

Causas mais comuns de emergências respiratórias em crianças

As emergências respiratórias pediátricas geralmente resultam de condições que comprometem o fluxo de ar ou a oxigenação.

Entre as causas mais frequentes estão as crises asmáticas e o broncoespasmo, infecções como bronquiolite e pneumonia, obstruções de vias aéreas (incluindo corpo estranho), além de reações alérgicas graves (anafilaxia). Esses problemas podem surgir de forma súbita e levar rapidamente à insuficiência respiratória se não forem reconhecidos e tratados a tempo.

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Asma e broncoespasmo

A asma é uma condição inflamatória crônica associada à hiperreatividade brônquica, resultando em obstrução reversível das vias aéreas.

Em crianças, manifesta-se principalmente com sibilos, falta de ar, tosse e piora noturna ou induzida por esforço. O manejo depende da gravidade da crise, variando desde o uso de salbutamol em espaçador nos casos moderados até nebulizações seriadas, oxigenoterapia, corticosteroides sistêmicos e adjuvantes como ipratrópio ou magnésio em situações graves.

Por fim, o broncoespasmo viral ou associado a outras infecções segue abordagem semelhante, com foco em broncodilatação e suporte respiratório.

Bronquiolite

A bronquiolite é uma infecção viral comum do trato respiratório inferior em lactentes, sendo uma das principais causas de internação em crianças pequenas, especialmente entre 2 meses e 2 anos. O vírus sincicial respiratório é o agente mais frequente.

Clinicamente, caracteriza-se pelo primeiro episódio de sibilos em crianças pequenas com sinais de infecção viral, como tosse seca, febre baixa e secreção nasal. Ademais, ao exame observa-se estertores crepitantes e sibilos expiratórios.

Em alguns casos, a doença pode evoluir rapidamente para quadro grave, com taquipneia, retrações torácicas, irritabilidade, dificuldade para se alimentar e vômitos.

O diagnóstico é essencialmente clínico e, dessa forma, reserva-se exames laboratoriais ou de imagem para situações mais complexas ou atípicas.

Por fim, fatores que aumentam o risco de formas graves incluem:

  • Idade <6 semanas;
  • Prematuridade significativa;
  • Anomalias cardíacas ou pulmonares pré-existentes;
  • Histórico de apneia.

Pneumonia e complicações

A pneumonia é uma causa frequente de hospitalização em crianças e deve ser suspeitada quando há febre alta, tosse, respiração rápida, gemido e retrações torácicas, mesmo na ausência de histórico prévio de falta de ar. Além disso, a frequência respiratória elevada é um indicador altamente sensível e específico para o diagnóstico, devendo ser contada por 30 a 60 segundos.

A presença de macicez local e ausência de sons respiratórios pode indicar empiema. Ademais, sinais de gravidade incluem cianose, taquicardia e alterações do estado mental, que refletem hipóxia e insuficiência respiratória iminente. Bradicardia associada a desconforto respiratório sugere risco de parada cardíaca.

O tratamento inclui administração de antibióticos adequados para a pneumonia ou complicações como empiema.

Obstrução de vias aéreas por corpo estranho

Suspeita-se de aspiração de corpo estranho (ACE) em crianças com início súbito de sintomas respiratórios ou em casos que não respondem a tratamentos habituais para pneumonia, asma ou crupe.

Um histórico de engasgo, mesmo ocorrido dias antes, é altamente sugestivo, mas a ausência dele não exclui o diagnóstico, pois nem todos os episódios são presenciados. Além disso, o risco é maior em crianças entre 1 e 3 anos.

Sintomas comuns incluem tosse súbita, sibilos focais, estridor, dispneia, diminuição unilateral dos sons respiratórios e crises de cianose. O diagnóstico é clínico, auxiliado por radiografias de tórax (PA e lateral) ou, em casos específicos, tomografia computadorizada ou broncoscopia, especialmente quando a suspeita é moderada a alta.

Reações alérgicas graves (anafilaxia)

A anafilaxia é uma reação alérgica grave que pode evoluir rapidamente para comprometimento respiratório, choque e morte em minutos.

O reconhecimento precoce é essencial, pois o tratamento imediato aumenta significativamente a sobrevida. Epinefrina é o medicamento de primeira linha e deve ser administrada assim que a reação for identificada, independentemente da gravidade inicial. Não há contraindicações absolutas para seu uso, e a maioria dos pacientes responde a uma ou duas doses intramusculares, preferencialmente aplicadas na região médio-lateral da coxa.

Abordagem inicial nas crises respiratórias agudas

Avaliação rápida: ABCDE

A avaliação inicial de crianças com comprometimento respiratório deve seguir a abordagem sistemática ABCDE, focando especialmente em A (vias aéreas) e B (respiração).

É essencial determinar se a via aérea está permeável ou obstruída, observando movimentos torácicos e abdominais, sons respiratórios e fluxo de ar por nariz e boca. Sinais de obstrução incluem estridor, rouquidão, roncos inspiratórios e esforço respiratório sem ventilação eficaz.

Além disso, analisa-se a respiração pela frequência respiratória, esforço, entrada de ar, sons respiratórios e oximetria de pulso.

Monitorização e estabilização

Na abordagem de crianças com comprometimento respiratório, a monitorização contínua dos sinais vitais é essencial para avaliar a gravidade do quadro e orientar intervenções imediatas. Assim, observa-se:

  • Frequência respiratória;
  • Saturação de oxigênio (SpO₂);
  • Frequência cardíaca;
  • Pressão arterial e perfusão;
  • Temperatura.

A monitorização sistemática e contínua permite a detecção precoce de deterioração clínica, orienta a necessidade de oxigenoterapia, fluidoterapia e intervenções de emergência, e contribui para a classificação precisa do comprometimento respiratório.

Ademais, realiza-se a estabilização inicial simultaneamente à monitorização, visando preservar oxigenação, ventilação e circulação. Inclui:

  • Garantir via aérea pérvia, removendo obstruções e mantendo posição adequada da cabeça e pescoço.
  • Suplementação de oxigênio conforme necessidade, ajustando fluxo para manter SpO₂ adequada.
  • Controle de ventilação: em casos de insuficiência respiratória, iniciar ventilação assistida com máscara ou intubação se necessário.
  • Reposição volêmica em situações de choque ou desidratação grave, com monitorização rigorosa do estado hemodinâmico.
  • Acompanhamento contínuo do paciente, observando sinais de fadiga respiratória ou deterioração súbita, permitindo intervenção rápida antes de falência respiratória ou cardiorrespiratória.

Oxigenoterapia: quando e como usar

A oxigenoterapia deve ser aplicada sempre que houver hipoxemia, evidenciada por Sat.O₂ < 94% em ar ambiente ou sinais clínicos de baixo aporte de oxigênio.

Nesse contexto, a oximetria de pulso é uma ferramenta não invasiva confiável, mas pode apresentar limitações em casos de perfusão prejudicada, intoxicação por monóxido de carbono ou movimentação do paciente.

Manejo específico das principais condições

Tratamento da crise asmática

A crise asmática requer intervenção rápida e escalonada. O tratamento inicial envolve salbutamol administrado via espaçador ou nebulização repetida em intervalos curtos. Em casos mais severos, associa-se ipratópio e oxigênio suplementar para manter SpO₂ acima de 95%.

Além disso, recomenda-se iniciar corticosteroides ainda na primeira hora para reduzir a inflamação. Se não houver resposta adequada, pode-se utilizar magnésio intravenoso, broncodilatadores intravenosos e monitorização contínua, incluindo gasometria e ECG. Em falência respiratória iminente, considera-se ventilação assistida com hipercapnia permissiva.

A alta só ocorre quando a criança apresenta estabilidade clínica, saturação normal em ar ambiente e espaçamento dos broncodilatadores para intervalos de 4 horas.

Condutas na bronquiolite

O manejo da bronquiolite baseia-se principalmente em cuidados de suporte que inclui:

  • Hidratação adequada;
  • Administração de oxigênio suplementar para manter SpO₂ adequada;
  • Monitoramento constante dos sinais vitais.

Nebulizações com salina hipertônica podem reduzir o tempo de internação, e broncodilatadores como salbutamol ou epinefrina nebulizados podem ser considerados em casos graves ou que necessitem de ventilação mecânica.

Outros tratamentos específicos não possuem evidência consistente de eficácia, sendo o suporte clínico a base do manejo.

Abordagem da obstrução por corpo estranho (manobras e limitações)

Em situações de obstrução completa ou iminente, a intervenção imediata é necessária, incluindo manobras de desobstrução e reanimação, seguidas por avaliação das vias aéreas.

Para casos estáveis com suspeita de ACE, a avaliação começa com exames de imagem, e a broncoscopia rígida é o padrão para remoção segura do corpo estranho, realizada por profissionais experientes. A broncoscopia flexível pode ser utilizada em centros especializados ou para fins diagnósticos.

Condutas em anafilaxia com comprometimento respiratório

Pacientes com estridor, dificuldade respiratória ou sinais de obstrução das vias aéreas devem receber oxigênio em alto fluxo e ter acesso venoso estabelecido imediatamente. A intubação emergencial pode ser necessária, e, em casos extremos de edema grave, uma cricotireoidotomia de emergência deve ser considerada.

Se os sintomas ou hipotensão persistirem após epinefrina IM e reposição volêmica, a epinefrina intravenosa em infusão contínua deve ser utilizada com monitoramento hemodinâmico.

Terapias adjuvantes, como anti-histamínicos, broncodilatadores ou corticosteroides, podem ser usadas para sintomas residuais, mas não substituem a epinefrina nem devem atrasar sua administração.

Exames úteis na avaliação da criança com desconforto respiratório

A avaliação de crianças com dificuldade respiratória pode ser auxiliada por diversos exames complementares, que ajudam a identificar a gravidade, a etiologia e a necessidade de intervenções específicas.

Radiografia de tórax

A radiografia de tórax é indicada em casos de suspeita de pneumonia, edema pulmonar, pneumotórax ou aspiração de corpo estranho. O exame também pode revelar alterações inesperadas, como cardiomegalia, colapso pulmonar ou malformações congênitas (enfisema lobar, cisto broncogênico, hérnia diafragmática).

Em crianças febris com alterações radiográficas, o exame auxilia na decisão de iniciar antibióticos, embora não substitua a avaliação clínica completa.

Oximetria de pulso e gasometria

A oximetria de pulso é um exame não invasivo essencial para monitorar a saturação de oxigênio, identificando hipóxia precoce.

A gasometria arterial, por sua vez, fornece informações detalhadas sobre oxigenação, ventilação e equilíbrio ácido-base, sendo indicada em casos graves ou quando há necessidade de suporte ventilatório.

Uso da ultrassonografia point-of-care na pediatria

A ultrassonografia à beira do leito (POCUS) é uma ferramenta cada vez mais utilizada na pediatria para avaliação rápida de derrames pleurais, pneumotórax, consolidações pulmonares e monitoramento do fluxo aéreo. Ela permite decisões clínicas rápidas, minimiza a exposição à radiação e complementa outros exames de imagem, especialmente em situações de urgência.

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Referências

  • Campbell RL, Kelso JM. Anaphylaxis: Emergency treatment. UpToDate, 2025.
  • Fonseca JG, Oliveira AMLS, Ferreira AR. Avaliação e manejo inicial da insuficiência respiratória aguda na criança. Belo Horizonte, 2013. Disponível em: https://www.rmmg.org/artigo/detalhes/38. Acesso em 16 nov 2025.
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  • Thangavelu S, Sharada RC, Balamurugan N. Respiratory Emergencies in Children. Clinical Pathways in Emergency Medicine. 2015 Nov 6:251–63. doi: 10.1007/978-81-322-2713-7_14. PMCID: PMC7121418.
  • Universidade Federal de Minas Gerais. Protocolo D.R.A. Doenças Respiratórias Agudas. Belo Horizonte, 2015. Disponível em: https://www.medicina.ufmg.br/wp-content/uploads/sites/30/2015/02/Protocolo-doenca-respiratoria-aguda-PBH-2015-04-10-2016.pdf. Acesso em 16 nov 2025.

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