A sedação consciente com óxido nitroso (N2O), também conhecida como “gás do riso”, é amplamente utilizada em procedimentos médicos ambulatoriais e odontológicos devido à sua eficácia, segurança e facilidade de administração.
Neste texto, abordaremos o mecanismo de ação do óxido nitroso, suas indicações, contraindicações, comparação com outras formas de sedação, protocolos de uso e manejo de efeitos adversos. Continue a leitura e fique por dentro do assunto.
Terminologias
Antes de iniciar, é importante esclarecer alguns conceitos básicos:
Sedativo, anestésico e neurobloqueador são termos que se referem a diferentes categorias de agentes usados na medicina para controlar a consciência, dor e movimento durante procedimentos.
- Sedativo: Reduz a ansiedade e induz relaxamento ou sonolência. Não necessariamente elimina a dor, mas pode-se usar em conjunto com analgésicos.
- Anestésico: Bloqueia a sensação de dor, podendo ser local (em uma área específica) ou geral (induzindo inconsciência total).
- Neurobloqueador: Paralisa temporariamente os músculos ao bloquear a transmissão de impulsos nervosos, essencial em cirurgias para evitar movimentos involuntários.
Esses agentes podem ser usados juntos ou separadamente, dependendo do procedimento.
Breve histórico
Descobriu-se o óxido nitroso em 1772 por Joseph Priestley. Inicialmente, utilizou-se para fins recreativos, sendo conhecido como “gás do riso”. Seu potencial como anestésico foi reconhecido por Humphry Davy em 1799, mas seu uso clínico só começou a se popularizar em meados do século XIX.
Em 1844, Horace Wells, um dentista americano, utilizou o óxido nitroso pela primeira vez em um procedimento odontológico. Desde então, seu uso se expandiu para diversas áreas da medicina, sendo amplamente empregado como sedativo e analgésico em procedimentos cirúrgicos e obstétricos.
Mecanismo de ação de gases inalatórios
O óxido nitroso é um agente sedativo e analgésico inalatório. Tem efeito sedativo e analgésico dose-dependente, sendo amplamente utilizado para reduzir a ansiedade e o desconforto durante procedimentos médicos e odontológicos. No entanto, seu efeito relaxante muscular é insignificante e geralmente não é utilizado para esse fim.
Os anestésicos gasosos são absorvidos e distribuídos no corpo com base em gradientes de pressão. Atinge-se o equilíbrio quando as pressões do gás inspirado se igualam às dos alvéolos, sangue e tecidos. Gases com baixa solubilidade no sangue e no tecido adiposo atingem esse equilíbrio mais rapidamente.
Essa pressão no sangue impulsiona os agentes inalatórios a chegarem ao cérebro, onde exercem seus efeitos anestésicos. O óxido nitroso, por ter uma solubilidade muito baixa e ser transportado no sangue como gás livre, atinge o equilíbrio rapidamente e, por isso, tem um início de ação mais rápido que outros agentes inalatórios.
A eliminação dos gases anestésicos segue o mesmo princípio, mas de forma inversa: quando a administração é interrompida, o gás se move dos tecidos para o sangue e, em seguida, para os alvéolos para ser expirado. A biotransformação é mínima, e anestésicos com baixos coeficientes de partição têm início e término rápidos, sendo ideais para ajustes frequentes na profundidade anestésica.
Óxido nitroso e o seu mecanismo de ação
O óxido nitroso é um gás incolor com um sabor adocicado que, ao ser inalado, provoca depressão do Sistema Nervoso Central (SNC) com impactos muito baixos no sistema respiratório e cardiovascular.
Seu mecanismo de ação envolve a inibição de receptores NMDA (N-metil-D-aspartato) e a ativação de canais de potássio ativados por cálcio e receptores GABA-A (ácido gama-aminobutírico tipo A).
A inibição dos receptores NMDA reduz a excitabilidade neuronal, enquanto a ativação dos receptores GABA-A e dos canais de potássio promove a hiperpolarização da membrana neuronal, diminuindo a atividade sináptica. Esses efeitos resultam em sedação, analgesia leve e uma sensação de euforia em muitos pacientes.
Protocolos de sedação com óxido nitroso
Os protocolos de administração do óxido nitroso envolvem a avaliação prévia. Esta inclui a história clínica detalhada e identificação de possíveis contraindicações. Além disso, antes de iniciar a administração do óxido nitroso, deve-se realizar um teste chamado de Teste de Trieger. Este é um exame utilizado para avaliar o nível de coordenação motora e a função cognitiva de um paciente para, após o procedimento, repetir o teste e determinar o nível de sedação residual e a recuperação da função motora fina e do estado de alerta do paciente antes de liberá-lo após um procedimento.
Se o paciente conseguir completar o teste com precisão, é um indicativo de que os efeitos do sedativo diminuíram e ele está apto a realizar atividades que exigem coordenação motora, como dirigir. Desvios significativos ou tremores indicam que o paciente ainda pode estar sob influência do sedativo e não recuperou totalmente a coordenação motora. Nesse caso, recomenda-se prolongar a observação antes da liberação do paciente.
Após, deve-se dosar o gás. Normalmente, o N2O é administrado em concentrações de 30-50% misturado com oxigênio, podendo ser ajustado conforme necessário.
Durante todo o procedimento, deve haver o monitoramento contínuo da saturação de oxigênio, frequência cardíaca e estado de consciência.
Após a interrupção do óxido nitroso, recomenda-se administrar oxigênio a 100% por pelo menos 3 a 5 minutos para prevenir a hipóxia difusional, um fenômeno causado pela rápida eliminação do gás dos pulmões, que pode reduzir temporariamente os níveis de oxigenação sanguínea.
Sinais e sintomas de anestesia ideal
Percebe-se que o paciente atinge o estágio de anestesia ideal quando o mesmo tem os seguintes sinais e sintomas:
- Sensação de dormência nos pés e mãos inicialmente, “caminhando” para pernas e braços;
- Sensação de formigamento nos lábios, língua, palato, bochecha, etc;
- Espasmos palpebrais;
- Voz anasalada e cadenciada;
- Sensação de relaxamento;
- Redução da ansiedade ou medo;
- Ampliação da audição (barulhos e conversas podem incomodar).
Indicações da sedação com óxido nitroso
Indica-se a sedação com o uso do óxido nitroso em algumas situações, seja em uso como único sedativo ou associado a anestésicos gerais. Abaixo, alguns exemplos de uso do óxido nitroso:
- Procedimentos odontológicos: utiliza-se amplamente para reduzir a ansiedade e proporcionar sedação leve durante tratamentos dentários, especialmente em pacientes pediátricos ou ansiosos.
- Procedimentos cirúrgicos menores: utiliza-se para sedação em pequenas cirurgias e procedimentos ambulatoriais que não requerem anestesia geral.
- Procedimentos diagnósticos: indica-se para exames que podem causar desconforto ou ansiedade, como endoscopias, colonoscopias e ressonâncias magnéticas.
- Emergências médicas: O óxido nitroso pode ser útil como coadjuvante no alívio da dor em procedimentos moderadamente dolorosos, como pequenas suturas e drenagem de abscessos. No entanto, em procedimentos mais intensamente dolorosos, como a redução de fraturas e luxações, ele deve ser associado a outras formas de analgesia, como opioides ou bloqueios anestésicos.
- Pacientes com fobia de agulha ou ansiedade grave: indica-se para pacientes que têm medo extremo de procedimentos médicos ou odontológicos, ajudando a relaxar sem a necessidade de anestesia geral.
Uso do óxido nitroso na pediatria
O óxido nitroso é uma opção eficaz para sedação e analgesia em crianças durante pequenos procedimentos cirúrgicos ou diagnósticos. Pode-se ser usado sozinho ou em combinação com outras técnicas analgésicas, como EMLA e lidocaína. Ele proporciona alívio significativo da dor e ansiedade, mantém os reflexos protetores, embora a recuperação do óxido nitroso seja rápida, o paciente deve ser monitorado até a recuperação total das funções motoras e cognitivas. Apenas após a normalização completa, ele pode receber alta com segurança.
Seu uso é muito comum e eficiente em:
- Procedimentos dentários;
- Redução de fraturas ósseas;
- Procedimentos otorrinolaringológicos;
- Procedimentos urológicos, como o cateterismo para uetrocistografia;
- Suturas;
- Venopunção;
- Injeções.
Benefícios do uso do óxido nitroso
Comparado a outros agentes sedativos, o óxido nitroso oferece uma série de vantagens:
- Segurança: O N2O tem um perfil de segurança elevado, com poucos efeitos colaterais graves.
- Rapidez de ação e recuperação: Início de ação e recuperação rápidos, permitindo que os pacientes retomem suas atividades normais em pouco tempo.
- Controle: Permite um ajuste fino do nível de sedação.
- Eficácia analgésica: Embora não seja tão potente quanto os opióides, oferece analgesia suficiente para procedimentos menores.
- Aumento da velocidade de indução da anestesia geral: A concentração de N2O acelera a absorção de outros anestésicos inalatórios administrados concomitantemente.
- Fácil administração: A maioria dos ventiladores usados em anestesia geral tem conexão para N2O e monitoram sua fração inspirada. Além disso, pode-se interromper de forma simples e rápida quando for necessário.
No entanto, sua capacidade de sedação profunda é limitada em comparação com agentes intravenosos, como propofol ou benzodiazepínicos. Também não é adequado para procedimentos prolongados ou aqueles que requerem sedação profunda.
Contraindicações do óxido nitroso
A primeira contraindicação começa quando há impossibilidade de usar máscara nasal. Considera-se esta uma contraindicação absoluta. Ou seja, pacientes com problemas cognitivos, obstruções nasofaríngeas anatômicas e/ou induzida por doenças. Além desses, podemos destacar ainda:
- Pneumotórax: O N2O pode expandir gases em cavidades fechadas, exacerbando a condição.
- Obstrução intestinal: Similar ao pneumotórax, o gás pode aumentar a pressão no intestino.
- Cirurgia recente de ouvido médio ou ocular: Risco de aumento de pressão em cavidades fechadas.
- Doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC): Risco de depressão respiratória.
- Deficiência de vitamina B12: O N2O pode inativar a metionina sintetase, agravando a deficiência.
- Gravidez (primeiro trimestre): Risco potencial de teratogenicidade.
- Pacientes com risco de embolia gasosa: O óxido nitroso pode exacerbar essa condição.
Efeitos adversos
Embora o óxido nitroso seja geralmente seguro, alguns efeitos adversos podem ocorrer, como é o caso de náuseas e vômitos, principalmente em uso pediátrico. Eles costumam ocorrer quando são fornecidos em doses mais altas. Pacientes também podem referir tontura e cefaleia, relacionadas à inalação do gás, geralmente leves e autolimitadas.
A hipóxia difusional pode ocorrer se o óxido nitroso não for eliminado adequadamente dos pulmões após o procedimento. Evita-se isso pela administração de oxigênio a 100% no final da sedação.
A depressão respiratória é rara, mas possível em concentrações mais altas, especialmente em pacientes com condições respiratórias pré-existentes.
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Referências
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- TASSO, A. C. et al. Sedação por óxido nitroso X anestesia geral: prós e contras. Uma revisão de literatura. Research, Society and Development, v. 11, n. 12, e105111234139, 2022 (CC BY 4.0) | ISSN 2525-3409 | DOI: http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v11i12.34139.






