Ultrassonografia transfontanelar: o que é, importância e aplicações na pediatria

Índice

A ultrassonografia transfontanelar, ou ecografia cerebral, vem sendo utilizada em cuidados neonatais desde a década de 1970. É um método de diagnóstico essencial nas Unidades de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN), pois é segura, relativamente acessível e pode ser realizada à beira do leito sem causar desconforto significativo ao recém-nascido (RN). 

Além disso, permite estudos seriados e é útil para detectar e acompanhar lesões cerebrais do RN, sejam elas congênitas ou adquiridas, tanto pré-natais quanto pós-natais. 

Benefícios da ultrassonografia transfontanelar

A ultrassonografia transfontanelar oferece três vantagens principais: 

  • Segurança, pois não envolve radiação, pré-medicação ou uso de contraste.
  • Simplicidade, visto que o equipamento é compacto e portátil, ideal para uso à beira do leito, especialmente em situações de reanimação. Além disso, sua realização à beira leito facilita a manutenção do equilíbrio térmico e hemodinâmico em recém-nascidos gravemente doentes.
  • Baixo custo.

Ademais, por ser um exame não invasivo, permite o acompanhamento evolutivo de lesões com a obtenção de imagens seccionais em diferentes planos espaciais e em tempo real. 

Esse método de imagem é especialmente adequado para recém-nascidos prematuros, apresentando excelente desempenho na identificação de lesões de leucomalácia periventricular e hemorragias cerebrais, que são as principais complicações neurológicas nesses pacientes.

Técnica de ultrassonografia transfontanelar

O ecógrafo utilizado para avaliação neonatal deve ser portátil, permitindo fácil acesso à beira do leito do paciente.

A área de contato entre o transdutor e a região cefálica, que permite a transmissão do som, é chamada de janela acústica. Nos recém-nascidos e lactentes, essas janelas são formadas pelas fontanelas, suturas ou até mesmo por aberturas decorrentes de craniotomias.

Realiza-se a seleção das sondas ecográficas conforme o tamanho e o formato adequado para o estudo em neonatos. Atualmente, recomenda-se o uso de dois tipos principais:

  • Sonda Setorial Multifrequência (5-10 MHz) – É indicada para estudos gerais, com frequência ajustada de acordo com a idade gestacional do bebê. Por exemplo, extremos prematuros (23-26 semanas) com frequências mais altas, como 9-10 MHz; prematuros (27-32 semanas) com frequências de 7-9 MHz; e recém-nascidos a termo com frequências de 5-6 MHz.
  • Sonda Linear de Alta Frequência (10-14 MHz) – Utilizada para examinar estruturas anatômicas próximas ao transdutor, como o seio venoso sagital, regiões corticais e subcorticais. Também é ideal para uma avaliação detalhada de áreas específicas do cérebro.

Na rotina clínica, utiliza-se um transdutor de varredura setorial com frequência de 5-10 MHz. Em algumas situações, uma varredura adicional com um transdutor de alta frequência pode ser vantajosa para obter maior precisão na visualização dos espaços pericerebrais e do parênquima cerebral periventricular.

Para a realização de uma varredura padrão, posiciona-se o transdutor sobre a fontanela anterior, tomando cuidado para não exercer pressão excessiva. Todo o parênquima cerebral é então examinado, inicialmente no plano coronal e, em seguida, no plano sagital.

Por outro lado, quando se busca um estudo mais detalhado da fossa posterior ou do círculo de Willis, realiza-se o exame utilizando uma abordagem transmastóidea. Nesse caso, posiciona-se o transdutor acima e atrás da orelha do paciente.

Aspectos normais 

Uma varredura padrão consiste em dez imagens de referência, sendo cinco obtidas na varredura coronal e cinco na varredura sagital.

Os ventrículos laterais contêm líquido homogêneo (anecogênico), e suas paredes são finas, com uma borda inferior côncava. É comum observar uma pequena assimetria no tamanho dos ventrículos, que geralmente não tem relevância clínica. Todavia, quando a largura do cruzamento (medido em seção coronal) ultrapassa 10 mm, considera-se dilatação ventricular. Além disso, também sugere-se dilatação pela forma convexa da borda inferior dos ventrículos.

Os plexos coróides são homogêneos e hiperecogênicos, visíveis desde os forames de Monro até a interseção ventricular. No caso de prematuros, o cisto do septo pelúcido, situado entre os cornos frontais dos ventrículos laterais, é um marcador da linha média normal, embora possa ser observado também em recém-nascidos e bebês, sem importância patológica. 

A substância branca periventricular tende a ser ecogênica, especialmente nas regiões frontal e occipital. Esse aspecto é mais proeminente em prematuros, mas permanece homogêneo. De forma geral, a substância branca não deve ser mais ecogênica que os plexos coróides.

Os espaços subaracnóideos podem ser amplos fisiologicamente, com uma distância inter-hemisférica de até 6 mm.

Por fim, não realizasse o exame Doppler de forma rotineira, sendo indicado principalmente para casos de encefalopatia hipóxico-isquêmica em recém-nascidos a termo, instabilidade cardiorrespiratória em recém-nascidos prematuros com dilatação ventricular, ou suspeita de trombose venosa cerebral. O exame é feito na artéria cerebral anterior, e a velocidade sistólica máxima (VSM) e o índice de resistência (IR) devem ser correlacionados com a idade corrigida da criança. 

Indicações para realização da ultrassonografia transfontanelar

As principais indicações para a realização da ultrassonografia transfontanelar incluem:

  • Malformação congênita ou sinais dismórficos.
  • Histórico de malformações congênitas cerebrais em pais ou irmãos.
  • Anomalias cromossômicas.
  • Infecção intrauterina pelo grupo TORCHS.
  • Corioamnionite com sepse comprovada no recém-nascido.
  • Sepse e/ou meningite.
  • Convulsões.
  • Alterações no exame neurológico.
  • Macrocefalia, aumento rápido do perímetro cefálico ou mudança na curva de crescimento.
  • Microcefalia.
  • Bilirrubinas superiores a 25 mg/dl e/ou Kernicterus (lesão do globo pálido).
  • Gemelaridade.
  • Restrição do crescimento intrauterino, especialmente quando há alterações nos fluxos das artérias umbilicais e/ou cerebrais médias fetais, ou do canal venoso, ou quando esses fluxos não são conhecidos.
  • Diagnóstico pré-natal de ventriculomegalia ou qualquer suspeita ou alteração cerebral bloqueada na ecografia fetal.
  • Trombocitopenia (plaquetas abaixo de 50.000/mm³).
  • Traumatismo craniano.
  • Hipoglicemia sintomática e/ou persistente.
  • Após qualquer intercorrência clínica aguda, como complicação infecciosa, instabilidade hemodinâmica ou respiratória, queda súbita de hemoglobina, enterocolite necrosante ou cirurgias de grande porte.
  • Cardiopatias congênitas com necessidade de correção cirúrgica (pré e pós-operatória).

Aplicações da ultrassonografia transfontanelar na pediatria

A ultrassonografia transfontanelar pode ser utilizada para diagnóstico e acompanhamento de diversas condições que afetam recém-nascidos. No próximo bloco, revisaremos as principais anomalias que podem ser identificadas com o uso da técnica.

Patologias específicas do recém-nascido prematuro

Recém-nascidos prematuros estão sujeitos a complicações neurológicas que podem ser identificadas pela ultrassonografia transfontanelar, tais como lesões hemorrágicas e leucomalácia periventricular. 

Lesões hemorrágicas

As flutuações do fluxo sanguíneo cerebral, relacionadas às condições hemodinâmicas neonatais e à ventilação assistida, podem provocar crises hipertensivas em recém-nascidos prematuros, resultando em hemorragias. 

Leucomalácia periventricular

A leucomalácia periventricular (LPV), por sua vez, caracteriza-se pela necrose da substância branca periventricular, ocorrendo quase exclusivamente em bebês extremamente prematuros. O diagnóstico precoce e o monitoramento dependem essencialmente da ultrassonografia transfontanelar, que permite detectar áreas hiperecóicas na substância branca, geralmente heterogêneas e de contornos mal definidos. 

Patologia do recém-nascido a termo

Recém-nascidos a termo, as principais patologias neurológicas incluem as hemorragias intracerebrais, a encefalopatia hipóxico-isquêmica e o acidente vascular cerebral (AVC).

Hemorragias intracerebrais

No recém-nascido a termo, as hemorragias intracerebrais são menos comuns e, quando ocorrem, estão geralmente associadas a partos traumáticos ou distúrbios de coagulação e raramente são intraventriculares. Em vez disso, apresentam-se como hematomas subdurais, subpiais ou intraparenquimatosos. 

Devido à localização desses hematomas, frequentemente pericerebrais ou subtentoriais, o diagnóstico por ultrassonografia pode ser desafiador. Assim, exames como tomografia computadorizada ou ressonância magnética tornam-se essenciais para confirmar o diagnóstico.

Encefalopatia hipóxico-isquêmica 

A encefalopatia hipóxico-isquêmica, por sua vez, associa-se ao sofrimento cerebral em recém-nascidos a termo e pode ocorrer tanto no período pré-natal quanto no perinatal. Tal condição, afeta predominantemente a substância cinzenta.

A ultrassonografia transfontanelar costuma revelar hipoecogenicidade difusa no córtex cerebral, na substância branca subcortical, nos núcleos lentiformes e no tálamo. Nesses casos, o exame Doppler, realizado de forma sistemática, geralmente evidencia um aumento do componente diastólico e uma redução no índice de resistência.

Porém, nos casos de encefalopatia hipóxico-isquêmica , a ultrassonografia transfontanelar é de valor limitado e, dessa forma, deve ser complementada pela ressonância magnética.

Acidente vascular cerebral

Por fim, o acidente vascular cerebral (AVC) é uma causa frequente de sinais neurológicos em recém-nascidos a termo, sendo as convulsões ou a hipotonia os principais sinais de alerta.

Nesses casos, a ultrassonografia transfontanelar (ETF) geralmente identifica uma área hiperecóica córtico-subcortical com apagamento dos sulcos, frequentemente localizada no território vascular.

Infecções congênitas 

Os efeitos da infecção pelo citomegalovírus variam conforme o momento da infecção. Portanto, se a infecção ocorre no terceiro trimestre, as lesões tendem a ser limitadas, incluindo cistos subependimários, dilatação ventricular, sinais de ventriculite (como septação e pseudocistos paraventriculares) e calcificações periventriculares. Por outro lado, nas infecções antes do terceiro trimestre, podem surgir alterações graves no desenvolvimento cerebral, como polimicrogiria e hipoplasia cerebelar.

As lesões causadas pela toxoplasmose são semelhantes às do citomegalovírus, mas as calcificações periventriculares tendem a ser mais evidentes.

Quando realizar a ultrassonografia transfontanelar

Realizar o exame de forma precoce, preferencialmente na admissão de recém-nascidos pré-termo extremo, é crucial para identificar condições como hemorragia peri-intraventricular e leucomalácia periventricular cística. 

Idealmente, a primeira ultrassonografia transfontanelar deve ocorrer nas primeiras 72 horas de vida (preferencialmente nas primeiras 24 horas), seguidas por exames ao final da primeira e segunda semanas. 

Em casos de patologias evolutivas, como hemorragia peri-intraventricular, são indicadas ultrassonografias semanais; na ausência dessas condições, os exames podem ser realizados a cada duas semanas. Um estudo adicional deve ser feito na Idade Esperada para o Termo (IET, 40-44 semanas de Idade Pós-Menstrual) e, se necessário, após essa fase, em situações de patologia evolutiva ou suspeitas de atrofia cerebral significativa. 

Por outro lado, protocolos mais restritivos, com apenas duas ultrassonografia recomendadas (na segunda semana de vida e entre 36-40 semanas de Idade Pós-Menstrual), podem reduzir a capacidade de detectar sequelas, deixando de identificar lesões como hemorragia peri-intraventricular grau 1-2 ou leucomalácia periventricular cística discreta, nas quais os cistos acabam incorporados nos ventrículos.

Limitações da ultrassonografia transfontanelar

Em recém-nascidos a termo com encefalopatia hipóxico-isquêmica  as lesões possuem uma topografia diferente, dificultando a visualização de lesões neuronais, como as que afetam o córtex e os núcleos da base. Nesses casos, a ultrassonografia transfontanela contribui pouco para a detecção de lesões corticais, sendo a ressonância magnética a modalidade de escolha.

Além disso, outra limitação da ultrassonografia transfontanelar relaciona-se com o tamanho da fontanela anterior, que geralmente se fecha em torno dos 12 meses de idade.

Por fim, a ultrassonografia transfontanelar corresponde a uma técnica dependente da habilidade do operador. Portanto, para interpretar corretamente os achados clínicos, é essencial ter conhecimento anatômico e fisiopatológico, domínio da técnica, compreensão das limitações do equipamento e escolha do modelo adequado para cada tipo de estrutura a ser investigada.

Saiba mais: A importância da US no diagnóstico precoce de displasia do quadril pediátrico.

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Referências

  1. FALIP, C. et al. Ecografía transfontanelar. EMC – Pediatria, Volume 45, 2010.
  2. GRAÇA, A. L. F. M. Contribuição da ecografia cerebral transfontanelar para a avaliação do crescimento cerebral do recém-nascido pré-termo. 2013. Disponível em: https://repositorio.ulisboa.pt/bitstream/10451/10564/1/ulsd067232_td.pdf. Acesso em: 26 dez 2024.
  3. SANTOS, D. S. S. Ocorrência de lesões neurológicas em recém-nascidos diagnosticadas por ultrassonografia transfontanela. Rev enferm UFPE on line., Recife, 2017.
  4. TABORDA, A. et al. Revisão do Consenso de Neuro-imagiologia Neonatal. 2013. Disponível em: https://www.spneonatologia.pt/wp-content/uploads/2016/11/2010-Neuroimagiologia.pdf. Acesso em: 26 dez 2024.

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