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Avaliação ecocardiográfica da função diastólica: da teoria à prática clínica

Profissional da saúde segurando o transdutor de um aparelho de ecocardiografia, com o equipamento de ultrassom ao fundo, em ambiente clínico.

Índice

A avaliação ecocardiográfica da função diastólica constitui um dos pilares na análise global do desempenho cardíaco, permitindo compreender a capacidade do ventrículo em relaxar e se encher adequadamente durante a diástole.

Essa etapa do ciclo cardíaco, embora menos evidente que a sístole, é fundamental para garantir o débito cardíaco eficiente e a adequada perfusão tecidual. Na prática clínica, a ecocardiografia Doppler, aliada a parâmetros derivados do Doppler tecidual e de medidas volumétricas, possibilita uma caracterização detalhada das pressões de enchimento ventricular e dos graus de disfunção diastólica.

Assim, do ponto de vista teórico, a compreensão dos mecanismos fisiopatológicos subjacentes, como o relaxamento miocárdico e a complacência ventricular, é essencial para interpretar corretamente os achados ecocardiográficos e correlacioná-los com o quadro clínico do paciente, tornando a transição da teoria à prática um exercício de precisão diagnóstica e de raciocínio clínico integrado.

Conceitos fundamentais da função diastólica

A função diastólica está intimamente relacionada à capacidade do ventrículo esquerdo de relaxar e se encher adequadamente após a sístole. Embora, por fins didáticos, a sístole e a diástole sejam tratadas separadamente, na prática elas formam um ciclo interdependente e contínuo.

Historicamente, a diástole foi definida como o período compreendido entre a abertura da valva mitral e o início da contração ventricular. No entanto, na aplicação clínica moderna, considera-se que ela se inicia com o fechamento da valva aórtica (segunda bulha cardíaca) e termina com o fechamento da valva mitral (primeira bulha).

Fases do enchimento ventricular

A diástole é composta por quatro fases distintas, que ocorrem de forma coordenada: relaxamento isovolumétrico, enchimento rápido, diástase e contração atrial.

  • Relaxamento isovolumétrico: ocorre entre o fechamento da valva aórtica e a abertura da mitral. Durante esse período, o ventrículo relaxa ativamente, reduzindo sua pressão interna sem variação de volume.
  • Enchimento rápido: inicia-se quando a pressão ventricular cai abaixo da pressão atrial esquerda, permitindo o fluxo de sangue para o ventrículo. Essa fase é influenciada tanto pelo relaxamento ativo do miocárdio quanto pelas propriedades elásticas da parede ventricular.
  • Diástase: caracteriza-se pelo equilíbrio entre as pressões atrial e ventricular, momento em que o enchimento é sustentado principalmente pelo fluxo venoso pulmonar.
  • Contração atrial: representa a fase final da diástole, na qual o átrio esquerdo se contrai e contribui com cerca de 15% do enchimento ventricular total. Sua eficiência depende da complacência ventricular, da contratilidade atrial e da sincronização átrio-ventricular.

Determinantes da função diastólica

Diversos fatores interferem na função diastólica, incluindo aspectos estruturais, funcionais e hemodinâmicos. Entre os principais determinantes estão:

  • O gradiente pressórico transmitral;
  • A pressão atrial esquerda no momento da abertura da valva mitral;
  • O relaxamento do ventrículo esquerdo;
  • A complacência ventricular (ou rigidez da câmara ventricular);
  • Condições que afetam a geometria e o comportamento elástico do miocárdio.

Além disso, outros elementos influentes são as pré e pós-cargas, a interdependência ventricular, a pressão intratorácica e a contenção pericárdica. Embora alguns desses parâmetros sejam melhor avaliados por métodos invasivos, a ecocardiografia Doppler fornece, de forma não invasiva, informações valiosas sobre o desempenho diastólico, sendo o principal método empregado na prática clínica.

Métodos ecocardiográficos para avaliação da diástole

Doppler transmitral

O Doppler transmitral é uma das principais ferramentas para avaliar o enchimento diastólico do ventrículo esquerdo.

Por meio da análise da curva de velocidade do fluxo transmitral, obtida com o Doppler pulsátil posicionado na via de entrada do ventrículo, é possível identificar as fases da diástole, como enchimento rápido (onda E) e contração atrial (onda A).

A relação entre essas ondas (E/A), bem como o tempo de desaceleração da onda E e o tempo de relaxamento isovolumétrico (TRIV), permite inferir o padrão de enchimento ventricular.

Padrões anormais, como o de relaxamento alterado, pseudonormal e restritivo, refletem diferentes estágios de comprometimento diastólico e possuem implicações prognósticas relevantes.

Doppler tecidual

O Doppler tecidual complementa a análise transmitral, avaliando diretamente a velocidade de movimento do anel mitral durante a diástole.

As velocidades registradas (e’ e a’) refletem o grau de relaxamento e a contribuição atrial ao enchimento ventricular. A razão E/e’ é amplamente utilizada para estimar de forma não invasiva a pressão diastólica final do ventrículo esquerdo, sendo um dos índices mais utilizados, embora deva ser interpretado em conjunto com outros parâmetros.

Fluxo venoso pulmonar

A análise do fluxo venoso pulmonar fornece informações adicionais sobre a função diastólica e a interação átrio-ventricular.

O traçado Doppler apresenta ondas S (sistólica), D (diastólica) e Ar (reversão atrial). Alterações nesses componentes ajudam a diferenciar padrões de disfunção diastólica e podem confirmar diagnósticos duvidosos, especialmente em casos de padrão pseudonormal, no qual a análise isolada do fluxo transmitral pode mascarar disfunção diastólica.

Volume e tamanho do átrio esquerdo

O volume do átrio esquerdo é considerado um marcador crônico das pressões de enchimento do ventrículo esquerdo. Seu aumento reflete sobrecarga diastólica prolongada e está associado a pior prognóstico em diversas cardiopatias.

A mensuração ecocardiográfica do volume atrial indexado à superfície corporal é, portanto, um parâmetro essencial na avaliação global da função diastólica.

Strain atrial

O strain atrial, obtido por técnicas de speckle tracking, representa uma abordagem mais sensível para análise da função do átrio esquerdo.

Ele avalia a deformação miocárdica durante as fases de reservatório, condução e contração, fornecendo uma visão funcional mais detalhada da performance atrial. A redução do strain atrial está associada ao aumento das pressões de enchimento e à progressão da disfunção diastólica, podendo antecipar alterações estruturais visíveis ao ecocardiograma convencional.

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Classificação dos graus de disfunção diastólica

A classificação da disfunção diastólica do ventrículo esquerdo baseia-se na análise dos padrões de enchimento ventricular obtidos pelo Doppler, refletindo as alterações progressivas no relaxamento miocárdico e na complacência ventricular. Assim, esses padrões variam de uma disfunção leve e reversível até estágios avançados, marcados por elevação significativa das pressões de enchimento e perda da capacidade de adaptação hemodinâmica.

Grau I – Alteração do relaxamento

O primeiro grau caracteriza-se por um retardo no relaxamento ventricular, com prolongamento do tempo de desaceleração e redução da velocidade do fluxo precoce (onda E), acompanhada de um aumento compensatório da contração atrial (onda A). O padrão E/A < 1 indica um enchimento predominantemente dependente da sístole atrial.

Portanto, nessa fase, as pressões de enchimento permanecem normais, sendo o estágio mais brando e frequentemente reversível.

Grau II – Pseudonormalização

No segundo grau, ocorre aumento moderado das pressões de enchimento do ventrículo esquerdo, mascarando o atraso do relaxamento. Assim, o padrão de fluxo transmitral parece “normalizado”, com relação E/A entre 1 e 2. No entanto, outros parâmetros, como o fluxo venoso pulmonar, revelam a presença de disfunção diastólica.

Trata-se de uma fase de transição, em que o relaxamento está prejudicado, mas parcialmente compensado por elevação da pressão atrial esquerda.

Grau III – Restritiva reversível

O padrão restritivo reversível reflete uma redução importante da complacência ventricular e aumento significativo das pressões de enchimento. O enchimento diastólico ocorre de forma precoce e abrupta, com onda E muito elevada e onda A reduzida (E/A > 2), além de encurtamento do tempo de desaceleração.

Quando a sobrecarga pressórica é temporariamente reduzida, o padrão pode regredir para pseudonormal, indicando reversibilidade funcional.

Grau IV – Restritiva irreversível

Por fim, no estágio mais avançado, o padrão restritivo torna-se fixo, sem resposta às manobras que reduzem a pré-carga. Isso indica rigidez miocárdica grave e pressões de enchimento persistentemente elevadas.

O padrão Doppler permanece com E/A > 2 e tempo de desaceleração muito curto, refletindo disfunção diastólica avançada e prognóstico reservado, geralmente associada à disfunção sistólica concomitante e remodelamento cardíaco significativo.

Aplicações práticas em diferentes cenários clínicos

A avaliação ecocardiográfica da função diastólica tem papel essencial na interpretação de diferentes condições cardíacas, permitindo compreender como o relaxamento ventricular e as pressões de enchimento se alteram em distintos contextos clínicos.

Nesse contexto, o uso combinado de parâmetros Doppler transmitral, Doppler tecidual e fluxo venoso pulmonar possibilita identificar precocemente disfunção diastólica, estratificar gravidade e orientar condutas terapêuticas específicas.

Insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (ICFEp)

Na ICFEp, a principal anormalidade é o comprometimento do relaxamento ventricular esquerdo, associado ao aumento das pressões de enchimento, mesmo com fração de ejeção normal. Dessa forma, a ecocardiografia é fundamental para confirmar o diagnóstico, uma vez que o padrão hemodinâmico pode mimetizar o de pacientes com função sistólica reduzida.

A relação E/Ea elevada, o aumento do tamanho do átrio esquerdo e a presença de padrão pseudonormal ou restritivo são achados típicos que refletem sobrecarga diastólica crônica e ajudam a distinguir a ICFEp de outras causas de dispneia.

Cardiopatias valvares

Nas doenças valvares, especialmente na estenose e insuficiência mitral, o padrão de enchimento ventricular sofre modificações secundárias às alterações anatômicas e hemodinâmicas das valvas.

O aumento da pressão atrial esquerda decorrente dessas lesões pode gerar padrões pseudonormais ou restritivos, dificultando a interpretação isolada do Doppler transmitral. Assim, é indispensável integrar os achados bidimensionais e o Doppler tecidual para estimar adequadamente as pressões de enchimento e avaliar a repercussão diastólica da doença valvar.

Hipertensão arterial sistêmica

Na hipertensão arterial sistêmica, o espessamento da parede ventricular e a hipertrofia concêntrica reduzem a complacência do ventrículo esquerdo, levando ao retardo do relaxamento diastólico.

Inicialmente, observa-se o padrão de disfunção diastólica de grau I, com E/A < 1 e tempo de desaceleração prolongado. Com a progressão da sobrecarga pressórica, ocorre elevação das pressões de enchimento e transição para padrões pseudonormal e restritivo, refletindo remodelamento ventricular avançado.

Portanto, a ecocardiografia é fundamental para o monitoramento da rigidez miocárdica e da eficácia do controle pressórico sobre a função diastólica.

Doença coronariana

Na doença arterial coronariana, a isquemia miocárdica compromete o relaxamento ventricular de forma precoce e regional, podendo gerar assincronia diastólica e padrões de enchimento anormais mesmo na ausência de disfunção sistólica.

A análise detalhada do Doppler tecidual permite identificar regiões com relaxamento retardado, auxiliando na detecção precoce de isquemia e na avaliação da viabilidade miocárdica após o evento isquêmico. Em fases avançadas, a perda de complacência e o aumento das pressões de enchimento culminam em padrão restritivo, frequentemente associado a pior prognóstico.

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Limitações e desafios da avaliação diastólica

A avaliação ecocardiográfica da função diastólica, embora amplamente utilizada, apresenta diversas limitações e desafios que devem ser reconhecidos na prática clínica.

A complexidade do processo diastólico, que envolve o relaxamento ativo do miocárdio, a complacência ventricular e as condições de carga, faz com que nenhum parâmetro isolado seja capaz de refletir plenamente a função diastólica.

Além disso, fatores como variações na frequência cardíaca, idade, pressão arterial, ritmo cardíaco e presença de doenças valvares ou pulmonares podem alterar os padrões de enchimento transmitral e mascarar ou simular graus de disfunção.

Ademais, a dependência do operador e a influência das condições hemodinâmicas momentâneas limitam a reprodutibilidade dos achados. Em situações de pseudonormalização, por exemplo, é necessário recorrer a múltiplos métodos complementares para uma interpretação acurada.

Assim, a análise da função diastólica deve sempre ser integrada, criteriosa e contextualizada, considerando tanto os parâmetros ecocardiográficos quanto o quadro clínico e hemodinâmico do paciente.

Avanços recentes e perspectivas futuras

Os avanços recentes na avaliação da função diastólica têm buscado superar as limitações das análises baseadas apenas em dados de repouso, que muitas vezes não detectam alterações em estágios iniciais da doença.

Novas abordagens incluem a avaliação do enchimento ventricular esquerdo durante o exercício, a dosagem do peptídeo natriurético tipo B (BNP) e o uso de técnicas de caracterização tecidual.

O BNP, secretado em resposta ao aumento da pressão intracavitária, tem se mostrado útil como marcador indireto das pressões de enchimento do ventrículo esquerdo, auxiliando no diagnóstico diferencial entre insuficiência cardíaca sistólica e diastólica, embora seus níveis possam variar conforme idade, sexo e condições clínicas.

A ecocardiografia sob estresse surge como método promissor para identificar elevação anormal das pressões de enchimento durante o esforço, complementando o Doppler convencional.

Já as técnicas de imagem de deformação miocárdica e o retroespalhamento integrado permitem avaliar precocemente alterações estruturais e funcionais do miocárdio, inclusive em fases subclínicas de cardiopatias hipertensivas ou metabólicas.

Além disso, técnicas alternativas como a ressonância magnética cardíaca têm se mostrado úteis para avaliar a função diastólica global, especialmente em pacientes com janelas ecocardiográficas limitadas.

No futuro, a integração de dados clínicos, laboratoriais e multimodais de imagem tende a consolidar uma abordagem mais precisa, precoce e personalizada na investigação da disfunção diastólica, com potencial de melhorar o diagnóstico, o prognóstico e o manejo de pacientes com alterações cardíacas.

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Referências

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  • Nagueh XF. et al. Recomendações para a avaliação da função diastólica do ventrículo esquerdo por ecocardiografia e para o diagnóstico de insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada: uma atualização da Sociedade Americana de Ecocardiografia. Revista da Sociedade Americana de Ecocardiografia, Volume 38, Edição 7, 537 – 569. 2025.
  • Silva CES. Appropriate Use of Diastolic Function Guideline When Evaluating Athletes: It is not Always what it Seems to Be. Arq Bras Cardiol. 2020 Jul;115(1):134-138. English, Portuguese. doi: 10.36660/abc.20190689. Epub 2020 Aug 7. PMID: 32813828; PMCID: PMC8384328.

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