A classificação de tumores ovarianos segundo o O-RADS (Ovarian-Adnexal Reporting and Data System) representa um avanço significativo na padronização da avaliação ultrassonográfica das massas anexiais, permitindo estratificar o risco de malignidade de forma objetiva e reprodutível.
Ao categorizar as lesões em níveis de risco bem definidos, o sistema orienta de maneira clara a conduta clínica, desde o simples seguimento até o encaminhamento imediato para centros especializados em oncoginecologia. Além disso, essa padronização não apenas reduz a variabilidade entre examinadores, mas também melhora o prognóstico ao favorecer diagnósticos precoces e decisões terapêuticas mais precisas, especialmente em tumores malignos que demandam intervenção rápida e adequada.
O que é o sistema O-RADS
O O-RADS é um sistema padronizado criado para estimar o risco de malignidade de massas anexiais avaliadas pela ultrassonografia. Desenvolvido pelo ACR, ele organiza os achados ultrassonográficos em categorias que vão desde condições fisiológicas até lesões altamente suspeitas de câncer, oferecendo um guia claro para condutas clínicas.
Assim, ao estratificar o risco de forma uniforme, o O-RADS facilita a comunicação entre especialistas, apoia decisões terapêuticas e melhora a triagem das pacientes que necessitam de acompanhamento, intervenção cirúrgica ou encaminhamento para oncoginecologia.
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Classificação por categorias
O sistema O-RADS organiza as massas anexiais em seis categorias que refletem o risco estimado de malignidade e orientam o manejo clínico.
- O-RADS 0 corresponde aos casos em que a avaliação é insuficiente e necessita de complementação.
- O-RADS 1 inclui achados fisiológicos, como estruturas ovarianas normais em mulheres pré-menopáusicas.
- O-RADS 2 abrange lesões quase certamente benignas, com risco inferior a 1%.
- O-RADS 3 engloba massas com baixo risco de malignidade, variando entre 1% e 10%.
- O-RADS 4 reúne lesões com probabilidade intermediária de malignidade, entre 10% e 50%
- O-RADS 5 identifica massas com risco elevado, acima de 50%.
Achados ultrassonográficos determinantes
Achados fisiológicos
Os achados fisiológicos no ovário correspondem aos folículos e ao corpo lúteo, que apresentam características próprias e previsíveis ao ultrassom.
Os folículos são cistos simples, anecoicos e uniloculares, com paredes internas regulares. Já o corpo lúteo, por outro lado, aparece como um cisto de paredes espessas, com vascularização periférica típica ao Doppler.
Além disso, ambos devem ter até 3 cm para serem considerados fisiológicos e classificados como O-RADS 1, sem necessidade de acompanhamento. Considera-se possibilidade de lesão não fisiológica em medidas superiores a 3 cm.

Lesões benignas clássicas
As lesões benignas clássicas do ovário, como cistos hemorrágicos, dermoides e endometriomas, possuem aparência ultrassonográfica típica e ausência de fluxo interno ao Doppler.
Quando apresentam menos de 10 cm e atendem aos critérios específicos, classifica-se como O-RADS 2, com conduta que varia de nenhum acompanhamento até vigilância anual ou ressonância magnética, dependendo do tamanho e do status menopausal. Entretanto, lesões dessa categoria que ultrapassam 10 cm passam para O-RADS 3, devido ao risco discretamente maior.
Caso haja crescimento, mudança na morfologia ou surgimento de vascularização em controles, recomenda-se reavaliação e encaminhamento para especialista ou RM, sem atribuição imediata de nova categoria O-RADS.
Ademais, classifica-se lesões benignas clássicas extraovarianas, como cistos simples paraovarianos, hidrossalpinges e cistos de inclusão peritoneal, como O-RADS 2, independentemente do tamanho, desde que sejam simples.
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Lesões não benignas clássicas
As lesões não benignas clássicas abrangem um amplo espectro, desde alterações benignas que não se enquadram nos achados fisiológicos nem nas lesões benignas clássicas, até tumores malignos. Organiza-se essas lesões em cinco subcategorias: uma destinada às lesões sólidas ou de aparência sólida e quatro voltadas às lesões císticas, divididas conforme a presença de septos e de componentes sólidos.
Ademais, como a vascularização é um elemento importante para definir o risco em algumas dessas lesões, utiliza-se a pontuação de cores (PC), um sistema numérico de 1 a 4 que quantifica o fluxo sanguíneo detectado ao Doppler, variando desde ausência de fluxo (PC 1) até vascularização intensa (PC 4).
Essa pontuação só influencia a classificação de risco em três situações específicas: lesões sólidas de contorno liso, lesões císticas multiloculares com componente sólido e lesões císticas multiloculares sem componente sólido, mas com paredes internas ou septos lisos.
Lesões sólidas ou com aparência sólida
Lesões sólidas ou com aparência sólida são aquelas cuja ecotextura lembra tecido, como estroma ovariano ou miométrio. A confirmação de vascularização ao Doppler estabelece que o achado é realmente sólido, já a ausência de fluxo não descarta essa possibilidade, desde que outras características sustentem essa impressão e que não haja sinais típicos de lesões benignas clássicas.
Para ser classificada como sólida, a lesão deve apresentar pelo menos 80% de componente sólido, sendo considerada puramente sólida quando atinge 100%. Uma vez confirmada essa natureza, o contorno externo torna-se o principal determinante de malignidade:
- Bordas irregulares têm alto valor preditivo (cerca de 93%) e enquadram automaticamente a lesão como O-RADS 5, exigindo encaminhamento para oncoginecologia.
- Em lesões de contorno liso, a estratificação depende da pontuação de cor (PC): ausência de fluxo indica O-RADS 3, fluxo mínimo a moderado corresponde a O-RADS 4, e fluxo intenso determina O-RADS 5.
Embora o sombreamento acústico seja típico de tumores benignos de estroma, essa característica não integra a pontuação atual do O-RADS, mas pode direcionar o uso de ressonância magnética para melhor caracterização e eventual recategorização para benignidade.
Lesões císticas
Lesões císticas são aquelas formadas total ou majoritariamente por líquido. A primeira etapa da avaliação é verificar se existe septo completo: quando presente, a lesão classifica-se como multilocular; quando ausente, é considerada unilocular.
Em seguida, deve-se identificar se há componente sólido aderido à parede ou a algum septo, lembrando que estruturas excluídas da definição de sólido não devem ser contabilizadas.
A estratificação de risco dessas lesões pode variar amplamente, indo de O-RADS 2 a O-RADS 5. De modo geral, lesões císticas sem componente sólido nunca atingem a categoria de maior risco (O-RADS 5). Já a presença de um componente sólido aumenta significativamente a probabilidade de malignidade, posicionando a lesão nas categorias O-RADS 4 ou 5, conforme o grau de vascularização e outras características.
Cisto unilocular sem componente sólido
Avalia-se inicialmente um cisto unilocular sem componente sólido pela aparência da sua parede interna. Quando essa parede é lisa, analisa-se o conteúdo do cisto:
- Se for totalmente anecoico, classifica-se como cisto simples;
- Caso apresente ecos internos ou septações incompletas, considera-se um cisto unilocular não simples.
Na classificação O-RADS, tanto os cistos simples quanto os não simples com menos de 10 cm recebem categoria 2, e sua conduta depende do tamanho e do estado menopausal da paciente. Quando o cisto atinge 10 cm ou mais, classifica-se como O-RADS 3.
Ademais, se a parede interna apresentar irregularidades menores que 3 mm projetadas para dentro da cavidade cística, qualquer cisto unilocular sem componente sólido é automaticamente classificado como O-RADS 3, independentemente de seu conteúdo ou do status menopausal.
Cisto multilocular sem componente sólido
Nas lesões císticas multiloculares sem componente sólido, a avaliação inicial deve considerar a regularidade da parede interna e dos septos.
Quando qualquer um deles apresenta irregularidades, a lesão classifica-se como O-RADS 4. Caso ambos sejam lisos, avalia-se o Doppler pela classificação CS:
- Fluxo muito intenso também indica O-RADS 4
- Fluxos menos vigorosos levam à análise do tamanho do cisto.
Assim, o diâmetro torna-se decisivo:
- Lesões menores que 10 cm são categorizadas como O-RADS 3;
- Lesões com 10 cm ou mais passam a ser O-RADS 4.
Cisto unilocular com componentes sólidos
Nos cistos uniloculares que apresentam componente sólido, a classificação entre O-RADS 4 e O-RADS 5 depende principalmente do número de projeções papilares, estruturas sólidas que estendem-se para dentro do cisto com pelo menos 3 mm e são totalmente banhadas por líquido em três lados.
Lesões que exibem até três projeções papilares, ou um componente sólido que não se enquadra como projeção papilar, classificam-se como O-RADS 4. Já quando há quatro ou mais projeções papilares, o risco de malignidade aumenta, elevando a classificação para O-RADS 5.
Cisto multilocular com componentes sólidos
Nos cistos multiloculares que apresentam componente sólido, a classificação entre O-RADS 4 e O-RADS 5 depende exclusivamente da avaliação do fluxo ao Doppler.
Quando o fluxo é ausente ou muito discreto, a lesão enquadra-se como O-RADS 4. Já quando o Doppler mostra vascularização moderada ou intensa, o risco de malignidade aumenta, e o cisto classifica-se como O-RADS 5.
Condutas recomendadas por categoria
O-RADS 0: avaliação incompleta
Quando o exame não permite conclusão, a orientação é repetir a ultrassonografia ou recorrer a outro método de imagem para complementar a avaliação.
O-RADS 1: achados normais
Lesões fisiológicas do ovário não exigem qualquer acompanhamento na pré-menopausa e não são esperadas em mulheres pós-menopausa, portanto não há condutas específicas.
O-RADS 2: lesões quase certamente benignas
A maioria não requer intervenção:
- Cistos pequenos geralmente não precisam de seguimento.
- Cistos maiores podem necessitar controle ultrassonográfico, com intervalos de 8 a 12 semanas em mulheres na pré-menopausa ou acompanhamento anual após a menopausa.
Ademais, se houver qualquer sinal atípico, recomenda-se avaliação por especialista ou ressonância magnética.
O-RADS 3: baixo risco de malignidade
Em lesões que apresentam alguma complexidade estrutural, recomenda-se avaliação por especialista em ultrassom ou submetidas à ressonância magnética. Além disso, o manejo clínico costuma ser feito pelo ginecologista, podendo incluir acompanhamento ou planejamento cirúrgico eletivo.
O-RADS 4: risco intermediário
Achados com maior suspeição justificam investigação mais aprofundada. Assim, indica-se encaminhar a paciente ao especialista em imagem, com condução do caso por ginecologista com suporte de oncoginecologista, devido à probabilidade moderada de malignidade.
O-RADS 5: alto risco de câncer
Lesões com forte suspeição de malignidade exigem encaminhamento direto e prioritário para oncoginecologista, que conduzirá o estadiamento e definirá a abordagem cirúrgica e terapêutica.
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Referências
- Febrasgo. Tumores ovarianos na adolescência. 2021.
- Strachowski LM et al. O-RADS para Ultrassonografia: Um Guia do Usuário, da Série Especial da AJR sobre Sistemas de Relatórios e Dados Radiológicos. AJR, 2020.
- Vara J et al. O-RADS Classification for Ultrasound Assessment of Adnexal Masses: Agreement between IOTA Lexicon and ADNEX Model for Assigning Risk Group. Diagnostics (Basel). 2023.






