Rastreio de aneuploidias fetais na gestação

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As aneuploidias correspondem à alteração genética mais frequentemente identificada através do diagnóstico pré-natal e caracteriza-se por uma quantidade anormal de cromossomos. Apesar de apresentarem baixa prevalência na população, oferecem impacto na morbimortalidade perinatal.

Essas condições são mais frequentemente detectadas no primeiro e segundo trimestres de gestação perinatal em comparação com recém-nascidos vivos, visto que há um risco maior de perda espontânea de fetos com aneuploidia ao longo da gravidez, além da interrupção de algumas gestações afetadas. 

Importância do rastreio das aneuploidias

Considerando o impacto das aneuploidias na morbimortalidade perinatal, o rastreio pré-natal de aneuploidias fetais, assim como o diagnóstico dessas condições, desempenha um papel fundamental no acompanhamento da gestação e, além disso, contribui para a garantia de uma melhor qualidade da vigilância pré-natal. Dessa forma, todas as gestantes devem ter acesso a um programa de triagem para aneuploidia fetal. 

Métodos de rastreio das aneuploidias 

A partir do rastreio pré-natal de aneuploidias fetais, divide-se as gestações em dois grandes grupos:

  • Gestantes de baixo risco, cujo resultado do teste de rastreio pré-natal é negativo, ou seja, abaixo de um limite previamente definido; 
  • Gestantes de alto risco, cujo resultado do teste indica uma probabilidade elevada de aneuploidia, superando o ponto de corte estabelecido. 

Diante disso, as gestantes com rastreio positivo, ou seja, as de alto risco, devem ser encaminhadas para uma consulta de diagnóstico pré-natal onde serão informadas sobre as opções disponíveis, como técnicas invasivas para confirmação diagnóstica. 

Gestantes com resultado negativo no rastreio, ou seja, as de baixo risco, não devem ser submetidas a outros testes de detecção de aneuploidias.

Por fim, os métodos de rastreio pré-natal incluídos no programa de rastreio nacional baseiam-se em sinais observados por ultrassonografia e em alterações dos níveis dos marcadores séricos maternos. No próximo bloco, veremos os principais métodos de rastreio das aneuploidias.

Rastreio combinado do primeiro trimestre

Realiza-se o rastreio do primeiro trimestre entre 11 semanas e 13 semanas e 5 dias, este inclui a avaliação da translucência nucal e de outros marcadores na ultrassonografia morfológica do primeiro trimestre, como ausência do osso do nariz. Além disso, avalia-se também a gonadotrofina coriônica humana (B-hCG) total ou livre no sangue materno juntamente com a proteína plasmática A associada à gravidez sérica (PAPP-A).

Rastreio bioquímico do segundo trimestre

Realiza-se o rastreio bioquímico do segundo trimestre entre 15 semanas e 0 dias e 22 semanas e 6 dias de gestação, sendo o período mais adequado entre 16 e 18 semanas. Neste rastreio, avalia-se os níveis séricos de hCG, que podem estar aumentados em gestantes com fetos afetados pela trissomia 21, por exemplo. Além disso, alfa fetoproteína e estriol não conjugado podem estar diminuídos, enquanto que a inibina A pode estar elevada.

Rastreio integrado

O rastreio integrado representa uma combinação de métodos diferentes e análises realizadas em momentos diferentes da gestação. Ou seja, inclui o risco observado no teste combinado do primeiro trimestre e o risco obtido no rastreio bioquímico do segundo trimestre.

Rastreio através do teste de DNA livre de células no sangue materno

Utiliza-se o sequenciamento de DNA livre de células (cfDNA) no sangue materno na triagem pré-natal para trissomia 21, trissomia 18, trissomia 13 e aneuploidias relacionadas a cromossomos sexuais. 

Tal rastreio é viável porque o cfDNA originado da unidade feto-placentária pode ser detectado no sangue materno a partir da quinta semana de gestação e é completamente eliminado do organismo da mãe logo após o parto. Dessa forma, o cfDNA de gestações prévias não interfere nos resultados do teste em gestações posteriores.

Suas principais vantagens consistem em taxas de detecção de aneuploidias maiores e redução nos resultados falso-positivos, resultando em menos procedimentos invasivos desnecessários para testes genéticos diagnósticos.

Interpretação do rastreio com cfDNA 

Em caso de resultado positivo, deve-se orientar a realização de procedimento invasivo, como amostra de vilos coriônicos ou amniocentese). 

Por outro lado, em caso de testes negativos na triagem, não deve haver orientação para realização de testes diagnósticos invasivos, visto que, dada a alta sensibilidade e especificidade do cfDNA, tais pacientes apresentam-se com baixo risco de ter um feto afetado por aneuploidias. Porém, se forem observadas anormalidades estruturais na ultrassonografia, testes  diagnósticos com microarray de cromossomos devem ser oferecidos.

Em alguns casos, porém, há ausência de resultado, visto que, para obter resultado confiável, o plasma materno deve conter uma quantidade adequada de cfDNA fetal e vários fatores podem reduzir essa fração, como:

  • Triagem antes de 9 a 10 semanas;
  • Coleta ou processamento inadequado da amostra;
  • Obesidade;
  • Certos tipos de aneuploidia fetal (como trissomia 18 e triploidia);
  • Uso materno de heparina de baixo peso molecular;
  • Fertilização in vitro (FIV);
  • Gestação múltipla.

Nesses casos, opta-se por realizar novos testes, um procedimento invasivo ou triagem padrão com marcadores séricos ou ultrassonografia.

Diagnóstico definitivo das aneuploidias fetais

Para o diagnóstico definitivo, utiliza-se testes genéticos diagnósticos, através de amostras das vilosidades coriônicas ou amniocenteses, sendo necessário obter amostras de sangue ou tecido fetal em algumas condições. 

Achados ultrassonográficos relacionados à aneuploidias fetais

Alguns achados ultrassonográficos associam-se a maior risco de aneuploidia fetal e, dessa forma, a ultrassonografia deve ser considerada na avaliação do risco de alterações genéticas fetais. Portanto, realiza-se o exame ultrassonográfico no primeiro trimestre e no segundo trimestre com o objetivo de identificar gestantes com alta probabilidade de aneuploidia.

Primeiro trimestre

Realiza-se a triagem com ultrassom morfológico entre 11 semanas e 0 dias e 13 semanas e 6 dias. Entre os achados do exame que associam-se a aneuploidias estão:

  • Translucência nucal (TN) maior ou igual a 3 ou 3,5 mm;
  • Higroma cístico;
  • Sacos linfáticos jugulares;
  • Osso nasal ausente;
  • Megabexiga;
  • Atraso no crescimento;
  • Anomalias estruturais.

Translucência nucal

A translucência nucal corresponde ao espaço livre na parte posterior do pescoço fetal, entre a coluna e a borda da pele, sendo medida no plano sagital médio fetal e podendo representar maior risco de alterações genéticas fetais quando aumentada. 

Translucência nucal normal. Fonte: Uptodate, 2024.
Translucência nucal aumentada, medindo 3,8 mm. Fonte: Uptodate, 2024.

Higroma cístico

O higroma cístico, por sua vez, refere-se a uma acumulação de líquido, que pode ser única ou dividida em várias cavidades, geralmente localizada ao longo do pescoço e da parte posterior do feto. Além disso, pode representar desenvolvimento anormal do sistema linfático, com uma comunicação tardia entre o sistema linfático e o sistema vascular.

Higroma cístico septado em vista axial através da cabeça do feto. Fonte: Uptodate, 2024.

Osso nasal ausente

Normalmente, o osso nasal é visto através do plano sagital mediano como uma linha mais ecogênica do que a pele subjacente. A ausência do osso nasal em ultrassonografia do primeiro trimestre pode indicar aneuploidias, como trissomia 13, trissomia 18 e trissomia 21. 

A: Osso nasal presente. B: Osso nasal ausente. Fonte: Uptodate, 2024.

Outros achados

A megabexiga, por sua vez, pode indicar alterações cromossômicas, síndromes genéticas ou anomalias do trato urinário. Da mesma forma, a restrição de crescimento intrauterino no primeiro trimestre também associa-se à aneuploidia.

Segundo trimestre

Alguns marcadores ultrassonográficos do segundo trimestre refletem uma variação da normalidade e podem significar risco aumentado de aneuploidias. Entre eles:

  • Osso nasal ausente ou hipoplásico;
  • Prega nucal espessada;
  • Intestino hiperecoico;
  • Dilatação do trato urinário;
  • Ossos longos encurtados;
  • Foco intracardíaco ecogênico;
  • Cistos do plexo coróide;
  • Artéria umbilical única.

No contexto de alguns marcadores alterados, sugere-se a realização de aconselhamento genético devido à maior probabilidade de aneuploidia. Todavia, o uso de marcadores isolados para triagem ou exclusão de aneuploidia não deve ser recomendado. 

Aneuploidias mais comuns na gestação

As aneuploidias mais comuns detectadas durante a gestação são: Síndrome de Down (trissomia do cromossomo 21), Síndrome de Edwards (trissomia do cromossomo 18) e Síndrome de Patau (trissomia do cromossomo 13). Além destas, as que envolvem os cromossomos sexuais também são exemplos de aneuploidias detectadas durante o pré-natal. 

Síndrome de Down

A Síndrome de Down, ou trissomia do cromossomo 21, apresenta incidência de 1 caso a cada 800 nascidos vivos. Entre algumas das alterações identificadas em ultrassonografia em um terço dos fetos com Síndrome de Down estão:

  • Higroma cístico;
  • Braquicefalia;
  • Defeitos do coxim endocárdico e do septo ventricular;
  • Atresia duodenal;
  • Hidropsia fetal;
  • Ventriculomegalia leve.

Síndrome de Edwards

A Síndrome de Edward, ou trissomia do 18, apresenta incidência de 1 caso a cada 6000 nascimentos, sendo a segunda trissomia autossômica mais comum identificada no segundo trimestre.

As alterações ultrassonográficas presentes nessa condição incluem:

  • Espessamento da prega nucal ou higroma cístico;
  • Anomalias faciais, como fendas, micrognatia, microftalmia e orelhas de implantação baixa;
  • Defeitos ventriculosseptais e valvares;
  • Onfalocele e hérnia diafragmática;
  • Rim em ferradura e hidronefrose;
  • Cistos do plexo coróide;
  • Defeitos do tubo neural, anomalias cerebelares e ventriculomegalia;
  • Artéria umbilical única e cistos do cordão umbilical;
  • Restrição do crescimento fetal.

Síndrome de Patau

A Síndrome de Patau, ou trissomia do 13, apresenta incidência de 1 caso a cada 12500 nascidos vivos. Além disso, associa-se a anormalidades estruturais mais graves que a trissomia 21 e a trissomia 18.

Diversas malformações estruturais podem ser identificadas na Síndrome de Patau, entre elas:

  • Anormalidades faciais, como ciclopia, anoftalmia, fendas faciais da linha média e nariz hipoplásico;
  • Defeitos ventriculosseptais;
  • Onfalocele e hérnia diafragmática;
  • Alterações renais, como rins policísticos e rins em ferradura;
  • Defeitos do tubo neural, agenesia do corpo caloso e ventriculomegalia;
  • Polidactilia pós-axial, pés com sola de balanço e pés tortos.

Síndrome de Turner

Síndrome de Turner, ou monossomia X (45,X) apresenta incidência de 1 em cada 2000 nascidas vivas. Alguns dos achados do ultrassom incluem:

  • Espessamento da prega nucal;
  • Higroma cístico;
  • Coarctação da aorta, defeitos ventriculosseptais e tetralogia de Fallot;
  • Hidropsia fetal;
  • Fêmur curto.

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Referências

  1. BROMLE, B. Sonographic findings associated with fetal aneuploidy. Uptodate, 2024.
  2. MARQUES, M.J.A.M. Marcadores ecográficos do segundo trimestre e rastreio de aneuploidia fetal. Universidade de Coimbra, 2018. Disponível em: https://estudogeral.uc.pt/handle/10316/82413. Acesso em: 26 set 2024.
  3. PALOMAKI, G.E. et al. Prenatal screening for common fetal aneuploidies: Cell-free DNA test. Uptodate, 2024.

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