Queixas e doenças gastrointestinais comuns na infância e adolescência

Pediatra realizando exame físico abdominal em criança.

Índice

Introdução

Este conteúdo aborda as principais queixas e doenças gastrointestinais na infância e adolescência, incluindo quadros agudos e crônicos, em ambientes ambulatoriais e de emergência. Para cada condição, são descritos o diagnóstico diferencial, exames complementares indicados, condutas de manejo (ambulatorial e/ou emergência) e sinais de alarme que indicam necessidade de investigação ou encaminhamento. A linguagem é orientada a pediatras clínicos e residentes, focando em aspectos práticos e objetivos.

1. Constipação Intestinal Funcional

A constipação funcional é a forma mais comum de constipação em crianças, caracterizada por evacuações dolorosas e infrequentes, com fezes endurecidas. Está associada a fatores comportamentais, como retenção voluntária após evacuação dolorosa. É mais comum em pré-escolares, mas pode afetar lactentes e escolares.

Diagnóstico diferencial

Exclua causas orgânicas, como a Doença de Hirschsprung, hipotireoidismo, alergia à proteína do leite de vaca (APLV) e malformações anorretais. Outras condições incluem doença celíaca e fibrose cística.

Exames complementares

O diagnóstico de constipação funcional é clínico na maioria dos casos. História e exame físico cuidadosos são suficientes para confirmar o quadro e afastar causas orgânicas. Não se recomenda toque retal ou exames de imagem de rotina para constipação funcional sem alarmes. Exames são indicados apenas se houver suspeita de patologia de base ou sinais de alarme: radiografia abdominal (pode mostrar fecaloma, mas tem utilidade limitada), ultrassom abdominal (pouco informativo na constipação), dosagem de TSH/T4, anticorpos antitransglutaminase (avaliar doença celíaca) ou cálcio sérico conforme a suspeita. Na suspeita de Hirschsprung, avaliar história de mecônio e considerar enema contrastado e biópsia retal para confirmação.

Conduta

A abordagem envolve medidas comportamentais, dietéticas e farmacológicas em duas fases: desimpactação e manutenção.

  • Desimpactação: Caso haja fecaloma, o tratamento inicial é o uso de polietilenoglicol (PEG) oral ou enemas diários.
  • Manutenção: Após desimpactação, a terapia inclui laxativos em doses regulares, como PEG ou lactulose, por pelo menos 2 meses, reduzindo gradualmente.
  • Medidas não farmacológicas: Orientar os pais sobre treinamento evacuatório e garantir uma dieta balanceada com fibras e líquidos. A prática regular de atividades físicas também é recomendada.
  • Outras Medidas: Reforçar positivamente a criança por evacuação e evitar punições. Em casos refratários, a terapia comportamental pode ser útil.

Sinais de alarme

Observe sinais como sangue nas fezes, febre, vômitos persistentes ou distensão abdominal, que podem indicar complicações ou causas orgânicas. Também fique atento ao déficit de crescimento ou alterações neurológicas.

2. Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE)

A DRGE é o refluxo de conteúdo gástrico para o esôfago, causando sintomas como regurgitação ou vômito, e pode afetar a saúde com esofagite e desconforto. É comum em lactentes e, em crianças maiores, pode ser crônica como nos adultos.

Diagnóstico diferencial

Diferenciar refluxo fisiológico de DRGE é o principal desafio. Considerar alergia alimentar, estenose hipertrófica de piloro, malformações anatômicas, e outros problemas como síndrome de Sandifer ou gastroparesia.

Exames complementares

O diagnóstico é clínico. Em casos duvidosos, pode-se usar pHmetria esofágica, impedanciometria ou endoscopia.

Conduta ambulatorial

Lactentes com refluxo fisiológico: Orientações posturais, manter aleitamento materno e evitar medicamentos.

Lactentes com sintomas graves: Medicações como inibidores da bomba de prótons (IBP) ou bloqueadores H2 podem ser usados.

Crianças maiores e adolescentes: Modificar dieta e postura, e usar IBPs se necessário.

Conduta na emergência

O tratamento é de suporte, focando na hidratação e avaliação de complicações como desidratação ou aspiração. Casos graves podem necessitar de internação.

Sinais de alarme

Identificar sinais de complicações, como vômitos biliosos, hematêmese, dificuldade respiratória, perda de peso, e início tardio dos sintomas. Investigar causas graves como obstrução intestinal ou hipertensão intracraniana.

3. Diarreia Aguda (Gastroenterite Aguda)

A diarreia aguda é caracterizada por evacuações líquidas ou pastosas, geralmente com aumento do número de evacuações (≥3/dia), e pode durar até 14 dias. As causas infecciosas, como vírus, bactérias e parasitas, são as mais comuns, sendo uma importante causa de desidratação em crianças menores de 5 anos.

Diagnóstico diferencial

  • Gastroenterite viral: Causada por rotavírus, norovírus, entre outros. Sintomas incluem vômitos, febre baixa e diarreia aquosa por 5-7 dias.
  • Gastroenterite bacteriana: Com muco e sangue nas fezes (dizenteria), febre alta e dor abdominal. Principais agentes: Campylobacter, Shigella, Salmonella, E. coli.
  • Infecção parasitária: Diarreia prolongada (>7-10 dias), como a causada por Giardia lamblia, com fezes fétidas e dor abdominal.
  • Causas extraintestinais: Como infecções sistêmicas (otite, pneumonia) podem apresentar diarreia como sintoma.

Exames complementares

  • Avaliação de desidratação: Essencial no exame físico; pode incluir exames como ionograma e gasometria.
  • Coprocultura e exame parasitológico de fezes: Para diarreias invasivas ou prolongadas.
  • Hemograma e PCR: Útil para diarreias bacterianas invasivas.

Conduta ambulatorial

  • Reposição volêmica: A recomendação é Terapia de Reidratação Oral (TRO) com solução de reidratação oral (SRO) para casos leves a moderados.
  • Plano de reidratação: Para casos de desidratação moderada a grave, usar reidratação intravenosa (IV).
  • Alimentação: Manter alimentação habitual, sem jejum prolongado. Aleitamento materno deve ser mantido.
  • Zinco: Suplementação de zinco por 10-14 dias para reduzir a duração da diarreia.
  • Probióticos: Podem ser considerados para reduzir a duração da diarreia viral.

Medicamentos

  • Antitérmicos: Para febre e dor.
  • Antieméticos: Ondansetrona para vômitos, se necessário.
  • Antidiarreicos: Não usar em crianças, pois podem agravar o quadro.
  • Antibióticos: Apenas em casos específicos, como disenteria bacteriana ou suspeita de cólera.

Conduta na emergência

  • Hidratação IV: Para desidratação grave, usar solução cristalóide. Monitorar diurese e sinais vitais.
  • Investigar complicações: Verificar sinais de sepse, distúrbios eletrolíticos, e complicações como íleo paralítico.

Sinais de alarme

  • Desidratação grave: Letargia, olhos fundos, dificuldade para beber.
  • Vômitos persistentes: Dificuldade para ingerir líquidos por 4-6 horas.
  • Sangue nas fezes: Pode indicar disenteria grave, requerendo avaliação médica urgente.
  • Febre alta prolongada: Sinal de infecção bacteriana, possível necessidade de antibióticos.
  • Convulsões ou dor abdominal intensa: Podem indicar complicações graves como apendicite ou sepse.

4. Dor Abdominal Recorrente (DAR)

A dor abdominal recorrente é comum em crianças e adolescentes, definida como pelo menos três episódios de dor intensa que interferem nas atividades habituais. Mais de 90% dos casos não apresentam causa orgânica, sendo considerados distúrbios funcionais gastrointestinais, como síndrome do intestino irritável (SII) e dispepsia funcional.

Diagnóstico diferencial

  • Constipação intestinal: Causa comum de dor abdominal crônica, geralmente periumbilical, aliviada após evacuação.
  • Síndrome do Intestino Irritável (SII): Dor abdominal com alteração no hábito intestinal, frequentemente associada a estresse.
  • Intolerância à lactose: Causa cólica e distensão após ingestão de leite.
  • Enxaqueca abdominal: Dor intensa e episódica, geralmente periumbilical, com histórico familiar de enxaqueca.
  • Doença Inflamatória Intestinal (DII): Dor associada a perda de peso, diarreia sanguinolenta (Crohn ou Retocolite).
  • Doença Celíaca: Pode causar dor abdominal, distensão e alteração no hábito intestinal, geralmente com baixa estatura ou anemia.

Exames complementares

  • Hemograma, PCR e VHS: Para avaliar anemia, infecção ou inflamação.
  • Exame de urina: Para excluir infecção urinária ou litíase renal.
  • Ultrassom abdominal: Para investigar massas, cálculos renais ou outras anomalias.
  • Sorologia celíaca: Para diagnosticar doença celíaca.

Conduta

  • Sem causa orgânica identificada: Reassegurar a família sobre a dor funcional e tratar com psicoterapia, relaxamento e evitar atenção excessiva à dor.
  • Dieta: Identificar desencadeantes alimentares e ajustar a alimentação, como aumentar fibras ou evitar alimentos ricos em frutose.
  • Medicamentos: Antiespasmódicos (hioscina, trimebutina) e probióticos podem ser úteis. Em casos de migrânea abdominal, pode-se considerar medicação profilática.

Sinais de alarme (“Red Flags”):

  • Dor localizada constante: Pode indicar condições como úlcera péptica, pancreatite ou cálculo renal.
  • Dor que desperta do sono: Sugerindo condições como úlcera péptica ou epilepsia abdominal.
  • Manifestações sistêmicas: Perda de peso, febre ou sangramento nas fezes indicam doença orgânica.
  • Alterações no exame físico: Como emagrecimento, linfonodos aumentados ou massas abdominais, exigem investigação adicional.

5. Alergia Alimentar Não-IgE Mediadas (Enterocolite/Proctocolite Alérgica – APLV)

A Alergia Alimentar Não-IgE Mediadas, incluindo APLV, são reações gastrointestinais que não envolvem IgE e têm início tardio. As formas mais comuns são:

  • FPIES (Enterocolite Induzida por Proteína Alimentar): Reação aguda em lactentes com vômitos intensos 1-3 horas após ingestão do alimento, podendo levar a choque hipovolêmico. Alimentos comuns: leite de vaca e soja.
  • FPIAP (Proctocolite Alérgica): Forma mais branda, com muco e sangue nas fezes, geralmente sem comprometimento geral.
  • Enteropatia por Proteína Alimentar: Forma crônica com diarreia persistente e falha no crescimento.

Essas reações são diferentes das alergias mediadas por IgE, que geralmente envolvem sintomas imediatos como urticária e anafilaxia.

Diagnóstico diferencial

  • FPIES: Diferenciar de sepse, síndrome de Reye e obstrução intestinal.
  • FPIAP: Diferenciar de fissura anal e causas infecciosas como Shigella.
  • Enteropatia alérgica crônica: Avaliar doenças como doença celíaca, giardíase, ou síndrome pós-gastroenterite.

Exames complementares

O diagnóstico é clínico e baseado em dieta de exclusão e desafios. Exames incluem:

  • Hemograma: Pode mostrar neutrofilia e trombocitose em FPIES.
  • Exames de função hepática, IgE e coprocultura: Para descartar outras causas.

Conduta ambulatorial

  • Dieta de exclusão: Retirar o alérgeno da dieta, como leite de vaca e derivados, ou soja.
  • Tratamento de FPIES: Em crises agudas, realizar hidratação IV e suporte hemodinâmico. A epinefrina não é eficaz.
  • Monitoramento: Para garantir crescimento adequado e avaliar tolerância a alimentos ao longo do tempo.

Sinais de alarme

  • Choque ou letargia: Após ingestão do alimento, pode indicar FPIES grave.
  • Falha de crescimento: Se não houver melhora com dieta de exclusão, reconsiderar diagnóstico.
  • Sangue persistente nas fezes: Pode sugerir outras causas como doenças inflamatórias.

6. Invaginação Intestinal (Intussuscepção)

A invaginação intestinal é uma emergência pediátrica comum em bebês de 6 a 36 meses, caracterizada pelo deslizamento de um segmento do intestino sobre o adjacente, causando obstrução. A forma mais comum é ileocólica, geralmente idiopática.

Diagnóstico diferencial

  • Gastroenterite aguda: Diferente pela dor paroxística, sonolência entre as crises e fezes com sangue (“geléia de morango”).
  • Apendicite: Rara em <3 anos e com dor progressiva.
  • Volvulus: Vômitos biliosos precoces e distensão rápida.
  • Hérnia encarcerada: Abaulamento irreponível na região inguinal.
  • Purpura de Henoch-Schönlein (PHS): Dor abdominal com sangue nas fezes, associada a púrpura palpável.

Clínica e exame

Lactentes saudáveis de 5-12 meses com dor abdominal cólica, irritabilidade, vômitos e, eventualmente, fezes com sangue (típicas de “geléia de morango”). Pode-se palpar uma massa abdominal em “salsicha”. Se a criança ficar letárgica sem choro vigoroso, o diagnóstico pode ser tardio.

Exames complementares

  • Ultrassonografia abdominal: É o exame de escolha, com alta sensibilidade, mostrando o sinal do “alvo”.
  • Enema contrastado: Pode ser diagnóstico e terapêutico.
  • Radiografia simples: Pode mostrar sinais de obstrução, mas não exclui a condição.

Leia também: Intussuscepção em criança: sinais ultrassonográficos e condutas clínicas atualizadas

Tratamento

  • Redução não cirúrgica: A primeira linha é o enema (hidrostático ou pneumático), com alta taxa de sucesso (75-95%).
  • Cirurgia: Se o enema falhar, houver sinais de peritonite, ou a criança estiver em estado tóxico ou com evolução >24h, a laparotomia é necessária.

Prognóstico

Se tratada precocemente, a recuperação é excelente, com baixa mortalidade. Recorrências ocorrem em cerca de 10% dos casos, exigindo nova intervenção.

Sinais de alarme

  • Letargia intensa: Suspeita grave, principalmente sem sangue nas fezes.
  • Fezes com sangue: Diagnóstico quase definitivo de invaginação.
  • Vômitos biliosos: Indica obstrução intestinal alta, sugerindo progressão.
  • Peritonite e choque: Emergência que requer cirurgia imediata.

7. Apendicite aguda

A apendicite é a inflamação do apêndice cecal e a principal causa de abdome agudo cirúrgico em crianças maiores. É rara em crianças <5 anos, mas pode evoluir rapidamente para perfuração.

Diagnóstico diferencial

  • Adenite mesentérica: Simula apendicite com dor em FID, mas a dor é menos intensa e o exame abdominal é mais suave. Ultrassom pode mostrar linfonodos aumentados.
  • Gastroenterite viral: Dor abdominal seguida de vômitos e diarreia, enquanto na apendicite, a dor precede os vômitos e diarreia é mínima.
  • Invaginação intestinal: Mais comum em crianças <3 anos, apresenta dor paroxística e fezes com sangue.
  • Torção de ovário/testículo: Em adolescentes, pode simular apendicite, necessitando de ultrassom pélvico.
  • Divertículo de Meckel inflamado: Pode imitar apendicite, especialmente em crianças pequenas com sangramento gastrointestinal.
  • Infecção urinária: Causa dor em FID, mas é diferenciada pela urina com piúria.

Quadro clínico

A dor geralmente começa como difusa (periumbilical) e se localiza na FID após algumas horas, acompanhada de anorexia, náuseas, vômitos (1-2 episódios) e febre baixa (37,5-38,5°C). Nos <5 anos, a apresentação pode ser atípica, com febre alta e dor difusa.

Exames complementares

  • Laboratório: Leucocitose com neutrofilia e PCR elevada indicam apendicite.
  • Ultrassonografia abdominal: Exame de escolha, mostrando apêndice dilatado (>6mm), não compressível, com líquido livre em caso de perfuração.
  • Tomografia: Usada em casos duvidosos, mas com risco de radiação.
  • Laparoscopia diagnóstica: Útil em casos de dúvida, especialmente em meninas.

Tratamento

  • Apendicectomia: A cirurgia é o tratamento definitivo, preferencialmente precoce. Pode ser laparoscópica ou aberta.
  • Pré-operatório: Hidratação IV, antibióticos profiláticos (ex. ceftriaxone + metronidazol).
  • Abscesso apendicular: Caso de abscesso, pode-se tratar com antibióticos e drenagem, adiando a apendicectomia por 6-8 semanas.

Prognóstico

Com diagnóstico precoce, a recuperação é ótima. Se houver perfuração, a recuperação pode ser mais demorada e requer antibióticos prolongados.

Sinais de alarme

  • Dor localizada e progressiva em FID: Clássico de irritação peritoneal, exigindo avaliação cirúrgica imediata.
  • Peritonite: Rigidez abdominal difusa, febre alta e toxemia indicam perfuração, necessitando de cirurgia urgente.
  • Massa em FID e febre: Pode indicar abscesso apendicular, necessitando de imagem para confirmar.
  • Sepse e distensão abdominal: Sinais de complicações graves como peritonite ou obstrução por abscesso.

8. Estenose Hipertrófica do Piloro (EHP)

A EHP é a obstrução gástrica causada pela hipertrofia do músculo pilórico, comum em meninos, tipicamente entre 3-6 semanas de vida.

Diagnóstico diferencial

  • Refluxo gastroesofágico (RGE): Vômitos menos vigorosos, sem perda de peso significativa.
  • Alergia à proteína do leite de vaca (APLV): Vômitos pós-mamada, sem massa pilórica palpável.
  • Estenose hipertrófica secundária: Rara, associada ao uso de macrolídeos como eritromicina.
  • Obstruções intestinais altas: Atresia duodenal, mal-rotação intestinal e outras causas.

Clínica e exame

A criança apresenta vômitos em jato, não biliosos, logo após a mamada, e continua com fome após vomitar. Pode ocorrer perda de peso, desidratação e uma massa abdominal em “oliva” palpável no epigástrio direito. O bebê geralmente permanece faminto entre os episódios.

Exames complementares

  • Ultrassonografia abdominal: Exame de escolha, mostrando piloro espessado (>3-4 mm) e canal pilórico alargado (>15-17 mm).
  • Seriografia (RX contrastado): Usado quando o ultrassom não é conclusivo, mostrando sinal do “cordão” ou “raio de trem”.
  • Gasometria e eletrólitos: Pode mostrar alcalose metabólica hipoclorêmica com hipocalemia, devido à perda de HCl nos vômitos.

Tratamento

  • Hidratação e estabilização: Reposição hídrica e correção de eletrólitos antes da cirurgia.
  • Pilorotomia (Piloromiotomia de Ramstedt): A cirurgia padrão, que consiste em cortar o músculo pilórico hipertrofiado, pode ser feita por laparoscopia ou aberta.
  • Pós-operatório: Alimentação gradual após 6-12 horas e alta em 2 dias, se sem complicações.

Alternativa não-cirúrgica: Em casos raros, atropina pode ser usada para reduzir o hiperperistaltismo, mas a pilorotomia é a abordagem preferencial.

Prognóstico

A recuperação após pilorotomia é excelente, com complicações raras. A recidiva é muito incomum.

Sinais de alarme

  • Desidratação grave: Bebê letárgico, com menos fraldas molhadas, fontanela afundada.
  • Perda de peso >10%: Indica atraso no diagnóstico e risco de desnutrição.
  • Vômitos com bile ou sangue: Pode sugerir mal-rotação intestinal ou outra patologia.
  • Dúvidas de diagnóstico: Se a massa “oliva” não for palpável, considerar reexame ou intervenção cirúrgica.

9. Doença Celíaca

A doença celíaca é uma enteropatia autoimune causada pela ingestão de glúten em indivíduos geneticamente predispostos (HLA-DQ2/DQ8), levando a inflamação crônica do intestino delgado e má absorção de nutrientes. Geralmente se manifesta entre 6 a 24 meses após a introdução de glúten na dieta.

Diagnóstico diferencial

  • Síndrome do intestino irritável: Diarreia sem déficits nutricionais, ao contrário da celíaca.
  • Alergia à proteína do leite de vaca (APLV): Vômitos pós-mamada, sem a massa pilórica palpável típica.
  • Doença Inflamatória Intestinal (Crohn): Diarreia com dor e febre, diferindo de celíaca pelo padrão histológico.
  • Giardíase: Diarreia leve, diagnosticada com exame de fezes.
  • Fibrose cística: Esteatorreia com história de infecções respiratórias.
  • Hipotireoidismo e doenças imunodeficientes: Podem causar sintomas semelhantes, mas com sinais adicionais.

Manifestações clínicas

Na forma clássica, após ingestão de glúten, surgem diarreia volumosa e fétida, distensão abdominal, perda de peso e irritabilidade. Se não tratada, pode levar a desnutrição, atraso de crescimento e deficiências nutricionais (anemia, raquitismo, etc.). Em crianças maiores, os sintomas podem ser mais sutis, como anemia ferropriva ou dor abdominal leve.

Exames complementares

  • Sorologia: Anti-transglutaminase IgA (anti-tTG) é a principal ferramenta de triagem. IgA total deve ser dosado para evitar falso-negativo.
  • Endoscopia com biópsia: Padrão-ouro para confirmação, mostrando atrofia das vilosidades intestinais.
  • Genética (HLA): Pode ajudar em diagnósticos duvidosos, mas o teste positivo não confirma a doença.
  • Avaliação de deficiências: Dosar ferro, cálcio, B12, ácido fólico, entre outros, para avaliar deficiências nutricionais.

Tratamento

  • Dieta sem glúten: A base do tratamento, com eliminação de trigo, centeio e cevada. A orientação de um nutricionista é essencial para garantir uma dieta equilibrada.
  • Reposição de deficiências: Suplementos de ferro, vitamina D, cálcio e outros conforme necessário.
  • Monitoramento: Acompanhamento com gastroenterologista e nutricionista para avaliar crescimento e adesão à dieta.

Prognóstico

Com uma dieta rigorosa, as crianças recuperam o crescimento e evitam complicações. Sem tratamento, há risco de desnutrição grave, infertilidade e câncer intestinal.

Sinais de alarme

  • Crise celíaca: Diarreia profusa, desidratação e distúrbios eletrolíticos em bebês não tratados.
  • Não ganho de peso ou perda contínua na dieta sem glúten: Pode indicar má adesão ou diagnóstico incorreto.
  • Dor abdominal persistente: Pode ser devido a complicações ou doenças coexistentes como a síndrome do intestino irritável pós-celíaca ou pancreatite.
  • Convulsões ou hipocalcemia: Devido a deficiências de vitamina D e cálcio.
  • Distensão abdominal severa: Pode ser um sinal raro de linfoma intestinal em celíacos tratados por muito tempo.

10. Doenças Inflamatórias Intestinais (DII) – Doença de Crohn e Retocolite Ulcerativa

As DII pediátricas, incluindo Doença de Crohn (DC) e Retocolite Ulcerativa (RCU), são condições crônicas imunomediadas que causam inflamação no trato gastrointestinal. As crianças frequentemente apresentam doença mais extensa e comprometimento do crescimento. A doença surge em 20-25% dos casos na infância/adolescência.

Características e Diferenciação Crohn vs. Retocolite

CaracterísticaDoença de Crohn (DC)Retocolite Ulcerativa (RCU)

LocalizaçãoTrato GI todo pode ser afetado (da boca ao ânus). Predileção por íleo terminal e cólon direito. Padrão segmentar (“lesões salteadas”).Acomete apenas o cólon e reto, começando no reto e extensão contínua proximal. Não afeta intestino delgado (exceto refluxo ileal curto em pancolite).
Camada intestinalInflamação transmural (atravessa todas camadas da parede).Inflamação mucosa e submucosa (limitada à camada interna).
Manifestações clínicas típicasDor abdominal (muitas vezes em quadrante inferior direito), diarreia crônica intermitente, frequentemente sem sangue visível (lesão de delgado). Perda de peso e atraso de crescimento proeminentes. Febre presente em surtos. Fístulas perianais, fissuras e abscessos são comuns em DC perianal. Pode haver aftas orais recorrentesDiarreia crônica com sangue e muco é a queixa cardinal. Tenesmo (vontade contínua de evacuar) e urgência fecal. Dor abdominal tipo cólica, geralmente aliviada após evacuar. Perda ponderal e retardo de crescimento podem ocorrer se doença extensa (pancolite), mas são menos marcantes que na DC. Doença perianal é rara (limitada a hemorróidas).
Achados endoscópicos/histológicosÚlceras profundas e aftóides, áreas de mucosa normal entre lesões (“aspecto de pedras de calçamento”). Podem haver estenoses (por fibrose transmural). Histologia: granulomas não caseosos em 30-50% (patognomônico se presente), inflamação transmural focal.Mucosa contínua eritematosa, friável, com ulcerações superficiais e pseudopólipos. Em retite leve, padrão granular. Histologia: Criptite e abscessos de cripta, atrofia glandular em casos crônicos. Granulomas ausentes (exceto os derivados de criptas rupturadas).
ComplicaçõesFístulas (entero-entéricas, entero-cutâneas, perianais) devido à inflamação transmural; estenoses com suboclusão; abscessos intra-abdominais; desnutrição grave; cálculo renal de oxalato (hiperoxalúria pela má absorção). Risco aumentado de adenocarcinoma de intestino delgado (raro).Megacólon tóxico: dilatação colônica aguda com risco de perfuração (em surtos graves); hemorragia maciça (raro); risco aumentado de câncer colorretal após 8-10 anos de doença – exige colonoscopias de rastreio periódicas.
Manifestações extraintestinaisEm ambas: atraso puberal, artrite periférica e espondilite, eritema nodoso (mais comum em Crohn), pioderma gangrenoso (mais em RCU), uveíte/episclerite, colangite esclerosante primária (mais associada à RCU), litíase biliar (ácidos biliares mal absorvidos – Crohn íleo). Crohn também pode cursar com tromboses e déficit de crescimento mais acentuado.Ver coluna do Crohn – manifestações semelhantes. Colangite Esclerosante Primária tem forte associação com RCU (até 5% dos pediatricos com RCU).

Diagnóstico diferencial

  • Colites infecciosas (como Salmonella, Shigella), que podem simular sintomas semelhantes de diarreia sanguinolenta.
  • Apendicite/peritonite: A ileocecal em Crohn pode ser confundida com apendicite.
  • Giardíase e Fibrose Cística: Ambas podem causar diarreia crônica e má absorção, sendo diferenciadas por exames laboratoriais e históricos clínicos.

Exames complementares

  • Laboratoriais: Anemia (microcítica, por sangramento crônico), leucocitose, e elevação de PCR indicam inflamação ativa.
  • Sorologias: p-ANCA para RCU e ASCA para Crohn ajudam no diagnóstico, mas não são definitivos.
  • Endoscopia e Biópsias: Colonoscopia para RCU e Crohn, biópsias mostram padrões típicos (granulomas em Crohn, criptite em RCU).

Tratamento

  • Nutrição: Dieta hipercalórica e suplementos vitamínicos. A Nutrição Enteral Exclusiva (NEE) é eficaz para induzir remissão em casos leves a moderados de Crohn.

    Farmacoterapia:
  • Corticoides como prednisona para induzir remissão.
  • Aminossalicilatos para RCU leve a moderada.
  • Biológicos (anti-TNF como infliximabe) são usados para casos graves e refratários.
  • Imunomoduladores como azatioprina são usados para manutenção de remissão.
  • Cirurgia: Em casos complicados ou refratários, pode ser necessária cirurgia. Para Crohn, a cirurgia não cura, mas é usada para fístulas e obstruções. Em RCU, a colectomia total pode ser curativa em casos graves.

Sinais de alarme

  • Ataque fulminante de RCU: Diarreia com sangue, febre, taquicardia, risco de megacólon tóxico.
  • Perfuração intestinal: Dor súbita intensa, defesa abdominal e instabilidade hemodinâmica.
  • Hemorragia maciça: Sangramento intenso com risco de choque, que requer cirurgia urgente.
  • Retardo de crescimento: Indica inflamação mal controlada, necessitando de ajustes na terapia.
  • Efeitos colaterais dos medicamentos: Monitoramento de hepatotoxicidade e supressão medular devido aos imunossupressores.

O acompanhamento médico regular, com apoio nutricional e monitoramento dos efeitos da medicação, é essencial para a gestão das DII pediátricas.

Conclusão

As condições gastrointestinais comuns em pediatria variam de transtornos funcionais a doenças orgânicas agudas e crônicas. O pediatra deve estar apto a reconhecer sinais de alarme que diferenciam quadros benignos dos que requerem investigação aprofundada ou intervenção imediata. O manejo adequado – desde reidratar uma criança com gastroenterite até instituir dieta isenta de alérgenos ou terapia imunomoduladora numa DII – impacta diretamente o crescimento e o bem-estar dos pacientes pediátricos. Este resumo, organizado por capítulos, serve como guia prático inicial, e deve ser complementado com leitura das referências e diretrizes atuais para aprofundamento e atualização constante.

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Dr. Caio Nunes
Dr. Caio Nunes
Radiologia

Graduou-se em Medicina pela Universidade Federal da Bahia (2009). Radiologista pelo Insituto de Radiologia da Universidade de São Paulo. Fellow em Radiologia do Sistema Músculo Esquelético pelo INRAD-FMUSP (2014). É co-fundador da Sanar e CEO do Cetrus.

CRM: 147126 e RQE: 132416

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