Saiba tudo sobre as malformações congênitas das vias urinárias e rins!
Define-se malformações congênitas das vias urinárias e rins como um conjunto de desordens congênitas que afetam o sistema urinário, incluindo alterações anatômicas do sistema excretor humano, especialmente rins, ureteres e bexiga. As anormalidades podem ocorrer tanto na forma quanto na posição das estruturas. Além disso, constituem de 20% a 30% das anomalias anatômicas detectadas antes do nascimento, ocorrendo com uma frequência de 3 a 6 por 1000 nascimentos.
Entre os fatores de risco que influenciam no surgimento dessas malformações congênitas inclui-se:
- Doenças crônicas maternas, como diabetes mellitus, hipertensão e obesidade;
- História de doença renal;
- História de câncer (devido a radiação ou quimioterapia).
As malformações congênitas podem afetar o sistema urinário de forma isolada como, por exemplo, o refluxo vesicoureteral (RVU) e a obstrução ureteral. Por outro lado, podem ocorrer em conjunto com outras anomalias extra-renais, sendo definida como malformação congênita complicada, normalmente relacionada à ectopia, obstrução do trato urinário inferior e alterações celulares de crescimento, como displasia e hipoplasia.
Por fim, considera-se as malformações congênitas como os principais fatores de risco para o desenvolvimento da Doença Renal Crônica (DRC) na população infantil. Dessa forma, torna-se importante o diagnóstico precoce por permitir um tratamento eficaz e imediato, evitando também complicações mais graves.
Tipos de malformações congênitas das vias urinárias e rins
Pode-se agrupar as malformações congênitas em seis subtipos:
- Obstrução do trato urinário inferior – por exemplo, válvula de uretra posterior;
- Refluxo vesicoureteral;
- Obstrução ureteral – por exemplo, obstrução da junção ureteropélvica e ureterovesical;
- Hipoplasia ou displasia;
- Ectopia;
- Complexos/outros – por exemplo, dois ou mais subtipos de malformações ou outras malformações renais não categorizadas, como cisto renal.
Válvula da uretra posterior
Define-se a válvula de uretra posterior (VUP) como a obstrução congênita mais frequente da uretra, ocorrendo exclusivamente no sexo masculino. Tal anomalia é causada por uma suboclusão precoce da uretra proximal durante o desenvolvimento fetal.
Essa condição impacta diretamente a função da bexiga, levando a uma “bexiga de válvula”, e, além disso, compromete os sistemas urinários excretores, resultando em hidroureteronefrose e refluxo vesicoureteral (RVU). Ademais, afeta também o parênquima renal, causando displasia, hipoplasia cortical, e problemas de função tubular, como poliúria. Além disso, a estase urinária na bexiga e no ureter facilita o aparecimento de infecções urinárias (ITU), aumentando o risco de lesões renais secundárias.
Normalmente, essa desordem desenvolve-se no início da gravidez, resultando em pressão elevada na bexiga e no trato urinário superior durante o desenvolvimento fetal. Diante disso, é considerada a forma mais grave de afecção obstrutiva congênita do trato urinário inferior.
Manifestações clínicas e diagnóstico
Nos casos diagnosticados no pré-natal, a VUP comumente apresenta-se através da identificação de hidroureteronefrose fetal bilateral em fetos do sexo masculino durante uma ultrassonografia de segundo trimestre. Outros achados da ultrassonografia que complementam o diagnóstico são a presença de megabexiga e bexiga constantemente cheia. Além disso, durante o exame é importante a busca de sinais de displasia renal e sinais de oligodrâmnia, considerando o valor prognóstico desses achados e a possibilidade de intervenção fetal.
Nos casos não identificados no pré-natal, os recém-nascidos podem manifestar-se clinicamente através de:
- Insuficiência renal;
- Insuficiência respiratória;
- Urinoma ou ascite urinária;
- Sepse neonatal devido a infecção urinária;
- Infecções urinárias de repetição e déficit de crescimento;
- Distúrbios metabólicos, como acidose, desidratação e hiponatremia;
- Incontinência urinária e poliúria.
Na suspeita de VUP após o nascimento, realiza-se o diagnóstico através da ultrassonografia, que deve ser o primeiro exame solicitado e pode apresentar os seguintes achados:
- Hidroureteronefrose bilateral;
- Sinais de bexiga de esforço (bexiga trabeculada e com parede espessada);
- Capacidade vesical diminuída (em crianças jovens) ou aumentada (em crianças mais velhas e adolescentes);
- Resíduo pós-miccional aumentado;
- Dilatação da uretra posterior (sinal da fechadura);
- Sinais de displasia renal (pequenos cistos, perda da dissociação cortico-medular e hiperecogenicidade);
- Hipotrofia.
Outros exames complementares utilizados durante o período pós-natal no contexto de pacientes com VUP incluem:
- Uretrocistografia miccional;
- Uretrocistoscopia;
- Cintilografia renal.
Refluxo vesicoureteral
Considera-se o Refluxo Vesicoureteral (RVU) como a anomalia congênita não obstrutiva mais comum do trato urinário. Tal anomalia ocorre devido a uma dilatação anormal dos ureteres, que permite o retorno da urina presente na bexiga para os rins.
A principal complicação associada ao RVU é a ocorrência frequente de pielonefrite. Embora seja uma condição congênita que geralmente afeta pacientes mais jovens, também pode ser diagnosticada em adultos.
A maioria dos pacientes pode experimentar uma resolução espontânea do RVU, mas alguns podem desenvolver infecções urinárias recorrentes com formação de cicatrizes renais, o que pode levar à insuficiência renal crônica.
Manifestações clínicas e diagnóstico
Sugere-se o diagnóstico pré-natal de RVU através da presença de hidronefrose fetal observada por ultrassonografia.
Realiza-se o diagnóstico pós-natal de RVU, por sua vez, após a ocorrência de infecções do trato urinário (ITU), que sugere a realização de exames para o diagnóstico, entre eles:
- Cistouretrografia Miccional (CUM);
- Cistocintilografia Isotópica Direta (CCID);
- Cistografia Ultrassonográfica;
- Cistografia por Ressonância Magnética.
Nesses casos, recomenda-se, ainda, ultrassonografia do sistema urinário para monitorar o desenvolvimento dos rins e avaliar a progressão ou agravamento da hidronefrose, o espessamento do detrusor e a presença de resíduo pós-miccional. O exame deve ser realizado a cada seis meses durante o acompanhamento clínico.
Obstrução da junção ureteropélvica (JUP)
Define-se obstrução da junção ureteropélvica (JUP) como uma restrição ao fluxo de urina da pelve renal para o ureter, sendo a principal causa de bloqueio do trato urinário em crianças. Determina-se a obstrução do fluxo urinário pela presença de hidronefrose acompanhada pela diminuição progressiva da função renal. No entanto, muitos casos de hidronefrose não resultam em perda da função renal e, portanto, não são considerados obstrutivos.
Na maioria dos casos, observa-se um estreitamento intrínseco na junção ureteropélvica e acredita-se que isso resulte de uma interrupção no desenvolvimento da musculatura lisa da área ou de uma alteração nas fibras de colágeno ao redor das células musculares. Além disso, a obstrução da JUP pode ser causada por fatores extrínsecos, como compressão mecânica devido a vasos renais anômalos que cruzam anteriormente à JUP ou ao ureter proximal.
Apresentação clínica e diagnóstico
No momento do diagnóstico, a maioria dos neonatos são assintomáticos. Todavia, a obstrução da JUP pode manifestar-se em crianças maiores através de:
- Dor em flanco ou abdome superior;
- Náuseas e vômitos;
- Hematúria.
No que se refere ao diagnóstico, suspeita-se de obstrução da JUP ao identificar na ultrassonografia o achado de dilatação pielocalicinal associada a ureter com dimensões normais.
Importância do diagnóstico precoce das malformações congênitas
Em países desenvolvidos, o diagnóstico precoce das malformações congênitas é responsável por permitir um tratamento eficaz e imediato das crianças com malformações congênitas. Por outro lado, em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, o diagnóstico dessas malformações não é realizado de forma adequada, o que aumenta as chances dos recém-nascidos desenvolverem formas mais graves.
Ultrassonografia no contexto das malformações congênitas
Caracteriza-se a ultrassonografia como um exame não invasivo, sem radiação ionizante e que pode ser realizado à beira do leito.
Dessa forma, é o exame inicial recomendado para investigar suspeitas de anomalias no trato urinário em crianças, tais como:
- Dilatação pré-natal;
- Massas renais;
- Infecções urinárias;
- Insuficiência renal;
- Doenças vasculares;
- Litíase;
- Transplantes;
- Avaliação da bexiga;
- Lesões perivesicais.
Além disso, permite a avaliação de malformações congênitas, entre elas:
- Ausência renal (agenesia);
- Posição anômala (ectopia);
- Fusão renal (rim em ferradura e ectopia renal cruzada).
Técnicas do exame ultrassonográfico das vias urinárias
Durante o exame, é importante que a criança esteja bem hidratada e com a bexiga cheia. Uma bexiga vazia ou pouco cheia pode dificultar ou até impedir o diagnóstico de dilatação do terço distal dos ureteres, ureteroceles e massas pélvicas. Além disso, uma bexiga insuficientemente preenchida pode comprometer a análise da espessura da parede da bexiga.
Não recomenda-se o jejum para a realização do exame, pois pode causar irritabilidade e desidratação, prejudicando a avaliação do trato urinário.
Saiba mais: Técnicas de ultrassom das vias urinárias.
Condições e anomalias identificadas em ultrassom
Como visto anteriormente, através da ultrassonografia diversas condições podem ser diagnosticadas, entre elas as malformações congênitas. No próximo bloco, veremos como realiza-se a avaliação de rins e vias urinárias através da ultrassonografia, bem como os os principais achados do exame que podem indicar alterações.
Parênquima renal
Em recém-nascidos e em bebês com até seis meses, os rins apresentam-se com uma ecogenicidade cortical mais alta em comparação com os de crianças mais velhas. As pirâmides renais são mais proeminentes neste grupo, aparecendo como áreas hipoecóicas e triangulares com a base voltada para o córtex renal e dispostas ao redor do sistema pielocalicinal. O seio renal de um neonato, por sua vez, é mais hipoecoico do que em crianças mais velhas. Além disso, a lobulação fetal pode ainda estar presente.
Após os primeiros seis meses, o córtex renal fica menos ecogênicos, as pirâmides tornam-se menos pronunciadas e o seio renal mais ecogênico. As lobulações fetais, por sua vez, normalmente somem, mas podem ser vistas na vida adulta como uma variação normal sem relevância clínica.
As medições ultrassonográficas de comprimento e volume renal variam conforme características, como idade, peso, altura e superfície corporal. Existe, ainda, uma diferença de comprimento entre os dois rins, que deve ser inferior a 1,0 cm. Em caso de diferenças maiores que 1,0 cm, suspeita-se de cicatrizes renais no rim menor ou condições que aumentam o tamanho de um rim, como pielonefrite.
Sistema pielocalicinal
Como mencionado, avalia-se o sistema pielocalicinal e os ureteres quando a criança está bem hidratada.
O tamanho da pelve renal pode variar, sendo o diagnóstico da dilatação do sistema pielocalicinal dependente da idade gestacional (em casos de diagnóstico pré-natal) e do diâmetro ântero-posterior da pelve renal, que é considerado normal até 0,4 mm em fetos com menos de 28 semanas, até 0,7 mm após 28 semanas e até 10 mm no período pós-natal.
Normalmente, no sistema coletor, não existe dilatação dos cálices, a espessura e ecogenicidade do parênquima renal são normais, o ureter não é evidente e a bexiga está normal. Dessa forma, uma pelve com diâmetro ântero-posterior superior a 15 mm pode estar relacionada a uma patologia obstrutiva.
3 – Diâmetro ântero-posterior da pelve superior a 10 mm, com todos os cálices visíveis e dilatados, ausência de afilamento cortical. 4 – Parecido com o grau 3, mas com compressão das pirâmides renais e afilamento do córtex renal. 5 – Representa uma dilatação severa com parênquima residual muito fino.
Ureteres
No exame de ultrassonografia, os ureteres normais são difíceis de serem visualizados. Portanto, quando visualizados, pode indicar a presença de patologias refluxivas ou obstrutivas.
Em ambos os lados, o jato ureteral deve ser simétrico. Visualiza-se tal achado através da escala de cinza, porém, ele é mais facilmente identificado com o uso do Doppler colorido.
Em pacientes do sexo feminino com incontinência urinária, recomenda-se investigar a ectopia ureteral, que geralmente está associada à duplicidade do sistema coletor e à inserção do ureter abaixo do esfíncter vesical, podendo ocorrer no canal vaginal ou no vestíbulo.
Bexiga
Normalmente, a espessura da parede vesical varia entre 0,04 e 0,27 cm. Diante disso, condições que frequentemente associam-se ao espessamento da parede da bexiga incluem:
- Infecção urinária;
- Disfunções miccionais;
- Patologias obstrutivas uretrais.
O conteúdo da bexiga deve ser anecóico, sendo a presença de detritos sugestiva de estase urinária ou, ainda, condições onde partículas encontram-se em suspensão, como infecção ou hematúria.
Ademais, outros aspectos avaliados na ultrassonografia e fundamentais na avaliação de pacientes com disfunção miccional são o volume vesical máximo tolerado e o resíduo pós-miccional.
Após o nascimento, espera-se que a bexiga apresente uma capacidade de aproximadamente 30 mL. Em lactentes, pode-se estimar o volume usando a fórmula 7 × peso (kg). Para crianças de 2 a 12 anos, por sua vez, a fórmula é [30 + (idade em anos × 30)] em mL. Após os 12 anos, por sua vez, a capacidade vesical é de pelo menos 390 mL. Volumes inferiores a 65% ou superiores a 150% do valor esperado são considerados anormais.
Por fim, no que se refere ao resíduo pós-miccional, espera-se que, após a micção espontânea, o esvaziamento da bexiga seja de pelo menos 90% do volume inicial.
Doppler
Utiliza-se o Doppler espectral e colorido para avaliação complementar dos rins, visto que o mesmo permite avaliar a vascularização do parênquima, além de vasos renais e ilíacos. É importante, portanto, para o transplante renal, em caso de suspeita de patologia renovascular e na avaliação de pielonefrite.
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Referências
- NISHIYAMA, K. et al. Maternal Chronic Disease and Congenital Anomalies of the Kidney and Urinary Tract in Offspring: A Japanese Cohort Study. AJKDVol 80 | Edição 5 | Novembro de 2022.
- PEREIRA, C. A. S.; et al. Impactos das anomalias anatômicas no trato urinário em crianças. Revista Eletrônica Acervo Saúde, 23(9), e13321. https://doi.org/10.25248/reas.e13321.2023.
- SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA; SOCIEDADE BRASILEIRA DE UROLOGIA. Manual de Uropediatria. Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/Manual_Uropediatria-Final.pdf. Acesso em: 01 set 2024.







