Ultrassom em emergências ginecológicas: diagnóstico diferencial de dor pélvica

Profissional de saúde realizando exame de ultrassonografia abdominal em uma paciente deitada, utilizando aparelho de ultrassom com tela e painéis de controle visíveis.

Índice

A dor pélvica é uma queixa comum nos serviços de emergência ginecológica e representa um desafio diagnóstico importante, dada a ampla variedade de causas possíveis, que incluem condições ginecológicas, urológicas e gastrointestinais.

Nesse contexto, o ultrassom destaca-se como o principal exame de imagem inicial, por ser rápido, não invasivo e capaz de fornecer informações detalhadas sobre os órgãos pélvicos. Além disso, seu uso adequado permite identificar com precisão condições como torção ovariana, gravidez ectópica, cistos hemorrágicos e doença inflamatória pélvica, auxiliando na definição da conduta e na redução de complicações potencialmente graves.

Importância do ultrassom no contexto emergencial ginecológico

O ultrassom tem adquirido papel essencial no manejo de emergências ginecológicas, ao permitir que o exame seja realizado rapidamente, à beira do leito, como extensão do exame físico. Esse método fornece imagens em tempo real, que podem ser imediatamente correlacionadas aos sintomas da paciente, possibilitando uma avaliação dinâmica e contínua de alterações clínicas agudas.

Além disso, em situações críticas, como dor pélvica súbita, suspeita de gravidez ectópica, cistos ovarianos rotos, torção anexial ou doença inflamatória pélvica, o ultrassom contribui para decisões terapêuticas rápidas e direcionadas, reduzindo o tempo entre o diagnóstico e a intervenção.

Por fim, a literatura destaca que o ultrassom de emergência é especialmente útil em ambientes com recursos limitados, onde o acesso a equipamentos convencionais e especialistas é restrito.

Avaliação inicial do paciente com dor pélvica

A avaliação inicial da dor pélvica é um processo complexo que exige análise cuidadosa, pois múltiplos sistemas podem estar envolvidos: ginecológico, urinário, gastrointestinal ou musculoesquelético.

O objetivo inicial é identificar a causa mais provável do sintoma, considerando fatores como idade, estado reprodutivo e histórico clínico da paciente. Além disso, condições comuns podem ter apresentações atípicas e, em alguns casos, mais de uma patologia pode coexistir.

História

A anamnese deve explorar a localização, intensidade, tipo e evolução da dor, bem como sintomas associados (febre, náuseas, vômitos, sangramento ou corrimento vaginal, alterações urinárias ou intestinais). A relação com o ciclo menstrual também é relevante, já que dores cíclicas podem sugerir endometriose ou dismenorreia.

Além disso, perguntas sobre atividade sexual, histórico obstétrico, uso de anticoncepcionais e possibilidade de gravidez são fundamentais, pois condições como gravidez ectópica, doença inflamatória pélvica (DIP) e ruptura de cisto ovariano estão entre as causas mais comuns de dor pélvica aguda.

Exame físico

O exame físico deve iniciar pela avaliação geral e abdominal, observando sinais de instabilidade hemodinâmica ou abdome agudo, que podem indicar hemorragia intra-abdominal, torção ovariana ou apendicite.

Em seguida, realiza-se o exame pélvico completo: inspeção da genitália externa, exame especular, toque bimanual e, quando indicado, exame retal. Esses procedimentos ajudam a identificar massas anexiais, sensibilidade uterina, dor ao movimento cervical e presença de corrimentos anormais, dados que orientam o diagnóstico diferencial.

Exames complementares

Os exames laboratoriais são direcionados conforme os achados clínicos, mas geralmente incluem teste de gravidez, análise de urina, pesquisa de infecções sexualmente transmissíveis e hemograma completo. Em casos de suspeita de infecção sistêmica, podem ser solicitadas hemoculturas e, em pacientes com sangramento, exames de tipagem e coagulação.

O ultrassom pélvico, especialmente o transvaginal, é considerado o exame de imagem de primeira linha na avaliação da dor pélvica, por ser rápido, seguro e altamente informativo. Por exemplo, ele auxilia na detecção de gravidez ectópica, ruptura de cistos ovarianos, hemoperitônio, abscessos tubo-ovarianos e outras patologias ginecológicas.

Em pacientes com teste de gravidez positivo, a ultrassonografia é indispensável para confirmar se a gestação é intrauterina ou ectópica. Já nas pacientes com teste negativo, o exame ajuda a diferenciar causas ginecológicas e não ginecológicas, podendo ser complementado por tomografia computadorizada ou ressonância magnética, conforme o caso.

Técnicas ultrassonográficas na emergência

O ultrassom transvaginal é a modalidade de escolha para avaliação inicial de dor pélvica aguda em mulheres, proporcionando alta resolução e detalhamento anatômico dos órgãos pélvicos, incluindo útero, ovários e trompas. Além disso, permite identificar cistos, massas anexiais, sinais de gravidez ectópica e complicações inflamatórias com precisão, sendo especialmente útil em pacientes com cavidade abdominal distendida por gás intestinal ou com obesidade, que podem dificultar o US transabdominal.

Ademais, o ultrassom transabdominal complementa o transvaginal, oferecendo visão panorâmica da pelve e abdome inferior, útil para avaliar fluido livre, hemoperitônio e massas de maior volume.

Por fim, o Doppler colorido avalia o fluxo sanguíneo em estruturas ovarianas e anexiais, auxiliando na detecção de torção ovariana, infartos, miomas degenerados e massas vascularizadas. Nesse contexto, alterações no fluxo, como redução ou ausência de perfusão, podem indicar comprometimento vascular e emergência cirúrgica.

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Diagnóstico diferencial de dor pélvica aguda

Gravidez ectópica

A gravidez ectópica ocorre quando um óvulo fertilizado se implanta fora da cavidade uterina, sendo uma emergência ginecológica devido ao risco de hemorragia grave, representando uma das principais causas de mortalidade materna no primeiro trimestre.

Entre os fatores de risco estão gestação ectópica prévia, laqueadura tubária, uso de DIU de cobre e técnicas de reprodução assistida. A maior parte ocorre nas trompas de falópio, especialmente na região da ampola, mas pode também se localizar no colo uterino, ovários, cicatrizes de cesariana ou na cavidade abdominal.

A ruptura geralmente ocorre entre 10 e 14 semanas, apresentando dor pélvica intensa, sangramento vaginal e, em casos graves, choque hemorrágico. Nesse contexto, o diagnóstico precoce é essencial para prevenir complicações fatais.

Torção ovariana

A torção ovariana, também chamada de torção anexial, é uma emergência ginecológica caracterizada pela rotação do ovário em torno de seu pedículo vascular, podendo envolver as trompas de falópio.

Representa cerca de 3% das emergências cirúrgicas ginecológicas e ocorre mais frequentemente em mulheres em idade reprodutiva. Fatores predisponentes incluem cistos ou tumores ovarianos benignos com mais de 5 cm, embora a torção possa ocorrer mesmo na ausência de lesão ovariana, devido à hipermobilidade do órgão. Além disso, durante a gestação, o risco é maior entre a 6ª e 14ª semanas.

Clinicamente, manifesta-se como dor unilateral intensa na região inferior do abdome, muitas vezes acompanhada de náuseas, vômitos e febre.

Cisto ovariano rompido ou hemorrágico

A ruptura ou hemorragia de cistos ovarianos funcionais (folículos ou corpo lúteo) é uma causa frequente de dor pélvica aguda em mulheres jovens e, em casos graves, pode levar a choque hemorrágico e hipotensão.

Clinicamente, pode mimetizar uma gravidez ectópica, sendo importante a avaliação dos níveis séricos de hCG para exclusão.

Doença inflamatória pélvica (DIP)

A doença inflamatória pélvica (DIP) é uma causa comum de dor pélvica aguda em mulheres jovens e sexualmente ativas. Ela engloba condições como endometrite, salpingite, piossalpinge, abscesso tubo-ovariano (ATO) e peritonite pélvica.

A apresentação clínica é variável, podendo incluir dor abdominal, febre, mal-estar, sangramento vaginal, disúria ou dispareunia, ou até ser assintomática.

A DIP geralmente resulta de infecções sexualmente transmissíveis ascendentes, principalmente por Chlamydia trachomatis e Neisseria gonorrhoeae, que podem causar danos tubários e complicações a longo prazo, como infertilidade e gravidez ectópica. Nesse contexto, o diagnóstico precoce e o tratamento imediato com antibióticos são essenciais para prevenir sequelas.

Outras causas ginecológicas e não ginecológicas

Além das causas de dor pélvica aguda já discutidas, diversas outras condições ginecológicas e não ginecológicas também podem se manifestar com sintomas semelhantes. Essas situações incluem complicações de leiomiomas, endometriose, cistos ovarianos, teratomas e infecções pélvicas, entre outras.

Leiomiomas uterinos

Os leiomiomas uterinos, embora frequentemente assintomáticos, podem causar dor pélvica aguda quando complicados. A degeneração vermelha, por exemplo, é a forma mais comum durante a gravidez e ocorre por trombose venosa ou ruptura de vasos intralesionais, levando a infarto hemorrágico.

Além disso, a torção de miomas subserosos pedunculados é rara, mas pode ser grave, apresentando pedículo torcido, ausência de fluxo vascular e fluido livre abdominal. Ademais, infecção de leiomiomas (piomioma) também é incomum.

Endometriose

A endometriose, principalmente intestinal ou do trato urinário, pode ocasionar dor pélvica aguda em situações como obstrução, perfuração, apendicite, ruptura ou superinfecção de endometriomas, e DIP com abscesso tubo-ovariano.

Teratoma ovariano maduro

O teratoma ovariano maduro (cisto dermoide), apesar de benigno, pode sofrer torção anexial, ruptura, transformação maligna ou infecção. A ruptura libera conteúdo gorduroso na cavidade abdominal, potencialmente causando peritonite asséptica.

Interpretação dos achados ultrassonográficos

Gravidez ectópica

O ultrassom transvaginal e transabdominal é fundamental na gravidez ectópica, mostrando frequentemente uma cavidade uterina vazia e sinais característicos, como o “sinal do saco decidual” e o “anel tubário” em trompas dilatadas ou massas complexas extra-anexiais. Frequentemente, também identifica-se fluido peritoneal livre ou hemoperitônio.

Torção ovariana

Na torção ovariana, os achados ultrassonográficos típicos incluem ovário aumentado (>4 cm), edematoso e heterogêneo, deslocado de sua posição habitual, com estroma central hiperecoico e folículos periféricos (sinal do anel folicular). Pode-se identificar lesões ovarianas subjacentes e presença de líquido livre.

No Doppler, observa-se fluxo vascular diminuído ou ausente, e o pedículo torcido pode ser visualizado, como sinal de redemoinho.

Torção ovariana em paciente atendida no pronto-socorro com dor pélvica direita persistente há algumas horas. A ultrassonografia transabdominal (a, b) evidencia ovário direito significativamente aumentado (eixo longo: 42,9 mm; eixo curto: 34 mm) e deslocado para a linha média. Observa-se ecogenicidade levemente aumentada e múltiplos pequenos cistos periféricos (seta amarela). Nota-se também discreta quantidade de líquido livre com ecos finos na pelve (seta vermelha). O estudo Doppler não demonstrou fluxo vascular (imagem não mostrada).

Cisto ovariano rompido ou hemorrágico

No ultrassom, cistos hemorrágicos podem apresentar-se isoecoicos em relação ao estroma ovariano e podem simular ovário aumentado.

O Doppler colorido, por sua vez, frequentemente revela parede espessa e vascularização periférica aumentada (“anel de fogo”). Quando ocorre ruptura, podem ser observados hemoperitônio, septações e níveis líquido-sedimento visíveis.

Doença inflamatória pélvica

No ultrassom, trompas de Falópio normais geralmente não são visualizadas. Na DIP, a salpingite provoca dilatação do lúmen com acúmulo de secreção purulenta, formando a piossalpinge, que aparece como uma estrutura tubular parauterina com conteúdo hiperecoico. Pode apresentar também paredes espessadas e septos incompletos, caracterizando o chamado “sinal da roda dentada”.

Quando há evolução para abscesso tubo-ovariano (ATO), o ultrassom mostra lesões anexiais multiloculares, de paredes espessas, frequentemente associadas a fluido livre e peritonite pélvica. O ATO pode ser bilateral e a identificação de uma estrutura tubular tortuosa é importante para diferenciar piossalpinge de outras massas anexiais.

Limitações e desafios do exame na emergência

O ultrassom na emergência enfrenta limitações técnicas e clínicas que podem comprometer a acurácia diagnóstica.

Fatores como distensão abdominal, presença de gás intestinal, dor intensa do paciente e obesidade podem dificultar a visualização das estruturas pélvicas. Além disso, a interpretação depende da experiência do examinador e da qualidade do equipamento.

Nesse contexto, achados iniciais podem ser inespecíficos, exigindo exames complementares (TC ou RM) para diagnóstico definitivo.

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Referências

  • Huggins JT. Indications for bedside ultrasonography in the critically ill adult patient. UpToDate, 2025.
  • Recker F, Weber E, Strizek B, Gembruch U, Westerway SC, Dietrich CF. Point-of-care ultrasound in obstetrics and gynecology. Arch Gynecol Obstet. 2021 Apr;303(4):871-876. doi: 10.1007/s00404-021-05972-5. Epub 2021 Feb 8. PMID: 33558990; PMCID: PMC7985120.
  • Stratton P. Acute pelvic pain in nonpregnant adult females: Evaluation. UpToDate, 2023.

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