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Coarctação da aorta: como identificar com ecocardiografia

Confira orientações para identificar a coarctação de aorta no exame da ecocardiografia e cuidar do seu paciente com excelência.

A coarctação de aorta é uma condição relevante como uma das cardiopatias congênitas mais comuns, sendo o exame de ecocardiografia fundamental para o diagnóstico. Pensando nisso, é fundamental que o médico esteja familiarizado com a condição e como diagnosticá-la pelo ecocardiograma.

Definição, incidência e aspectos epidemiológicos da coarctação de aorta

A coarctação da aorta é uma condição na qual a aorta está estreitada ou comprimida em algum ponto, normalmente na região onde o ducto arterioso fetal que se fecha após o nascimento.
O estreitamento restringe o fluxo sanguíneo através da aorta, aumentando a pressão antes e diminuindo a pressão após o estreitamento, o que pode afetar o fornecimento de sangue para várias partes do corpo.
A coarctação de aorta representa uma das cardiopatias congênitas mais comuns, em cerca de 5% a 10% de todos os casos. Por essa razão, é diagnosticada no início da vida, durante a infância ou adolescência. Porém, essa patologia pode passar despercebida em alguns casos até a idade adulta, sendo uma condição mais comum em bebês do sexo masculino.

Influência dos fatores genéticos na coarctação de aorta

Pensando na natureza congênita da doença, os fatores genéticos desempenham um papel importante no desenvolvimento do quadro. A exemplo, a síndrome de Turner e algumas outras síndromes estão muito associadas à coarctação de aorta.
Alguns bebês nascidos com coarctação da aorta podem apresentar sinais de insuficiência cardíaca, como dificuldade para respirar e dificuldade de se alimentar, nos primeiros dias ou semanas de vida.
Outros podem não apresentar sintomas imediatos e a condição pode ser diagnosticada mais tarde, quando a pressão arterial é medida e se detecta a hipertensão em membros superiores e pressão arterial mais baixa nas pernas.
Essa condição pode ocorrer em qualquer lugar ao longo da aorta. Entretanto, a ocorrência é mais comum logo após a saída da artéria subclávia esquerda, perto do arco aórtico.

Leia mais: Sintomas, diagnóstico e tratamento da arritmia cardíaca.

Sintomas e sinais da coarctação da aorta em diferentes faixas etárias

As manifestações clinicas da coarctação de aorta podem variar a depender da idade do paciente. Aqui resumimos os principais sinais e sintomas apresentados com base na idade do paciente, conforme o seguinte:

Neonatos

Um neonato com CoA grave ou “crítica” pode apresentar insuficiência cardíaca e/ou choque quando a persistência do canal arterial (PCA) se fecha. Entre os sintomas apresentados estão:

  • O bebê apresenta-se pálidos, irritáveis, diaforéticos e dispneicos, com ausência de pulsos femorais e, frequentemente, hepatomegalia;
  • Podem apresentar cianose diferencial devido ao shunt da direita para a esquerda através do PCA até a aorta torácica descendente.

Em casos de uma obstrução menos grave, podem permanecer assintomáticos, principalmente havendo a persistência do canal arterial (PCA). Por isso, a suspeita clínica acontece no exame físico, quando existe uma assimetria de pulsos femorais e/ou sopro cardíaco. O pulso pode, ainda, estar ausente ou atrasado quando comparado ao braquial.

Abaixo, vê-se uma radiografia de tórax de um recém-nascido que apresentou dificuldade respiratória.

Imagem da radiografia de tórax mostrando coarctação crítica da aorta e insuficiência cardíaca em uma criança
Radiografia de tórax de uma criança com coarctação crítica da aorta e insuficiência cardíaca. Fonte: Lachlan Smith, MD.
  • (A) Radiografia frontal de tórax demonstrando edema pulmonar causado por coarctação crítica de aorta descendente, diagnosticada por ecocardiografia.
  • (B) Radiografia lateral do tórax do mesmo paciente.

A identificação da coarctação de aorta nesses pacientes é fundamental para manter a patência do ducto antes do reparo cirúrgico. Devido ao quadro crítico ou grave, muitas vezes o tratamento deve ser imediato.

Imagem ilustrativa de coarctação crítica da aorta
Coarctação crítica de aorta. Fonte: Hyjazi et al, 2023.

Bebês e crianças mais velhas

Os recém-nascidos e crianças mais velhas podem apresentar alguns outros sintomas, como:

  • Maioria dos pacientes com achados muito sutis ou mesmo assintomáticos;
  • Diagnóstico é dado de forma tardia, geralmente;
  • Na anamnese: relato de dor torácica, extremidades frias e claudicação com esforço físico;
  • Exame físico: pressão arterial com pressão sistólica mais baixa nas extremidades inferiores em comparação com as extremidades superiores e atraso no pulso da artéria braquial ou radial para a artéria femoral.

Adultos

Já em adultos, existe um sinal clássico de coarctação da aorta: hipertensão com variabilidade da pressão arterial nas extremidades superiores e inferiores.
A maioria dos pacientes é assintomática, a menos que haja hipertensão grave, que pode causar:

  • Cefaleia;
  • Epistaxe;
  • Insuficiência cardíaca;
  • Dissecção aórtica.

Devido a redução do fluxo sanguíneo nos membros inferiores, pode ocorrer claudicação aos esforços físicos.
Pensando nesses achados, é fundamental que no exame físico o paciente tenha seus pulsos radiais ou braquiais palpados simultaneamente, a fim de avaliar o tempo e a amplitude, em busca do “atraso braquial-femoral” clássico da CoA.

Papel da ecocardiografia no diagnóstico da coarctação da aorta

A ecocardiografia é uma técnica de imagem por ultrassom fundamental para o diagnóstico da coartação da aorta. Ela permite uma avaliação mais detalhada das estruturas cardíacas, ajudando a localizar com precisão o ponto exato de estreitamento na aorta.Isso é importante para o planejamento cirúrgico ou intervenção.
Já o Doppler permite avaliar o fluxo sanguíneo através da aorta e determinar se há turbulência ou alterações no padrão de fluxo, o que pode ser indicativo de coarctação.
Além de diagnosticar a coarctação em si, a ecocardiografia pode identificar outras anomalias cardíacas que podem estar associadas, como:

  • Defeitos septais;
  • Anomalias valvulares;
  • Anormalidades na anatomia do coração.

Ainda, o exame pode identificar a presença de uma estenose ou estreitamento na aorta, característica definidora da coarctação.
Como a CoA pode afetar o coração de diversas maneiras, a ecocardiografia pode ser usada durante procedimentos de intervenção, a exemplo da angioplastia ou correção da coarctação.

Médica realizando exame de eletrocardiograma para diagnóstico cardíaco, incluindo coarctação da aorta

Técnicas de imagem em ecocardiografia para avaliar a coarctação

A ecocardiografia transtorácica bidimensional de alta qualidade com Doppler é uma ferramenta valiosa para estabelecer o diagnóstico e avaliar a gravidade da Coarctação de Aorta (CoA).
Essa técnica é usada em neonatos com persistência do canal arterial. Além disso, a ecocardiografia é útil para identificar defeitos cardíacos associados, como a hipoplasia aórtica, e também pode ser empregada no acompanhamento após o reparo.
Ao realizar a ecocardiografia na visão como a alta paraesternal ou supraesternal em eixo longo, é comum visualizar uma área de estreitamento discreto, conhecida como prateleira posterior, dentro do lúmen da aorta torácica descendente proximal.
Isso pode ser observado na imagem abaixo, em que:

Imagens ecocardiográficas transtorácicas (ETT) com avaliação Doppler em paciente com coarctação de aorta
Imagens ecocardiográficas transtorácicas (ETT) com avaliação Doppler em paciente com coarctação de aorta. Fonte: Hijazi et al, 2023.
  • (A) Imagem bidimensional do ETT supraesternal demonstrando estreitamento severo na aorta torácica descendente (seta).
  • (B) Doppler colorido demonstrando acentuada aceleração do fluxo no local estreitado;
  • (C) Ecocardiográfico transtorácico (EET) paraesternal eixo curto mostrando valva aórtica bicúspide (asterisco duplo), frequentemente observada em pacientes com coarctação;
  • (D) Doppler de onda pulsátil da aorta abdominal demonstrando baixa velocidade sistólica anterógrada com fluxo persistente na diástole (seta).
  • (E) Doppler de onda contínua demonstrando obstrução grave no local da coarctação com gradiente sistólico máximo de 65 mmHg e gradiente médio de 33 mmHg. Observe o fluxo anterior persistente durante a diástole, consistente com o gradiente de pressão persistente através da obstrução.

Utilização do Doppler para avaliar a gravidade da coarctação

A ecocardiografia Doppler colorida e pulsada localiza a área de coarctação e monitora a velocidade e turbulência do fluxo sanguíneo e o fluxo diastólico anterior.
O uso do Doppler de onda contínua estima a gravidade da CoA com base na velocidade máxima do fluxo sanguíneo através da área estreita, permitindo o cálculo do gradiente de pressão através da coarctação com correção apropriada para a velocidade proximal ao local da coarctação.
Outra abordagem para estimar a gravidade da CoA é o cálculo da razão entre a velocidade máxima, através da coarctação (na visão supraesternal), e o pico de velocidade na aorta abdominal (na visão subcostal).
O fluxo sanguíneo colateral pode reduzir o gradiente através da coarctação, levando a um gradiente menos severo do que o esperado. As decisões sobre a necessidade de intervenção não dependem exclusivamente do gradiente de pressão, devendo ser considerado o quadro clínico completo do paciente.

Você pode se interessar também pelo passo a passo para fazer um exame de ecocardiograma. Clique e leia mais.

Mensuração da gravidade da obstrução aórtica com ecocardiografia

No exame do ecocardiograma, além de se obter o diagnóstico da condição, a avaliação da gravidade também pode ser estabelecida.
Essa estimativa é feita por meio de medidas obtidas na ecocardiografia com Doppler, sendo elas:

Gradiente de pressão: o que significa?

O gradiente de pressão representa a diferença de pressão entre a porção pré-coarctação (geralmente na aorta ascendente) e a porção pós-coarctação (tipicamente na aorta descendente);
Já o Doppler contínuo é usado para medir a velocidade máxima do fluxo sanguíneo na área estreita da coarctação.
É calculado usando a equação de Bernoulli, que relaciona a velocidade do fluxo e a pressão.

Calculando o gradiente de pressão média

O gradiente de pressão média é calculado integrando-se a curva de velocidade Doppler ao longo de um ciclo cardíaco e, em seguida, dividindo-se pelo intervalo de tempo. Este valor fornece uma média da obstrução ao longo do ciclo cardíaco.

Índice de pressão sistólica na coarctação de aorta

O Índice de Pressão Sistólica (PSI) é calculado dividindo-se o gradiente de pressão pela pressão sistólica na aorta pré-coarctação;
Um PSI elevado sugere uma obstrução significativa e indica a necessidade de intervenção;

Razão de velocidade na ecocardiografia

A razão de velocidade na ecocardiografia é calculada comparando-se a velocidade máxima do fluxo sanguíneo na coarctação (geralmente na visão supraesternal) com a velocidade máxima na aorta abdominal (geralmente na visão subcostal). Uma razão de velocidade maior indica uma maior gravidade da obstrução.

Cálculo de índice de coarctação

O Índice de Coarctação é calculado dividindo-se o diâmetro da aorta na área estreitada pelo diâmetro da aorta na porção não obstruída. Os valores menores indicam maior obstrução.

Critérios para a intervenção na coarctação da aorta

Avaliar cuidadosamente a gravidade da obstrução, a estabilidade clínica hemodinâmica do paciente além de alguns outros fatores é fundamental para a decisão.

Avaliando a gravidade da obstrução aórtica

A gravidade da obstrução é o principal critério da obstrução aórtica, avaliada pelo gradiente de pressão através da coarctação (a diferença de pressão entre a porção pré-coarctação e pós-coarctação). Uma pressão sistólica elevada (exemplo, PSI > 20 mmHg) ou um gradiente de pressão significativo indica uma obstrução substancial que pode necessitar de correção.

Considerando a idade do paciente na decisão de intervenção

Outro fator importante nessa decisão é a idade do paciente. A intervenção pode realizada de forma urgente ou mesmo imediata em recém-nascidos com coarctação crítica, uma vez que eles dependem do ducto arterial para o fluxo sanguíneo para o corpo.

Sintomas que indicam necessidade de intervenção

É uma indicação clara para a intervenção a ocorrência de sintomas, como:

  • Dor no peito;
  • Dispneia (falta de ar);
  • Hipertensão arterial grave;
  • Insuficiência cardíaca;
  • Dissecção aórtica.

Já em crianças e adultos mais velhos, a intervenção pode ser planejada com mais tempo, mas ainda é baseada na gravidade da obstrução.
Pensando na estabilidade hemodinâmica, a hipertensão é uma complicação comum da coarctação não tratada e pode influenciar a decisão de intervenção.

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Referências