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Aprenda a avaliar e tratar a miocardite fulminante em 5 passos

Por Ivna Girard Cunha Vieira Lima

A miocardite fulminante é uma condição grave e potencialmente fatal que envolve inflamação aguda do músculo cardíaco. Essa condição é caracterizada por uma rápida deterioração da função cardíaca e pode levar à insuficiência cardíaca e à morte súbita.

Embora a miocardite fulminante seja relativamente rara, ela pode ocorrer em qualquer faixa etária e é muitas vezes desafiadora de diagnosticar, pois os seus sintomas podem se assemelhar a outras condições médicas. Além disso, a miocardite fulminante pode se desenvolver rapidamente, exigindo uma ação imediata para salvar a vida do paciente.

Neste texto, vamos usar um caso clínico para falar mais sobre os 5 passos para lidar com esse quadro na emergência, da avaliação até o suporte circulatório mecânico

Caso clínico

Mulher 49 anos, antecedente patológico de HAS e psoríase, além de tabagismo com baixa carga-tabágica e etilismo social. Apresentou há duas semanas síndrome gripal, associada a febre e tosse. Há 2 dias apresentando dispneia em repouso, edema de membros inferiores e palpitação. Duas doses para COVID19 > 1 ano.

Deu entrada no departamento de emergência hipotensa, taquicardica e sonolenta.

  • Sinais vitais: FC 115 bpm, PA 80X60 (pressão pinçada) SAO2 90%
  • ACV: RCR em 2 tempos, BNF, sem sopros taquicardica
  • MV: EC até 1/3 medio de ambos os pulmões
  • Perfusão: Lentificada TEC > 4.5 seg, livedo (mottling score grau 3), 

Transferida para centro terciário para estabilização e seguimento

Laboratório

  • SVO2 30% lactato periferico 24 (ref ate 18)
  • Hb 12.7
  • Ht 40
  • Leuco 12000
  • Razão Neutro/Linf 1.6
  • TGO 117
  • TGP 200
  • INR 1.5
  • Creat 1.9
  • K 5.7
  • Na 140
  • Troponina 318 (ref 16)
  • ECG RS FC 120 taquicardia sinusal + BRE
  • Painel Viral – COVID+ positivo
  • TC de Tórax – Infiltrado em vidro fosco bilateral, broncopatia inflamatória e infiltrado septal liso difuso, inferindo congestão pulmonar. Sem consolidações.

Passo 1 – Diagnóstico de choque cardiogênico no beira-leito

Procure sinais de baixo débito: pressão de pulso pinçada, respiração de Cheyne-Stokes, oligúria, rebaixamento de nível de consciência. Realize avaliação da função biventricular 

No caso:

Ecocardiograma Point-of-Care – evidência de disfunção ventricular importante, coração com dimensões preservadas.

Fluxograma 1 Miocardite Filminante
Fonte: Retirado da Diretriz Brasileira de Miocardite de 2022

LEIA MAIS: Hipoperfusão tecidual: como evitá-la na monitorização hemodinâmica

Passo 2 – Diagnóstico de miocardite por COVID-19 e escolha da melhor monitorização e ferramenta diagnóstica

2 grupos de miocardite principais:

  • Infecciosa: Viral, bacteriana, parasitária 
  • Não-infecciosa: Imunológica – doença reumatica/ eosinofílica/ células-gigantes/ inibidores de check-point/ rejeição.
    • Tóxica – Uso de drogas (cocaína), metais pesados ou antipsicóticos (clozapina)

Apresentação clínica clássica da miocardite – Rash cutâneo, febre, mialgia, fadiga

Apresentação da miocardite fulminante – Choque cardiogênico, arritmia ventricular, BAVT.

Indicação de biópsia endomiocárdica (BEM) – IC aguda nova < 2 semanas com comprometimento hemodinâmico (especialmente se cavidades de tamanho normal); IC aguda nova com até 3 meses do início com cavidades dilatadas, ou instabilidade elétrica ou falha terapêutica ao tratamento convencional após 2 semanas do início

Possíveis diagnósticos – linfocítica, células gigantes, sarcoidose, eosinofílica, neutrofílica. 

Indicação de cateter de artéria pulmonar (CAP) – Choque cardiogênico estágio D ou E, ou se decidido por biópsia endomiocárdica, ou se disfunção biventricular ou se possibilidade/avaliação para a instalação de suporte circulatório.

No caso optado por realização de BEM e passagem de CAP.

Resultado da BEM: Sugestivo de miocardite linfocitíca.

Fonte: Retirado da Diretriz Brasileira de Miocardite de 2022

Passo 3 – Manejo das complicações cardiovasculares agudas

Evidenciado baixo débito cardíaco, PAPi alterado (sugerindo disfunção de VD), altas pressões de enchimento, incluindo capilar pulmonar, RVS discretamente aumentada. 

Devido a rápida deterioração do caso, além de disfunção cardio-pulmonar e biventricular.

Optado por início de dobutamina e noradrenalina. Seguido por instalação oportuna de ECMO VA fêmoro-femoral para suporte cirulatório mecânico.

Fonte: Retirado da Diretriz Brasileira de Miocardite de 2022

LEIA MAIS: Insuficiência mitral: o que é e como diagnosticar

Passo 4 – Tratamento direcionado para Miocardite Linfocitária

O estudo TIMIC, que incluiu pacientes com miocardite linfocítica diagnosticado por critérios de > 7 linfócitos por campo, associados à disfunção ventricular, ao uso de imunossupressão após 6 meses, demonstrou maior incidência de melhora da função ventricular desde que genoma viral negativo 

Optado por realização de pulsoterapia:

1g por 5 dias, seguido por 4 semanas de 1mg/kg, seguido por redução de 0.08mcg/kg/semana até a 12ª semanada, mantido 0.3mcg/kg/dia até a 20 semanas.

Miocardite linfocitária e eosinofílica

  • Primeiras 4 semanas – 1 mg/kg
  • 5 a 12 semanas – Redução da posologia em 0,08 mg/kg/semana
  • 13 a 20 semanas – Manutenção da dose em 0,3 mcg/kg/dia
  • 21 a 24 semanas – Redução da posologia para 0,08 mg/kg/semana
  • Estudo TIMIC: predinisona – 1 mg/kg por 4 semanas e 0,33 mg/kg por 5 meses; azatioprina – 2 g/kg por 6 meses

Fonte: Retirado da Diretriz Brasileira de Miocardite de 2022

Passo 5 – Manejo das sequelas crônicas

Evolução do caso paciente evoluiu com recuperação total da função ventricular, porém mantendo insuficiência cardíaca de FE intermediária.

Optado por retorno precoce e seguimento. Durante internação, foram prescritas todas as medicações modificadoras para Insuficiência Cardíaca, contraindicado exercício físico competitivo nos primeiros meses, seguido por encaminhamento para reabilitação cardiopulmonar e vacinação.

Fonte: Retirado da Diretriz Brasileira de Miocardite de 2022

Domine o tratamento das arritmias em emergência

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  • Reconhecer o eletrocardiograma normal;
  • Reconhecer as principais arritmias cardíacas;
  • Tratar as bradiarritmias e taquiarritmias;
  • Manejar o marcapasso transcutâneo, transvenoso e epicárdico;
  • Reconhecer as principais disfunções do marcapasso definitivo.

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Referência 
  1. Diretriz Brasileira da SBC de 2022 de Miocardite – DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20220412
Dra. Ivna Girard Cunha Vieira Lima

Cardiologista especialista em insuficiência cardíaca, transplante cardíaco e dispositivos de assistência circulatória pelo Instituto do Coração (InCor) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP)

5 Replies to “Miocardite fulminante: 5 passos da avaliação ao suporte circulatório mecânico”

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  2. Excelente comentário de uma excelente conteúdo de informações básica e dinâmica e capacitação e qualificação profissional!Dr William César de Andrade

  3. Caso clínico excelente, muito além da evolução habitual de uma miocardite. O bom médico é o que sabe tratar os quadros mais simples e comuns, mas que também se destaca na hora de tratar o que é raro e complexo.

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