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Manejo da pressão arterial em pacientes com AVE

O gerenciamento da pressão arterial é importante em pacientes com acidente vascular encefálico. Vamos falar sobre esse tema com base nos resultados de estudos clínicos recentes e mais relevantes sobre o tópico, para você se manter atualizado. 

Separamos para este artigo as descobertas dos ensaios clínicos CATIS, INTERACT-2 e ATACH-2, que investigaram os benefícios e desvantagens do controle da pressão arterial nesses pacientes durante a fase aguda.

Trial CATIS: o ensaio clínico randomizado sobre os efeitos da redução imediata da pressão arterial na mortalidade e incapacidade funcional do paciente com AVE isquêmico

O estudo CATIS foi um estudo multicêntrico, controlado, single-blind e randomizado cujo objetivo foi avaliar os efeitos da redução moderada da pressão arterial durante a fase aguda (primeiras 48 horas) do acidente vascular encefálico isquêmico na mortalidade e incapacidade grave aos 14 dias e 3 meses após a alta hospitalar. O estudo incluiu pacientes adultos em uma janela de 48 horas desde o início dos sintomas, que possuíam uma pressão arterial sistólica (PAS) entre 140-220. Excluiu-se pacientes que iriam realizar trombólise, já que o alvo pressórico sistólico desses pacientes é bem estabelecido como inferior a 180 mmHg.

Os participantes do estudo foram aleatoriamente designados para receber ou não terapia anti-hipertensiva dentro de 48 horas do início do acidente vascular cerebral. O alvo pressórico do grupo intervenção era reduzir a PAS de 10 a 25% em 24 horas e manter a PAS < 140 mmHg e PAD < 90 mmHg em 7 dias após a randomização. O estudo descobriu que a redução da pressão arterial durante a fase aguda do acidente vascular cerebral isquêmico não reduziu significativamente o risco de morte ou incapacidade grave aos 14 dias, ou 3 meses após o episódio. 

E como vamos aplicar esse estudo na vida real? Sabemos que a pressão arterial elevada é um fator de risco importante para o AVE e muitos pacientes chegam ao hospital com pressão arterial muito alta devido à resposta adrenérgica à isquemia cerebral. Uma das preocupações é que a redução da pressão arterial diminua a perfusão sanguínea para a área de penumbra, piorando a isquemia cerebral. Além disso, a diferença entre os grupos do estudo era apenas a pressão arterial, o que sugere que a redução dela pode não ter impacto clínico significativo no AVE. Isso pode indicar que seja tolerável ter uma pressão arterial um pouco elevada na fase aguda do AVE, assim a redução provavelmente não é prejudicial. Por outro lado, um potencial benefício apontado no estudo como desfecho secundário da terapia seria o controle da pressão arterial a longo prazo, o que pode ser importante na prevenção de eventos futuros. Portanto, ainda pode ser apropriado introduzir medicamentos anti-hipertensivos durante a internação hospitalar.

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Trial INTERACT-2: o ensaio clínico randomizado sobre redução rápida da pressão arterial em pacientes com AVE hemorragico 

O estudo INTERACT-2 foi um ensaio clínico multicêntrico, aberto e randomizado cujo objetivo foi determinar se a redução intensiva da pressão arterial precoce (nas primeiras 6 horas) reduziria o risco de incapacidade grave e morte 90 dias após hemorragia intracerebral. Esse estudo foi baseado no racional do INTERACT-1, um estudo piloto que viu que o controle pressórico nas primeiras 6 horas estava associado a menor expansão do hematoma quando comparado ao grupo controle, visto que esta menor expansão poderia estar associada a uma menor lesão encefálica e, consequentemente, a um melhor prognóstico.

Esse estudo incluiu apenas pacientes adultos, com hemorragia confirmada por um exame de imagem, e que na admissão apresentaram PAS entre 150-220 mmHg. Excluiu-se pacientes que já possuíam uma lesão estrutural encefálica, com ACEi nos últimos 30, em coma e/ou que iriam ser submetidos à craniectomia descompressiva. O alvo pressóricos no paciente do grupo intervenção era de 140 mmHg 1h após randomização, mantido assim até 7 dias ou até alta hospitalar, enquanto o grupo controle buscou-se manter uma PAS < 180 mmHg.

O estudo descobriu que a redução intensiva da pressão arterial precoce não diminuiu significativamente o risco de incapacidade grave ou morte aos 90 dias após hemorragia intracerebral. No entanto, uma análise mais detalhada usando a escala de Rankin modificada sugeriu que o tratamento intensivo pode ter melhorado os desfechos funcionais dos pacientes. Além disso, não houve aumento de eventos adversos graves ou morte associados à redução intensiva da pressão arterial.

É importante notar que, embora o estudo tenha resultados negativos em termos de desfecho primário, os desfechos secundários relacionados à funcionalidade e qualidade de vida dos pacientes parecem ser melhores com o tratamento intensivo. No entanto, é importante ter cautela na análise dos resultados, pois a razão de chances (OR) foi de 0,77-1,00, indicando um impacto clínico não tão alto.

Outro ponto importante do artigo é que os autores não conseguiram atingir a meta de pressão arterial na fase aguda (abaixo de 140 mmHg nas primeiras 6 horas). Outra questão é que o estudo avaliou um grupo de 900 pacientes com tomografia de controle em 24 horas, e a diminuição do tamanho do hematoma encontrada no estudo INTERACT-1 não foi observada, o que sugere que a melhora na funcionalidade dos pacientes talvez não esteja relacionada apenas a este fator. Portanto, é um estudo controverso, pois não alcançou significância estatística no desfecho primário, não houve diferença na expansão do hematoma entre os grupos de intervenção e controle e não foi possível atingir a meta pressórica pré-determinada na intervenção. Além disso, os hematomas avaliados eram pequenos (11 mL).

Trial ATACH-2: o ensaio clínico randomizado mais recente sobre redução intensiva da pressão arterial em pacientes com AVE hemorrágico

O estudo ATACH-2 foi um ensaio clínico multicêntrico, randomizado e aberto que teve como objetivo determinar se a redução intensiva e rápida (mais precoce do que os estudos anteriores) da pressão arterial sistólica reduziria o risco de morte ou incapacidade aos 3 meses após o evento hemorrágico. 

Esse estudo é quase uma replicação do INTERACT-2, com critérios de inclusão e exclusão bem parecidos. A diferença aqui está em uma redução da pressão arterial dentro de 2h após a randomização e mantido dentro dessa faixa nas primeiras 24 horas, além de um alvo pressórico sistólico um pouco mais baixo do que os estudos anteriores, entre 110-139 mmHg, e uso de medicamento padronizado de Nicardipina como primeira escolha e Labetalol se hipertensão mais refratária. O grupo controle do estudo visava manter a PAS entre 140-179, não excedendo esse limite, ou seja, o grupo controle também poderia usar anti-hipertensivos (diferente do que observamos no CATIS).

O estudo descobriu que a redução intensiva da pressão arterial não reduziu significativamente o risco de morte ou incapacidade aos 3 meses após hemorragia intracerebral. Ou seja, o ATACH-2 enfraquece essa intervenção massiva na pressão arterial e questiona se vale a pena manter a PAS abaixo de 140. Uma coisa que vale ser ressaltada na metodologia é que o estudo foi interrompido na segunda análise interina por motivos de futilidade (traduzindo, se todos os pacientes do grupo intervenção sobrevivessem e todos os pacientes do grupo controle morressem, não mudaria o resultado).

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Como posso aplicar esses estudos na minha prática médica?

Ainda há muita controvérsia sobre controle da pressão arterial na fase aguda do AVE. Apesar de estudos observacionais mostrarem que a pressão arterial elevada no início do quadro isquêmico está prognosticamente associada ao risco de morte e incapacidade funcional, os ensaios controlados randomizados mostraram que, embora a terapia anti-hipertensiva controle efetivamente a pressão arterial elevada no estágio agudo, esse efeito redutor da pressão arterial não se traduz em melhora do risco de morte ou dependência. 

Portanto, podemos levar para a prática uma meta de controlar a PAS, deixando abaixo de 180 mmHg e preferencialmente próxima de 140 mmHg. Contudo, essa intervenção não precisa ser tão agressiva e extremamente precoce. Dependendo da quantidade de recursos disponíveis, pode-se preferir drogas orais em vez de endovenosas para controle pressórico. O controle da pressão arterial no AVE é importante, mas não é algo que precisa ser perseguido de maneira cega e irracional, pois isso pode desencadear maiores efeitos colaterais como hipotensão.

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Dra. Larrie Laporte

Médica pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. Estatística pela Universidade Salvador. Formação em pesquisa clínica pela Harvard T.H. Chan School of Public Health. Possui interesse em medicina intensiva, cuidados paliativos, bioestatística e metodologia científica.

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