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Dor miofascial: quando indicar tratamento por ondas de choque e como conduzir?

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A dor miofascial é uma condição clínica caracterizada por pontos sensíveis em músculos e tecidos conectivos chamados de pontos-gatilho, que geram dor local e referida. Essa dor pode ser incapacitante e afetar significativamente a qualidade de vida dos pacientes. O tratamento por ondas de choque tem sido explorado como uma opção terapêutica eficaz para o manejo da dor miofascial.

Este artigo revisa os fundamentos neuro anatômicos e fisiopatológicos da dor miofascial, discute a aplicação da terapia por ondas de choque e fornece orientações sobre quando indicar e conduzir esse tratamento em pacientes com dor miofascial. 

Dor miofascial: uma visão geral

Segundo a Sociedade Brasileira de Reumatologia, o termo dor miofascial é uma condição comum, utilizada para descrever uma dor muscular regional, caracterizada por pontos-gatilho em músculos e fáscia. 

A dor miofascial é frequentemente descrita como uma dor profunda, latejante ou ardente, que pode limitar a amplitude de movimento e causar disfunção muscular. Ela ainda é uma dor mal localizada, de forma geral, acomete apenas uma região antômica. 

Como sintomas associados, temos fenômenos motores, sensoriais e autonômicos como. Devido a isto, pode ser denominada de Síndrome Miofascial.

Fatores de risco da dor miofascial

Esses pontos-gatilho podem se desenvolver e/ou se perpetuar devido a vários fatores, incluindo:

  • Trauma muscular
  • Estresse repetitivo
  • Postura inadequada
  • Fatores psicossociais
  • Imunológico
  • Hormonal
  • Infeccioso
  • Bruxismo

Epidemiologia

Segundo a literatura, a Dor Miofascial ou Síndrome Miofascial, é a causa mais frequente de dor musculoesquelética.  

Observações epidemiológicas destacam uma maior incidência de dores miofasciais em mulheres, especialmente durante a meia-idade. Este padrão pode ser atribuído a uma combinação de fatores, incluindo mudanças hormonais, sobrecarga física e estresse emocional, que são mais prevalentes nesse grupo demográfico. Entretanto,  há evidências de que a prevalência pode aumentar em homens em idade avançada. Isso pode ser atribuído a mudanças hormonais, diminuição da atividade física e maior incidência de condições musculoesqueléticas relacionadas à idade, como osteoartrite e degeneração muscular.

Estudos sugerem uma correlação entre a ocorrência de dores miofasciais e hábitos de vida sedentários. Indivíduos com baixa atividade física ou estilo de vida predominantemente sedentário podem estar mais suscetíveis ao desenvolvimento dessas condições. A falta de exercício regular pode contribuir para a rigidez muscular, desequilíbrios posturais e aumento da tensão nos tecidos miofasciais, predispondo assim à dor miofascial.

Revisão neuro anatômica e fisiopatológica 

As fibras musculares, as fibras nervosas e que juntas formam a unidade motora, uma unidade funcional que coordena a contração muscular no músculo esquelético. Quando um neurônio motor estimula-se, ele ativa simultaneamente todas as fibras musculares da unidade motora, resultando em uma contração muscular coordenada. 

Para que haja essa contração, é preciso que sinapses sejam realizadas. E isso acontece nas junções neuromusculares. Nessas junções, os neurônios motores liberam neurotransmissores, como a acetilcolina, que se ligam aos receptores na membrana da fibra muscular, desencadeando um potencial de ação e subsequente contração muscular.

Pontos gatilhos

Imagem I: Complexo do ponto gatilho. Fonte: Riberto, 2021

Os pontos-gatilhos se formam sob as fibras musculares de um músculo esquelético. Esse ponto de tensão recebe o nome de “banda tensa”. Ao apertar este local, é possível sentir uma sensibilidade maior chamada de “Twich”, no qual desencadeia uma contração súbita do local. 

Uma das teorias mais aceitas para explicar a fisiopatologia da dor miofascial é que esses pontos são áreas hiperirritáveis nos músculos esqueléticos e fáscias que estão associados à liberação de substâncias químicas pró-inflamatórias, como a acetilcolina e a serotonina. A compressão desses pontos pode levar à liberação de mediadores inflamatórios, estimulando os receptores de dor e causando sensibilização central e periférica.

A fáscia é um tecido conjuntivo denso que envolve e interconecta músculos, órgãos e estruturas corporais. Ela desempenha um papel crucial na transmissão de forças geradas pela contração muscular e na manutenção da integridade estrutural do corpo. A fáscia também é altamente inervada e vascularizada, tornando-se um substrato potencial para a geração de dor miofascial.

Os músculos são compostos por fibras musculares estriadas que se contraem em resposta a estímulos nervosos. Eles são envolvidos por camadas de fáscia que fornecem suporte estrutural e facilitam o deslizamento suave durante o movimento. Pontos-gatilho na fáscia e nos músculos podem resultar em padrões específicos de dor referida, muitas vezes distantes do local do ponto-gatilho.

Imagem II: Mecanismo da síndrome dolorosa miofascial. Fonte: Carneiro, 2004.

Manifestação clínica da dor miofascial

O paciente que refere dor miofascial geralmente apresenta-se com um ponto doloroso sobre uma área de um músculo tenso e pode ainda cursar com:

  • Diminuição da mobilidade local 
  • Fraqueza muscular 
  • Cefaleia 
  • Dormências 
  • Formigamentos
  • Vertigens
  • Urgência urinária e/ou desconfortos urinários
  • Alteração do sono e do humor também podem estar presentes. 

Assim, dores em em região orofacial, como cefaleias tensionais, dor temporomandibular, dor cervical, dorsal, lombar e pélvica, deve-se sempre pensar que podem ser uma Síndrome Miofascial.  

Os locais mais comuns de pacientes se queixarem da dor miofascial estão mostrados nas imagens abaixo: 

Imagem II: Pontos gatilhos em preto na imagem. Fonte: SHMERLING, 2024. 

Imagem III: Pontos gatilhos em preto na imagem. Fonte: SHMERLING, 2024. 

Diagnóstico 

O diagnóstico da dor miofascial geralmente é clínico. É preciso entender a história deste paciente, atividades realizadas, se está passando por alguma situação de estresse no momento. É preciso ainda explicar doenças sistêmicas e outros diagnósticos diferenciais, os quais listamos abaixo. 

O exame físico é fundamental para identificar o local, observar características e perceber como o paciente reage ao tocar no ponto-gatilho. 

Recentemente, como forma de ajudar na descrição dos pontos-gatilhos e no acompanhamento da evolução do tratamento, tem-se utilizado a Elastografia por Ultrassom e ainda o Termografia. 

Diagnóstico diferencial

É sempre importante conhecer os diagnósticos diferenciais de uma patologia a fim de orientar melhor o raciocínio clínico. Dessa forma, em relação à dor miofascial temos os seguintes diagnósticos diferenciais: 

  • Fibromialgia 
  • Afecções de partes moles: bursite trocantérica ou subacromial, tendinites, entensites
  • Dor neuropática
  • Miopatia
  • Radiculopatia, plexopatia
  • Doenças reumatológicas: polimialgia, artrites autoimunes ou induzidas por cristais

Tratamento da dor miofascial 

O tratamento da dor miofascial é frequentemente abordado de maneira multidisciplinar, dada a complexidade da condição e sua interação com diferentes áreas médicas. Especialidades como reumatologia, medicina física e odontologia desempenham papéis importantes no manejo eficaz da dor miofascial. 

A avaliação e correção de fatores mecânicos no ambiente de trabalho, por meio de práticas de ergonomia, podem ajudar a prevenir ou corrigir elementos que perpetuam a dor miofascial. Isso pode incluir ajustes na postura, mobiliário adequado e técnicas de levantamento seguro.

O agulhamento de pontos-gatilho, realizado por um especialista, pode ajudar a aliviar a dor miofascial. A acupuntura é outra opção terapêutica que tem demonstrado resultados positivos no tratamento da dor miofascial.

O tratamento medicamentoso pode incluir o uso de analgésicos, anti-inflamatórios não-hormonais, miorrelaxantes e antidepressivos para aliviar a dor e reduzir a sensibilidade dos pontos-gatilhos. A identificação e o suporte para distúrbios psicológicos também são importantes, uma vez que o aspecto emocional pode influenciar a percepção da dor e a resposta ao tratamento.

Além delas, temos ainda a terapia por ondas de choque, que falaremos mais abaixo. 

Tratamento por ondas de choque

O tratamento por ondas de choque é uma modalidade terapêutica que utiliza ondas acústicas de alta energia para tratar uma variedade de condições musculoesqueléticas, incluindo a dor miofascial. 

Aplica-se essas ondas de choque diretamente sobre os pontos-gatilho, onde promovem efeitos biológicos que ajudam a aliviar a dor e promover a cicatrização tecidual.

Existem duas formas principais de ondas de choque utilizadas na terapia: 

  • Ondas de choque focais 
  • Ondas de choque radiais. 

As ondas de choque focais são direcionadas especificamente para o ponto-gatilho, enquanto as ondas de choque radiais são dispersas em uma área mais ampla. Ambas as modalidades têm sido associadas a efeitos analgésicos, anti-inflamatórios e regenerativos.

Indicações para Tratamento por ondas de choque na dor miofascial

Indica-se o tratamento por ondas de choque para pacientes com dor miofascial que não respondem adequadamente a abordagens conservadoras, como fisioterapia, medicamentos analgésicos e terapia manual.

Além disso, pacientes com contraindicações para outras modalidades terapêuticas, como injeções de corticosteroides, podem se beneficiar do tratamento por ondas de choque.

Indicações específicas para o tratamento por ondas de choque na dor miofascial incluem:

  • Dor persistente e incapacitante que não responde ao tratamento convencional.
  • Presença de pontos-gatilho identificados por exame físico.
  • Restrição funcional devido à dor miofascial.
  • Contraindicações para outras modalidades terapêuticas.
Leia mais: 

Condução do tratamento por ondas de choque na dor miofascial

A condução do tratamento por ondas de choque envolve várias etapas, incluindo avaliação inicial, seleção de parâmetros de tratamento, aplicação das ondas de choque e acompanhamento pós-tratamento.

Antes de iniciar o tratamento por ondas de choque, deve-se avaliar detalhadamento o paciente, incluindo história clínica, exame físico e avaliação de imagem, se necessário. Isso ajudará a:

  •  Identificar os pontos-gatilho
  • Determinar a gravidade da condição
  • Energia das ondas de choque
  • Frequência de aplicação
  • Número de sessões necessárias.

Durante a aplicação das ondas de choque, o paciente é posicionado de forma a permitir o acesso ao ponto-gatilho identificado. O terapeuta então aplica as ondas de choque diretamente sobre o ponto-gatilho, usando um transdutor adequado. 

Os efeitos fisiológicos das ondas de choque no músculo esquelético abrangem uma variedade de respostas, incluindo a diminuição da transmissão nervosa em certos terminais periféricos, o que resulta em uma redução imediata da dor e relaxamento muscular. Esse processo pode ajudar a aliviar a tensão e o desconforto associados à dor miofascial, proporcionando um alívio imediato dos sintomas.

Tratamento por ondas de choque guiado por ultrassom

O tratamento por ondas de choque emerge como uma opção terapêutica promissora para pacientes com dor miofascial refratária a abordagens convencionais. Além da síndrome miofascial, as ondas de choque tem bastante utilidade em outras patologias musculoesqueléticas. 

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Referências

  1. CARNEIRO, N.M. O manejo das síndromes dolorosas miofasciais. Diretrizes em FocoRev. Assoc. Med. Bras. 50 (3) • Set 2004
  2. MELEGER, A.L. Overview of soft tissue musculoskeletal disorders. UpToDate, 2024. 
  3. RIBERTO, M. Apostila de dor miofascial e questões de estudo dirigido. Universidade de São Paulo, 2021. 
  4. SHMERLING, R.H. Approach to the patient with myalgia. UpToDate, 2024.