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Emergências abdominais: quando utilizar ultrassonografia point-of-care?

As emergências abdominais representam um amplo espectro de condições médicas que requerem intervenção imediata devido à sua gravidade potencial. A avaliação rápida e precisa é essencial para garantir o manejo adequado e melhorar os desfechos clínicos dos pacientes. 

Nesse contexto, a ultrassonografia point-of-care (POCUS) emergiu como uma ferramenta valiosa na abordagem diagnóstica das emergências abdominais, permitindo uma avaliação rápida e não invasiva no ponto de atendimento.

Epidemiologia das emergências abdominais 

Entre as principais queixas das emergências, a dor abdominal representa 5 a 10% delas. Destes, cerca de 35 a 41% acabam sendo internados devido à uma necessidade maior de avaliações extensas, que requerem exames, estabilização e até mesmo consulta com especialistas. 

Essa queixa, além de bastante comum, é muito ampla. Pode ter diversas causas, tanto benignas como malignas. E conhecer as principais etiologias e possibilidades diagnósticas é muito importante para decidir a conduta, se é necessário uma internação ou se é possível seguir a investigação/tratamento ambulatorialmente. 

Etiologia de dores abdominais

Para avaliar a dor abdominal de forma eficaz, é necessário entender os mecanismos subjacentes que podem causá-la, ter uma ampla gama de possíveis causas em mente e ser capaz de identificar padrões típicos e manifestações clínicas associadas. 

A localização da dor pode ajudar a direcionar o raciocínio clínico para o possível diagnóstico. Dessa forma, didaticamente, divide-se o abdome em quadrantes. Veja abaixo as principais causas das dores nesses locais. 

Quadrante superior

É dividido em quadrante superior direito, esquerdo e em dor epigástrica. O primeiro deles costumam a ter etiologia biliares e hepáticas, como cálculos biliares, colecistite aguda, colangite aguda, hepatite, abscesso hepático, trombose de veia porta. 

O quadrante superior esquerdo tem relação com o baço. Assim, as principais etiologias que podemos pensar em dores nesta localização são esplenomegalia, infarto esplênico, abscesso esplênico e ruptura esplênica. 

A dor epigástrica pode ser causada por problemas pancreáticos e gástricos. Entre as principais causas temos, o infarto agudo do miocárdio, pancreatite, úlcera péptica, doença do refluxo gastroesofágico. 

Quadrante abdominal inferior

Dores localizadas em região podem estar associadas a disfunções e complicações nos órgãos reprodutivos femininos e da parte do intestino. As principais patologias dessa região são apendicite aguda, diverticulite, pedras nos rins, pielonefrite, cistite, retenção urinária aguda, colite infecciosa.

Dor abdominal difusa

Devido à inervação do abdome, algumas dores são referidas como difusas, dificultando o processo diagnóstico. Entretanto, existem algumas patologias que podem se apresentar com este padrão, sendo menos específicos em sua apresentação clínica. É o caso de obstruções, perfurações do trato gastrointestinal, isquemia mesentérica, doença inflamatória intestinal, gastroenterite viral, peritonite bacteriana ou ainda câncer colorretal, gástrico ou de pâncreas. 

Emergências abdominais 

Como vimos, existe uma enorme possibilidade de causas de dores abdominais. Algumas delas aparecem de forma abrupta, causando muitas dores e levando o paciente a procurar emergências. 

Essas emergências abdominais requerem intervenções imediatas devido à sua gravidade potencial. As principais emergências abdominais encontradas no pronto-socorro serão apresentadas abaixo. 

Apendicite aguda

A apendicite aguda é a inflamação do apêndice, geralmente causada por obstrução do seu lúmen. Pode levar a complicações graves, como perfuração e peritonite.

Colecistite Aguda

Inflamação da vesícula biliar, frequentemente associada à presença de cálculos biliares. Pode causar dor abdominal intensa e complicações como a perfuração da vesícula.

Pancreatite Aguda

Inflamação do pâncreas, que pode ser causada por cálculos biliares, consumo excessivo de álcool, trauma ou outras condições. Pode resultar em complicações graves, como necrose pancreática e abscesso.

Obstrução Intestinal

Interrupção do fluxo normal de conteúdo intestinal, que pode ser causada por aderências, hérnias, tumores ou impactação fecal. Pode resultar em distensão abdominal, vômitos, dor intensa e, em casos graves, isquemia intestinal.

Peritonite

Inflamação do revestimento da cavidade abdominal, geralmente causada por infecção bacteriana devido à perfuração de órgãos abdominais, como o apêndice, o intestino ou a vesícula biliar. É uma condição grave que requer tratamento imediato com antibióticos e, em alguns casos, cirurgia.

Hemorragia Intra-abdominal

Sangramento dentro da cavidade abdominal, que pode ser causado por lesões traumáticas, ruptura de aneurismas, úlceras pépticas ou outras condições. Pode levar a choque hipovolêmico e requer intervenção urgente para controlar a hemorragia e estabilizar o paciente.

Ruptura de aneurisma da aorta abdominal

Ruptura de uma dilatação anormal da parede da aorta abdominal, que pode levar a hemorragia maciça e choque. É uma emergência cirúrgica que requer reparo imediato para evitar complicações fatais.

Isquemia mesentérica aguda

Diminuição do fluxo sanguíneo para os intestinos, geralmente devido a obstrução arterial aguda causada por trombose, embolia ou estenose arterial. Pode resultar em necrose intestinal e sepse se não tratada rapidamente.

Manejo das emergências abdominais 

Ao receber o paciente com dores abdominais na emergência, é necessário realizar uma avaliação rápida neste primeiro momento. Entretanto, ela necessita ser precisa e bem detalhada. 

Abordagem inicial das emergências abdominais

O primeiro passo é avaliar como este paciente se encontra. Se possui indicadores de gravidade e necessita de intervenções imediatas. Pode-se lançar mão de sinais que indiquem gravidade, como: 

  • Sinais de choque 
  • Presença de peritonite
  • Alteração do estado mental. 

Ao mesmo tempo que você vai analisando esses fatores, é importante ir coletando a história clínica desta dor. Para isso, algumas perguntas são importantes: 

  • Característica da dor: intensidade, irradiação, localização, qualidade
  • Há quanto tempo vem sentindo essa dor
  • É a primeira vez que acontece? 
  • Há horário preferencial? ela piora ou melhora com alguma situação?
  • Fez uso de medicamento para dor? 
  • Faz alguma associação ao aparecimento da mesma? 
  • Sintomas associados: vômito, febre, calafrios, fadiga, perda de peso, náuseas, diarreia, obstipação, hematúria.
  • Como está o processo de dejeções e diurese? 

Além disso, é importante questionar sobre doenças prévias, uso de medicamentos prévios e de uso contínuo, história de cirurgias prévias e de internações, trauma, história familiar. E caso seja mulher, principalmente as que estão em idade reprodutiva, questionar sobre gravidez, histórias obstétricas e ginecológicas. 

Exame físico

Ainda neste primeiro momento, é importante ir realizando o exame físico direcionado às prováveis causas. Deve-se realizar a coleta dos sinais vitais, como temperatura, pressão arterial, frequência cardíaca e respiratória e observar a aparência geral deste paciente. 

O exame abdominal é fundamental. Na inspeção deve-se procurar cicatrizes que podem sugerir cirurgias prévias, equimoses que podem sugerir pancreatite, hérnias. Na palpação pode se avaliar sinais de irritação peritoneal, apendicite aguda, colecistite aguda, visceromegalias, tumorações e massas. A ausculta pode ser útil em casos de obstrução intestinal. 

Além do exame abdominal, pode-se realizar exame no reto, genitálias, olhos em busca de icterícia e pele. 

Ultrassonografia point-of-care 

Hoje, a ultrassonografia point-of-care (POCUS), tornou-se uma das principais ferramentas para o diagnóstico dos pacientes que apresentam dor abdominal.  Ela é é uma técnica de imagem ultrassonográfica realizada pelo próprio médico no ponto de atendimento, sem a necessidade de encaminhamento para o serviço de radiologia. 

Essa modalidade de imagem oferece vantagens significativas na avaliação rápida e direcionada de pacientes com emergências abdominais, permitindo uma tomada de decisão rápida e precisa.

Falaremos mais sobre seu uso e seus achados abaixo. 

Exames laboratoriais nas emergências abdominais

Na avaliação do paciente com dor abdominal na emergência é possível solicitar alguns exames laboratoriais como: 

  • Hemograma completo
  • Beta-HCG quando mulher 
  • Eletrólitos
  • Lactato
  • Enzimas hepáticas e pancreáticas
  • Estudos de coagulação e tipo sanguíneo
  • Sorologias virais
  • Sumário de urina. 

Ultrassonografia point-of-care nas emergências abdominais

A ultrassonografia point-of-care (POCUS) desempenha um papel cada vez mais importante na abordagem diagnóstica de emergências abdominais, permitindo uma avaliação rápida, precisa e não invasiva no ponto de atendimento. 

Sua utilização pode auxiliar na identificação precoce de condições potencialmente graves, orientando o manejo terapêutico e melhorando os desfechos clínicos dos pacientes.

Indicações para ultrassonografia POCUS em emergências abdominais

São indicações do uso e achados da ultrassonografia point-of-care nas emergências abdominais:

  • Triagem inicial de trauma abdominal, identificando fluido livre na cavidade peritoneal, hematoma retroperitoneal e lesões parenquimatosas de órgãos sólidos;
  • Identificação de sinais sugestivos de dilatação de alças intestinais, presença de ar livre na cavidade abdominal e diminuição do fluxo sanguíneo mesentérico, sugerindo obstrução intestinal, perfuração gástrica ou intestinal e isquemia mesentérica;
  • Identificação de cálculos biliares, espessamento da parede da vesícula biliar e dilatação do ducto biliar comum, sugerindo causas hepatobiliares;
Imagem I: Colecistite aguda com líquido pericolecístico visto na ultrassonografia. (A)  Vista longitudinal da vesícula biliar mostrando pequenos cálculos sombreados na parte dependente da vesícula biliar (seta). A ultrassonografia também mostra parede espessada tanto na projeção longitudinal (ponta de seta pequena) quanto na projeção transversal (B). (B) Observa-se pequena quantidade de líquido pericolecístico (ponta de seta grande). (C) O estudo Doppler mostra aumento do fluxo sanguíneo para a parede (seta tracejada) que lembra a hiperemia de um processo inflamatório. Esses achados são consistentes com colecistite calculosa aguda. Fonte: KENDALL; MORREIRA, 2024.
  • Pode ser útil na identificação de sinais de pancreatite aguda, como aumento do tamanho e ecogenicidade pancreática, além de permitir a avaliação de complicações, como coleções líquidas peripancreáticas.;
  • Confirmar distensão urinária em paciente com retenção urinária;
  • Presença de hidronefrose, sugerindo cálculo renal obstrutivo, em paciente com dor no flanco. 
Imagem II: Ultrassonografia longitudinal de um transplante renal hidronefrótico do quadrante inferior direito mostrando dilatação dos cálices maiores e menores. Fonte: KENDALL; MORREIRA, 2024.

Vantagens da ultrassonografia POCUS

A ultrassonografia POCUS pode ser realizada rapidamente no ponto de atendimento, proporcionando uma avaliação diagnóstica quase instantânea e permitindo uma intervenção precoce, quando necessária. 

Os equipamentos de ultrassonografia POCUS são portáteis e podem ser facilmente transportados para o leito do paciente, permitindo uma avaliação contínua e dinâmica durante a evolução clínica.

Comparação com outros exames de imagem

Ao contrário de outras modalidades de imagem, como a tomografia computadorizada (TC) ou a ressonância magnética (RM), a ultrassonografia POCUS não envolve radiação ionizante e é considerada uma técnica não invasiva, sendo segura para uso em pacientes de todas as idades, incluindo gestantes.

Além disso, em comparação com outras modalidades de imagem, a ultrassonografia POCUS é relativamente econômica e pode ser realizada com custo reduzido, tornando-a acessível em diversos cenários clínicos.

Limitações da ultrassonografia POCUS

Apesar do seu uso ser muito bom, existem algumas limitações. A primeira e mais importante delas é que é um exame operador dependente. A qualidade das imagens de ultrassonografia POCUS pode variar dependendo da experiência e habilidade do operador. O treinamento adequado é fundamental para garantir a precisão diagnóstica.

Além disso, certas estruturas anatômicas podem ser de difícil visualização por ultrassonografia POCUS, especialmente em pacientes obesos ou com gás intestinal excessivo. Este exame tem limitações na avaliação de estruturas abdominais profundas, como o retroperitônio, em comparação com outras modalidades de imagem, como a TC. 

Pós-Graduação em Ultrassonografia em Emergências e UTI – Point of care

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Referências

  1. KENDALL, J.L.; MOREIRA, M.E. Evaluation of the adult with nontraumatic abdominal or flank pain in the emergency department. Uptodate, 2024
  2. PANNER, R.M.; FISHMAN, M.B. Evaluation of the adult with abdominal pain. Uptodate, 2024.
  3. PANNER, R.M.; FISHMAN, M.B. Causes of abdominal pain in adults. Uptodate, 2024.
  4. PARIYADATH, M.; SNEAD, G. Emergency ultrasound in adults with abdominal and thoracic trauma. Uptodate, 2024.