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Reabilitação cardíaca em atletas: como conduzir o tratamento?

A avaliação clínica pré-participação para atividades físico-esportivas representa uma etapa essencial no cuidado com a saúde dos esportistas e atletas. Ela consiste em uma avaliação médica sistemática e uniformizada, essencial para abranger toda a diversidade da população envolvida antes de liberá-la para o treinamento físico. Seu objetivo central é identificar ou, ao menos, suspeitar de doenças cardiovasculares que possam comprometer a prática esportiva de alto rendimento.

Essa avaliação, que deve ocorrer antes do início da atividade física e ser repetida periodicamente, desempenha um papel fundamental na prevenção do desenvolvimento de doenças do aparelho cardiovascular e da ocorrência de morte súbita. Por meio dela, é possível proibir temporariamente ou de forma definitiva a prática de atividades físicas, bem como iniciar o tratamento de condições que possam representar riscos potencialmente fatais, especialmente quando desencadeadas pelo exercício físico.

Além disso, a avaliação não se limita apenas a identificar possíveis problemas de saúde. Ela também desempenha um papel educativo ao conscientizar os praticantes de atividades físicas sobre a importância do autocuidado e da adoção de hábitos saudáveis. Ao proporcionar uma abordagem individual, a avaliação clínica pré-participação não apenas visa maximizar o desempenho esportivo, mas também garantir a segurança e o bem-estar dos atletas a longo prazo.

Anamnese e exame clínico na reabilitação cardíaca

Todo indivíduo interessado em praticar exercícios ou esportes em níveis moderados ou elevados de intensidade passa por um exame médico obrigatório. Portanto, esse exame visa detectar fatores de risco, sinais e sintomas indicativos de doenças cardiovasculares, pulmonares, metabólicas ou do aparelho locomotor. Durante esse processo, é essencial empregar técnicas clássicas de anamnese clínica, com ênfase nos aspectos relacionados à prática de exercícios e à história familiar de doenças cardiovasculares associadas ao esporte.

Uma abordagem sistemática durante a anamnese inclui a aplicação do questionário de prontidão para atividade física (PAR-Q), desenvolvido no Canadá, juntamente com questionamentos básicos conduzidos por um médico. Pontos importante para observar:

  • Casos de morte súbita ou cardiopatias congênitas na família
  • Histórico familiar de anemia falciforme ou outras hemoglobinopatias
  • Procedência de áreas endêmicas para doença de Chagas ou regiões com maior prevalência de doenças congênitas
  • Obter informações sobre o uso de drogas, ilícitas ou lícitas, que possam ser consideradas doping, mesmo que involuntariamente, ou que possam ser prejudiciais à saúde e potencialmente causar morte súbita.

Fonte: SOCIEDADE BRASILEIRA DE MEDICINA DO ESPORTE, 2014.

Exame físico

No exame físico, destaca-se várias condições clínicas, tais como:

  • Anemia
  • Alterações posturais
  • Focos infecciosos (como os dentários)
  • Doenças sistêmicas ou infecciosas graves
  • Asma brônquica
  • Obesidade
  • Diabetes mellitus
  • Hipertensão arterial sistêmica
  • Alterações na ausculta pulmonar e cardiovascular
  • Situações especiais como a gravidez.

Além disso, enfatiza-se a busca por sinais característicos relacionados à possibilidade de doença cardiovascular, como a presença de:

  • Sopro cardíaco
  • Terceira ou quarta bulhas
  • Estalidos valvares
  • Alterações na palpação dos pulsos dos membros superiores e inferiores
  • Características físicas da síndrome de Marfan, além da correta aferição da pressão arterial (em ambos os braços durante a primeira avaliação).

Portanto, no exame físico, necessita-se avaliar o grau de eventual encurtamento musculotendinoso, especialmente em grupos musculares específicos, como os isquiotibiais, quadríceps, iliopsoas, panturrilhas, adutores da coxa, trato iliotibial e musculatura dos ombros e dorso.

Exames complementares

Assim, nos exames laboratoriais de rotina para a saúde, incluem-se:

  • Hemograma
  • Glicemia em jejum
  • Ureia
  • Creatinina
  • Lipidograma
  • Ácido úrico
  • Hepatograma (TGO, TGP, gama-GT, bilirrubinas, TAP/INR)
  • Exame de urina
  • Parasitológico de fezes.

Quais as principais patologias cardiovasculares tratadas na reabilitação de atletas?

Na reabilitação de atletas, as principais patologias cardiovasculares tratadas incluem condições como cardiomiopatias, arritmias cardíacas, doença coronariana e malformações cardíacas congênitas.

A miocardite é uma enfermidade com um perfil clínico variado, podendo ser a causa provável de morte súbita em alguns atletas. Geralmente, resulta de uma infecção, mas também pode estar associada ao abuso de álcool ou drogas. A morte súbita pode ocorrer durante a fase ativa da doença ou mesmo após a formação de cicatrizes no miocárdio, devido a arritmias complexas desencadeadas por um substrato elétrico instável. Em atletas, pode ocorrer aumento do ventrículo esquerdo devido à doença em si, à hipertrofia secundária ao treinamento físico ou a uma combinação de ambos.

As arritmias cardíacas, como fibrilação atrial, taquicardias ventriculares ou síndrome do QT longo, também são tratadas na reabilitação de atletas.

Além disso, doença coronariana, que envolve a obstrução das artérias coronárias que irrigam o coração, afeta atletas com fatores de risco cardiovascular, como hipertensão, diabetes ou tabagismo. Por fim, malformações cardíacas congênitas, embora menos comuns, também podem ser identificadas em atletas durante avaliações médicas.

Tratamento na reabilitação cardíaca de atletas

O tratamento deverá ser individualizado para cada paciente. Veja abaixo o manejo das principais doenças cardiovasculares que acometem atletas.

Fases da reabilitação cardiovascular

Tradicionalmente, a reabilitação cardiovascular (RCV) divide-se em fases temporais, começando pela fase intra-hospitalar (fase 1) e seguida pelas fases ambulatoriais (fases 2 a 4).

Fase intra-hospitalar

Inicialmente, a fase 1 era reservada para a recuperação pós-infarto do miocárdio ou cirurgia cardíaca. Com o tempo, abraçou uma variedade de pacientes, incluindo aqueles submetidos a intervenções coronárias, cirurgias valvares, além de portadores de insuficiência cardíaca, doença arterial coronariana, diabetes, hipertensão e outras condições.

Assim, nessa fase, o foco está na alta hospitalar do paciente com a melhor condição física e mental possível, fornecendo orientações sobre um estilo de vida saudável, com ênfase no exercício físico. A equipe multidisciplinar, composta por médicos, fisioterapeutas e enfermeiros, desempenha um papel fundamental, mesmo que não dedicando tempo integral ao programa de reabilitação.

A transição para as fases ambulatoriais ocorre na alta hospitalar.

Fase 2, 3 e 4

A Fase 2, com duração média de três meses, é seguida pela Fase 3 (3 a 6 meses) e pela Fase 4, que é prolongada. Em todas as fases, o objetivo é progredir ou, no mínimo, manter os ganhos obtidos.

Uma abordagem flexível é necessária, pois alguns pacientes podem permanecer em uma fase de reabilitação por um longo período, enquanto outros podem progredir rapidamente. Portanto, é essencial estratificar o risco clínico para direcionar adequadamente os programas de reabilitação, oferecendo supervisão conforme necessário. Essa individualização permite que pacientes de alto risco recebam suporte contínuo, enquanto os de menor risco podem progredir para exercícios mais desafiadores, inclusive em ambiente domiciliar.

Essa abordagem estruturada visa otimizar os benefícios da reabilitação cardiovascular, garantindo uma recuperação eficaz e segura para todos os pacientes.

Como a abordagem deverá ser realizada?

No tratamento de atletas na reabilitação cardíaca, necessita-se adotar uma abordagem personalizada e abrangente. Portanto, inicialmente, uma avaliação completa da condição cardíaca do atleta é realizada, incluindo exames médicos, testes de esforço e avaliação da função cardíaca. Com base nesses resultados, metas específicas são estabelecidas, visando melhorar a saúde cardiovascular e facilitar o retorno seguro à prática esportiva.

Os programas de exercícios aeróbicos são os mais vantajosos para a saúde cardiovascular e para o controle dos fatores de risco. Esse tipo de programa envolve atividades cíclicas que recrutam grandes grupos musculares, como caminhadas, corridas, natação, ciclismo, dança, hidroginástica, entre outros.

Um programa de exercícios individualizado é então desenvolvido, começando com atividades de baixa intensidade e aumentando gradualmente conforme a tolerância do atleta. Durante todo o processo, é fundamental a supervisão médica para monitorar a resposta cardíaca ao exercício e ajustar o programa conforme necessário.

Além do exercício físico, a educação e o aconselhamento desempenham um papel crucial na reabilitação cardíaca do atleta, fornecendo informações sobre estilo de vida saudável, prevenção de lesões e estratégias para lidar com questões psicossociais relacionadas à recuperação.

Assim, a medida que o atleta progride ao longo do programa de reabilitação, avaliações regulares são realizadas para acompanhar o progresso e garantir a segurança durante o retorno gradual ao esporte competitivo. Uma equipe multidisciplinar de profissionais de saúde, incluindo cardiologistas, fisioterapeutas, nutricionistas e psicólogos, trabalha em conjunto para fornecer uma abordagem integrada e abrangente à reabilitação cardíaca do atleta.

Prognóstico do atleta

Reabilitação cardíaca da miocardite

Atletas diagnosticados com miocardite devem ser retirados de todas as atividades esportivas competitivas e submetidos a um período de recuperação de pelo menos seis meses após o início dos sintomas clínicos. Eles podem ser liberados para treinamento e competição após esse período se:

  • A função do ventrículo esquerdo, a motilidade da parede ventricular e as dimensões cardíacas retornarem aos valores normais, conforme demonstrado por estudos ecocardiográficos e de radionuclídeos em repouso e durante o esforço;
  • Arritmias ventriculares e supraventriculares complexas ou frequentes, assim como arritmias clinicamente relevantes, estiverem ausentes;
  • Marcadores inflamatórios e indicadores de insuficiência cardíaca estiverem dentro dos limites normais;
  • O Eletrocardiograma (ECG) de repouso estiver normalizado, embora a presença isolada de alterações de ST não seja um critério impeditivo para o retorno às atividades esportivas.

Reabilitação cardíaca da doença coronariana

Conforme a Diretriz da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) sobre reabilitação cardíaca, a melhora da isquemia miocárdica está associada ao:

  • Aumento do volume sistólico
  • Redução da taquicardia durante o exercício em cargas submáximas de esforço
  • Aprimoramento da resposta vasodilatadora dependente do endotélio (nível B)
  • Aumento da perfusão na microcirculação coronariana.

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Referência bibliográfica

  • Oliveira MAB, Leitão MB. Diretriz da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte: morte súbita no exercício e no esporte. Rev Bras Med Esporte. 2005;11(1):s1-8.
  • Sociedade brasileira de cardiologia. Diretriz em Cardiologia do Esporte e do Exercício da Sociedade Brasileira de Cardiologia e da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte. 2014. Disponível aqui.