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Aprenda a identificar a segmentação hepática na ressonância magnética

por Larrie Laporte

A ressonância magnética (RM) é uma ferramenta essencial na medicina diagnóstica, fornecendo informações detalhadas sobre os órgãos internos do corpo. No entanto, interpretar imagens de RM requer conhecimento e habilidades específicas, especialmente quando se trata da identificação de estruturas complexas, como a segmentação hepática. 

O fígado, um dos órgãos mais importantes do sistema digestivo, possui uma divisão anatômica complexa, composta por diferentes segmentos vasculares e funcionais. Neste contexto, dominar a identificação da segmentação hepática na RM é crucial para a compreensão precisa da anatomia hepática e o diagnóstico de suas condições, auxiliando assim os médicos no planejamento de tratamentos adequados.

Anatomia do fígado

Classificação de Couinaud

A classificação de Couinaud é um sistema amplamente utilizado para segmentar e compreender a anatomia do fígado. Essa classificação divide o fígado em oito segmentos independentes em termos de função. Cada segmento possui seu próprio suprimento vascular, fluxo e drenagem biliar, caracterizado por um ramo da veia porta, artéria hepática e ducto biliar em seu centro, além de fluxo vascular pelas veias hepáticas em sua periferia.

Classificação de Couinaud. Fonte: Radiopaedia

O sistema de segmentação hepática, descrito por Couinaud, baseia-se na identificação das três veias hepáticas e do plano que passa pela bifurcação da veia porta. A partir disso, podemos dividir em três planos verticais:

  • O primeiro é o plano da veia hepática direita, que divide o lobo direito em segmentos anterior e posterior;
  • O segundo é o plano da veia hepática média, que divide o fígado em lobos direito e esquerdo. Este plano se estende da veia cava inferior até a fossa da vesícula biliar;
  • Por fim, temos o plano umbilical, que vai do ligamento falciforme até a veia cava inferior e divide o lobo esquerdo em uma parte medial, conhecida como segmento IV, e uma parte lateral formada pelos segmentos II e III. Vale ressaltar que essa divisão é o único plano orientado verticalmente que não é definido por uma veia hepática.

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Estruturas vasculares

Em geral, identificam-se três veias hepáticas principais – direita, média e esquerda – que se conectam à veia cava inferior. A veia hepática esquerda, situada na cissura portal esquerda, resulta da junção das veias de drenagem dos segmentos II e III, formando um tronco venoso posterior curto. Geralmente, essa veia se une à veia hepática média, em cerca de 60% a 95% dos casos, antes de desembocar na veia cava inferior, enquanto adere ao ligamento venoso de Arantius. 

A veia hepática média, localizada na cissura portal média, separa o fígado esquerdo do fígado direito, drenando o segmento IV e, por vezes, recebendo ramos dos segmentos V ou VIII. Já a veia hepática direita, a maior delas, percorre a cissura portal direita, drenando as veias dos segmentos V, VI, VII e VIII. Essa veia se conecta à borda direita da veia cava inferior, posicionada lateralmente e abaixo da veia hepática média. 

Veias hepáticas. Fonte: Carithers Jr. RL, Salvalaggio PR. Liver and pancreas transplantation. ACP Medicine. 2009;1-10

A veia porta, essencial para o sistema circulatório do fígado, é formada pela união da veia mesentérica superior com o tronco esplenomesentérico, resultante da junção da veia esplênica com a veia mesentérica inferior. É importante mencionar que existem algumas variantes, como a junção dessas três veias ou a união de duas veias mesentéricas por meio da veia esplênica. 

O tronco portal formado penetra no pedículo hepático de forma oblíqua, localizado no topo, à direita e ligeiramente para frente. A variação mais comum é a horizontalização da veia porta. No hilo hepático, ocorre a bifurcação portal convencional, encontrada em cerca de 70% a 80% dos casos, que inclui um ramo direito com comprimento de 1 a 3 cm, dividindo-se em dois ramos setoriais, anterior e posterior, além de um ramo esquerdo que possui uma porção horizontal inicial e uma porção umbilical côncava anteriormente, em direção ao ligamento redondo, terminando no Rex recessus.

Sistema porta

Identificação dos segmentos hepáticos na RM

O método de segmentação hepática proposto por Couinaud é amplamente utilizado na prática médica atual. Ele se baseia na identificação das três veias hepáticas e no plano que atravessa a bifurcação da veia porta. Na primeira etapa, é necessário localizar as estruturas vasculares em três cortes axiais acima, no mesmo plano e abaixo da bifurcação da veia porta.

Bifurcação da veia porta. Fonte: Schmidt, Sabine & Demartines, Nicolas & Soler, Luc & Schnyder, Pierre & Denys, Alban. (2008). Portal Vein Normal Anatomy and Variants: Implication for Liver Surgery and Portal Vein Embolization. Seminars in interventional radiology. 25. 86-91.

Em seguida, determina-se o plano de separação entre os lobos hepáticos direito e esquerdo, que difere da divisão anatômica baseada no ligamento falciforme (ou cissura umbilical). Acima do plano da bifurcação da veia porta, corresponde ao plano da veia hepática média, enquanto abaixo é determinado pela “linha de Cantlie”, que se estende do meio da vesícula biliar até a borda esquerda da veia cava inferior. É importante evitar a armadilha de confundir esse plano com a fusão central, na qual a vesícula biliar é deslocada para a esquerda pelo ramo esquerdo do portal, alinhando-se com a cissura umbilical. Nesses casos, a linha de Cantlie não representa mais o limite entre os lobos hepáticos esquerdo e direito.

Linha de Cantile ao RM. Fonte: Radiopaedia

Para localizar o segmento I, conhecido como lobo de Spigel, devemos localizar a bifurcação portal, fissura do ligamento venoso anterior internamente, linha de Cantlie externamente, cápsula hepática posterior e veia cava inferior posterior.

Fissura do ligamento venoso

Para distinguir o setor anterior (ou paramediano) e o setor posterior (ou póstero-lateral), precisamos encontrar o plano que atravessa a veia hepática direita. Em relação ao plano da bifurcação da veia porta, o segmento VIII corresponde à parte superior do setor anterior direito, enquanto o segmento V corresponde à parte inferior. O segmento VII representa a porção superior do setor posterior direito, e o segmento VI corresponde à parte inferior. Também consideram a cissura transversa como uma referência para separar os segmentos superiores dos inferiores.

Já o segmento IV, que está localizado entre o plano da veia hepática média à direita e o eixo da cissura umbilical à esquerda. Esse segmento pode ser subdividido em dois subsegmentos: IV A (superior) e IV B (inferior), os quais são separados por uma linha que passa pela porção umbilical da veia porta esquerda.

Por fim, dividimos o lobo hepático esquerdo nos segmentos II e III. O plano de separação é complexo, sendo oblíquo em todas as direções, com o segmento III posicionado ântero-inferiormente e o segmento II posicionado póstero-superiormente. Para simplificar, alguns especialistas consideram que o lobo esquerdo é dividido em segmento II acima do plano da bifurcação da veia porta e em segmento III abaixo, uma vez que essa distinção precisa não possui relevância prática na cirurgia.

Bifurcação da veia porta e segmentação

A identificação precisa da segmentação hepática na ressonância magnética é essencial para o diagnóstico e planejamento de procedimentos médicos. Através dos métodos e técnicas descritos, os profissionais de saúde podem adquirir o conhecimento necessário para interpretar e analisar as imagens com precisão, permitindo um tratamento mais eficaz e personalizado para os pacientes.

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Dra. Larrie Laporte

Médica pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. Estatística pela Universidade Salvador. Formação em pesquisa clínica pela Harvard T.H. Chan School of Public Health. Possui interesse em medicina intensiva, cuidados paliativos, bioestatística e metodologia científica.