Posted on

Revise os principais conceitos sobre trabalho de parto

Seja você médico generalista, emergencista ou obstetra, com certeza você já precisou ou vai precisar fazer um parto! E é crucial compreender em profundidade sua definição e características distintivas. O trabalho de parto é diagnosticado quando uma paciente apresenta contrações uterinas regulares, que ocorrem de forma rítmica e progressiva, resultando em uma dilatação do colo do útero de, pelo menos, 4 centímetros. 

Confira a seguir uma revisão com tudo que você precisa fazer na hora de trazer um bebê ao mundo!

Períodos do trabalho de parto

Quando se trata do trabalho de parto, entender seus diferentes períodos é essencial para o manejo adequado e o cuidado eficiente das pacientes. Confira um resumo sobre cada um:

Período prodrômico

O período que antecede o trabalho de parto é o período prodrômico, caracterizado por contrações regulares que não causam uma dilatação cervical de mais do que quatro centímetros. Este período não progride com uma dilatação cervical expressiva e pode ocorrer até mesmo a partir das 34 semanas de gestação. É fundamental compreender que esse período não significa trabalho de parto propriamente dito. 

É importante distinguir as contrações de trabalho de parto das contrações de Braxton Hicks, também conhecidas como “contrações de treinamento” ou “falsas contrações”. Estas não são indicativas do trabalho de parto real, mas sim uma resposta natural dos músculos do útero, que se contraem e endurecem, imitando as contrações reais do parto. 

Período de dilatação (primeiro período)

Durante o trabalho de parto, o período de dilatação desempenha um papel fundamental. É nesse estágio que a mulher entra efetivamente em trabalho de parto e a dilatação do colo do útero progride dos 4 cm até atingir a dilatação total de 10 cm. Durante esse período, a paciente experimenta contrações uterinas efetivas e progressivas, que desempenham um papel essencial na abertura do colo uterino. 

O período de dilatação é subdividido em dois estágios: 

  • Estágio latente: que abrange a dilatação inicial até 5 cm;
  • Estágio ativo: que ocorre quando a dilatação é superior a 5 cm, progredindo em média de 1 a 1,5 cm por hora.

Durante essa fase crucial, existem várias medidas que podem ser adotadas para garantir um bom manejo do trabalho de parto. É essencial controlar e registrar no partograma os sinais vitais da mãe, como a pressão arterial e a frequência cardíaca, além de monitorar a frequência das contrações uterinas e a frequência de diurese.

O toque vaginal a cada 4 horas é realizado para avaliar a progressão da dilatação e a altura da apresentação. Estimular a deambulação, permitir a presença de um acompanhante (um direito garantido por lei), e incentivar uma dieta de líquidos claros também são medidas benéficas nessa fase.

Quanto ao alívio da dor, é importante considerar opções de analgesia, tanto farmacológicas quanto não farmacológicas, para proporcionar conforto à paciente. No entanto, é essencial evitar práticas desatualizadas e desnecessárias, como tricotomia, enemas e toques vaginais excessivos.

Período expulsivo (segundo período)

O período expulsivo ocorre logo após a dilatação total do colo do útero até a expulsão do bebê. Durante essa fase, é essencial adotar medidas adequadas para garantir um parto seguro e bem-sucedido.

Uma das principais práticas a serem realizadas é o controle do bem-estar fetal, monitorando a frequência cardíaca do bebê, que agora passa a ser a cada 5 minutos. Pode ser monitorado através do monitor da cardiotocografia. Além disso, medidas de proteção perineal, como massagem perineal e compressas mornas, podem ser aplicadas para minimizar o risco de lacerações perineais grau 3 ou 4.

Técnicas a serem evitadas no período expulsivo

É importante ressaltar que certas práticas são proscritas nessa fase. A episiotomia rotineira, um procedimento cirúrgico no qual é feito um corte na região do períneo (entre a vagina e o ânus), para ampliar o canal de parto, não deve ser realizada indiscriminadamente. Essa intervenção é realizada em situações específicas, como quando há risco iminente de lacerações graves ou em casos de distocia de ombro. Embora tenha sido uma prática rotineira no passado, atualmente a episiotomia é considerada uma intervenção desnecessária. 

Episiotomia. Fonte: CEJAM 

A manobra de Kristeller, também conhecida como pressão abdominal, é uma técnica controversa que envolve a aplicação de pressão externa no abdômen da mulher durante o período expulsivo do trabalho de parto. O objetivo dessa manobra é auxiliar na expulsão do bebê, promovendo um parto mais rápido e eficiente. No entanto, seu uso não é amplamente recomendado devido aos riscos associados. A aplicação excessiva de pressão pode causar danos à mãe e ao feto, como lacerações uterinas, fraturas de costelas, danos ao fígado e lesões no bebê. Por esse motivo, as diretrizes obstétricas modernas desencorajam o uso da manobra de Kristeller, priorizando métodos mais seguros e respeitosos durante o parto.

LEIA MAIS: Avaliação de pré-natal: cálculo da idade gestacional ao US

Período de secundamento (terceiro período)

O período de secundamento, também conhecido como terceiro período do trabalho de parto, marca o momento crucial em que ocorre o desprendimento da placenta e clampeamento do cordão umbilical. Durante essa fase, é fundamental adotar as medidas adequadas para garantir um desfecho seguro e saudável.

Algumas medidas importantes nesse período são: 

  • Realizar o clampeamento oportuno do cordão umbilical, geralmente após 1-2 minutos do nascimento do bebê;
  • A tração controlada do cordão pode ser aplicada para auxiliar na liberação da placenta;
  • A administração de ocitocina, geralmente 10 UI via intramuscular, é recomendada para promover a contração uterina e prevenir hemorragias pós-parto;
  • A revisão do canal de parto e da placenta também faz parte dos procedimentos necessários nessa fase.

Por outro lado, é importante evitar práticas inadequadas. A tração ativa e intensa do cordão não é recomendada, por levar a complicações como hemorragia pós-parto, lesões uterinas e ruptura uterina. É fundamental seguir as melhores práticas e técnicas comprovadas para garantir um secundamento seguro e minimizar riscos para a mãe e o recém-nascido.

Período de Greenberg (quarto período)

O período de Greenberg, também conhecido como quarto período, abrange a primeira hora após o parto, sendo um momento crítico que requer atenção especial. Durante essa fase, o foco está na garantia da hemostasia adequada do sítio placentário e na observação cuidadosa das contrações uterinas e do sangramento.

Nessa etapa crucial, é recomendado colocar o recém-nascido em contato pele a pele com a mãe. Esse contato proporciona uma série de benefícios, fortalecendo o vínculo entre mãe e filho, estimulando a amamentação e promovendo o equilíbrio térmico do bebê.

Além disso, é importante observar a loquiação, que é a eliminação do sangue e tecidos uterinos após o parto. Essa observação contínua permite identificar possíveis anormalidades e monitorar o processo de recuperação pós-parto.

Evite enviar imediatamente a mãe e o recém-nascido para a enfermaria sem uma observação contínua nesse período essencial. A vigilância adequada durante o período de Greenberg é fundamental para garantir a saúde e o bem-estar de mãe e filho.

Mecanismo de parto

Durante o processo de parto, o feto realiza uma série de movimentos na pelve materna. Esses movimentos são subdivididos quatro em etapas cruciais: insinuação, descida, desprendimento e restituição. Entenda melhor cada uma delas:

  • No estágio de insinuação, o feto adentra a bacia materna, preparando-se para o nascimento;
  • Em seguida, ocorre a descida, quando o feto alcança o ponto zero de De Lee. Durante esse processo, o feto realiza uma rotação interna para adotar a posição OP (occipito-posterior);
  • O desprendimento marca o momento em que ocorre a liberação do polo cefálico do feto. Nessa etapa, é importante aparar a cabeça do bebê e segurar o períneo com cuidado para evitar lacerações. O bebê realiza uma rotação externa nesse momento. Para auxiliar o desprendimento do ombro anterior, é recomendado colocar as palmas das mãos nas regiões parietais do feto e, com o dedo em forma de forquilha na região do pescoço, aplicar uma pressão controlada para baixo. Após a liberação do ombro anterior, uma pressão controlada para cima é aplicada para desprendimento do ombro posterior;
  • Por fim, a restituição marca a parte final do trajeto, quando o corpo do bebê é completamente expelido.

LEIA MAIS: Prematuridade: entenda como é feito o rastreamento e prevenção

Como manejar um trabalho de parto no pronto atendimento?

Quando lidamos com um trabalho de parto no pronto atendimento, é essencial adotar uma abordagem cuidadosa e eficiente. Para isso, algumas etapas-chave devem ser seguidas para garantir o melhor atendimento à gestante.

A anamnese desempenha um papel crucial, envolvendo a coleta de informações relevantes, como idade gestacional, paridade, idade da gestante, histórico pré-natal, presença de comorbidades, cirurgias anteriores, incluindo cesáreas, e antecedentes obstétricos. Esses detalhes fornecem insights valiosos para direcionar o manejo adequado.

O exame físico é a segunda etapa, abrangendo a avaliação dos batimentos cardíacos fetais (BCF), a palpação e avaliação do útero, o tônus uterino, a observação de sangramento, além da medição da pressão arterial e dos sinais vitais. O toque uterino é realizado para avaliar a dilatação e o progresso do trabalho de parto, mas é importante evitar fazer de maneira excessiva.

Exames complementares podem ser solicitados, incluindo cardiotocografia para avaliar a vitalidade fetal, testes rápidos para detecção de doenças como VDRL e HIV, e Coombs indireto para avaliar possíveis incompatibilidades sanguíneas.

Com base no diagnóstico e na identificação de fatores de risco, as condutas apropriadas são estabelecidas. É fundamental estar preparado para lidar com possíveis complicações e prever medidas preventivas para garantir a segurança da mãe e do bebê.

Durante o puerpério imediato, é necessário estar atento a qualquer sangramento excessivo nas primeiras horas após o parto, pois isso pode indicar complicações que exigem intervenção imediata.

Possíveis complicações no trabalho de parto

Durante o trabalho de parto, algumas complicações podem surgir, exigindo uma abordagem especializada para garantir a segurança e o bem-estar da mãe e do bebê. É importante reconhecer e lidar prontamente com essas situações para evitar complicações mais graves.

Uma das complicações possíveis é umaa apresentação anômala, como a apresentação pélvica, que requer um manejo diferenciado. Nesses casos, é crucial evitar a tração para não causar cabeça derradeira persistente. 

Pode ocorrer também distocias, definidas em três tipos:

  • Distocias funcionais, relacionadas à contratilidade uterina;
  • Distocias de trajeto, quando algo está obstruindo o nascimento (por exemplo, um tumor);
  • Distocias de objeto, quando o bebê não se encaixa adequadamente em uma variedade de posições, também podem ocorrer. 

Entre as distocias, as distocias de espáduas podem ser especialmente desafiadoras. Nesses casos, é crucial chamar ajuda e realizar manobras específicas, como elevar as pernas da gestante, aplicar pressão externa supra-púbica, realizar episiotomia quando necessário e realizar manobras internas, como a manobra de Rubin II, manobra de Woods e Woods invertido. Em alguns casos, a alteração da posição da gestante, como colocá-la em quatro apoios, pode ser necessária. 

Pressão externa supra-púbica. Fonte: FEBRASGO
Manobras Rubin II, Woods e Woods invertido. Fonte:

O sofrimento fetal é outra complicação que requer atenção imediata. Avaliar constantemente os batimentos cardíacos do bebê é fundamental, identificando possíveis desacelerações e tomando as medidas apropriadas para preservar sua saúde.

A hemorragia pós-parto é uma complicação potencialmente grave, mas que pode ser controlada com técnicas adequadas. Existem várias causas possíveis, incluindo atonia uterina (falha do útero em contrair adequadamente após o parto), lacerações do canal de parto, descolamento prematuro da placenta, retenção de restos placentários, distúrbios de coagulação sanguínea e trauma uterino. O reconhecimento precoce dessas causas é fundamental para iniciar o manejo adequado.

Tenha o ultrassom como aliado em emergências obstétricas (e outras também!)

A ultrassonografia é uma ferramenta importante para o médico emergencista devido a seu baixo custo, portabilidade e capacidade de trazer informações valiosas em um momento crítico, desde que se saiba como interpretar seus achados. Na Pós-Graduação em Ultrassonografia em Emergências e UTI – Point of Care, você aprende não só a lidar com emergências obstétricas, mas também:

  • Identificará patologias nas principais especialidades e conhecer os princípios básicos de formação de imagem pelo ultrassom nos modos B, M e Color Doppler;
  • Utilizará a ultrassonografia para guiar procedimentos invasivos;
  • Saberá reconhecer ao ultrassom a anatomia abdominal, torácica, cardíaca, vascular, sistema urogenital e do SNC;
  • Estará capacitado a realizar os principais protocolos de emergência (FAST, EFAST, RUSH, Blue, FATE, etc.).

Dra. Larrie Laporte

Médica pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. Estatística pela Universidade Salvador. Formação em pesquisa clínica pela Harvard T.H. Chan School of Public Health. Possui interesse em medicina intensiva, cuidados paliativos, bioestatística e metodologia científica.

Referências

  1. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Assistência ao parto normal: um guia prático. Genebra, 2000. 93 p
  2. GRUPO DE TRABALHO DO GUIA DE PRÁTICA CLÍNICA SOBRE CUIDADOS COM O PARTO NORMAL. Guia de prática clínica sobre cuidados com o parto normal: Plano de Qualidade para o Sistema Nacional de Saúde do Ministério da Saúde e Política Social. Vitoria-Gasteiz: Servicio Central de Publicaciones del Gobierno Vasco, 2010. 316 p.
  3. QUEENSLAND MATERNITY AND NEONATAL CLINICAL GUIDELINES PROGRAM. Normal Birth. Brisbane: State of Queensland (Queensland Health), 2012.
  4. NATIONAL COLLABORATING CENTRE FOR WOMEN’S AND CHILDREN’S HEALTH. Intrapartum care: care of healthy women and their babies during childbirth. London: RCOG Press., 2014. 839 p.