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Trombose de prótese mecânica: como conduzir os casos na prática?

Trombose de prótese mecânica: aprenda a manejar um paciente com esse quadro clínico!

A trombose de prótese mecânica refere-se à formação de coágulos sanguíneos em torno de uma válvula cardíaca mecânica implantada. A trombose representa uma das complicações mais temidas, com uma incidência variando de 0,2% a 6% em câmaras cardíacas esquerdas e podendo chegar a até 20% em próteses tricúspides. A principal condição predisponente é a anticoagulação inadequada, identificada em 82% dos casos.

Essa complicação pode interferir no funcionamento normal da válvula cardíaca e aumentar o risco de acidente vascular cerebral (AVC), embolia sistêmica e outras complicações relacionadas à circulação sanguínea.

Quais os fatores de risco para trombose de prótese mecânica?

Um dos principais fatores de risco é o não cumprimento do regime terapêutico anticoagulante prescrito. Pacientes que não tomam a dose correta ou não seguem rigorosamente a terapia anticoagulante têm um risco aumentado de formação de coágulos.

Além disso, a qualidade do anticoagulante utilizado desempenha um papel crucial. A eficácia do tratamento anticoagulante pode variar dependendo do tipo e da dosagem do medicamento prescrito.

Outros fatores de risco incluem condições clínicas subjacentes, como distúrbios sanguíneos e condições médicas como fibrilação atrial. Esses fatores podem aumentar a propensão à trombose em pacientes com próteses mecânicas.

Fisiopatologia da trombose de prótese mecânica

Os mecanismos exatos ainda não são totalmente compreendidos, porém, alguns dos principais contribuintes incluem que a presença de uma prótese mecânica pode perturbar o fluxo sanguíneo normal, criando áreas de estase ou turbulência. Essas condições favorecem a agregação plaquetária e a ativação do sistema de coagulação sanguínea.

Além disso, a implantação da prótese mecânica pode causar danos ao revestimento interno dos vasos sanguíneos, desencadeando uma resposta inflamatória local. Essa inflamação pode promover a adesão de plaquetas e a formação de coágulos. Outro fator é que a própria estrutura da prótese mecânica pode interferir no fluxo sanguíneo normal e na dinâmica da circulação, criando locais onde os componentes sanguíneos tendem a se acumular e formar coágulos.

Manifestações clínicas do paciente com trombose de prótese mecânica

As manifestações clínicas da trombose mecânica da válvula protética (TVP) podem variar de acordo com a presença e gravidade da disfunção valvar associada. Geralmente, a disfunção valvar causada pela TVP é predominantemente de obstrução (estenose), sendo a regurgitação uma ocorrência rara. Os sintomas em pacientes com TVP e/ou obstrução podem variar desde alterações detectadas incidentalmente na aparência da válvula ou no gradiente valvar observado em um ecocardiograma, até sintomas mais evidentes como:

  • Alterações nos cliques mecânicos de fechamento da válvula protética
  • Tromboembolismo
  • Sinais de insuficiência cardíaca (IC) como dispneia, fadiga, crepitações pulmonares, choque cardiogênico, pré-síncope ou síncope
  • Em casos raros, morte súbita.

Os sintomas e sinais de um evento tromboembólico podem surgir independentemente da presença de obstrução valvar. No caso da TVP no lado esquerdo (mitral ou aórtica), podem ocorrer eventos embólicos sistêmicos, como:

  • Acidente vascular cerebral
  • Embolia periférica
  • Em casos raros, infarto do miocárdio.

Já a TVP no lado direito (tricúspide ou pulmonar) pode resultar em êmbolos pulmonare e a TVP tricúspide, em particular, pode levar a êmbolos sistêmicos por meio de embolização paradoxal.

Diagnostico da trombose de prótese mecânica

O diagnóstico da trombose de prótese mecânica geralmente requer uma combinação de dados clínicos, exames laboratoriais e de imagem.

Avaliação clínica

Os sintomas e sinais clínicos podem sugerir a presença de trombose de prótese mecânica. Estes podem incluir dispneia inexplicada, dor torácica, palpitações, síncope, sinais de insuficiência cardíaca, entre outros.

No entanto, esses sintomas não são específicos e podem ser causados por várias outras condições cardíacas, por isso, a avaliação clínica é apenas um aspecto do diagnóstico.

Exames laboratoriais

Os exames laboratoriais podem incluir a medição de marcadores sanguíneos, como D-dímero, que pode ser elevado na presença de trombose.

No entanto, esses marcadores não são específicos para trombose de prótese mecânica e podem estar elevados em uma variedade de outras condições médicas.

Exames de imagem

Para avaliar pacientes com suspeita de trombose de prótese mecânica (TVP), obstrução ou tromboembolismo, deve-se realizar exames de imagem por meio de ecocardiograma transtorácico (ETT).

O ETT desempenha um papel essencial nessa avaliação, permitindo a medição do gradiente médio de pressão transvalvar da prótese para determinar se há obstrução valvar significativa. Além disso, o exame também inclui a:

  • Avaliação da aparência da válvula protética
  • Identificação da presença e gravidade da regurgitação protética
  • Avaliação da função ventricular esquerda e direita
  • Identificação de outras possíveis fontes de êmbolos.

Embora o ETT seja geralmente o teste preferido para avaliação de gradientes de válvulas protéticas. Em alguns casos com resultados abaixo do ideal, a ecocardiografia transesofágica (ETE) pode ser útil na avaliação mais precisa dos gradientes.

No diagnóstico da obstrução da válvula protética, é importante observar o gradiente de pressão transvalvar médio por ecocardiografia. Um aumento significativo nesse gradiente, especialmente quando comparado aos valores basais, pode sugerir obstrução da válvula protética. Se não houver resultados prévios para comparação, um gradiente acima dos valores normais estabelecidos para válvulas desse tipo e tamanho pode indicar obstrução.

Portanto, ao avaliar pacientes com suspeita de TVP, obstrução ou tromboembolismo, o ETT desempenha um papel fundamental, fornecendo informações valiosas para o diagnóstico e o planejamento do tratamento adequado.

Ecocardiografia transesofágica

A ETE permite avaliar a aparência, movimento e função do disco valvar protético (obstrução e regurgitação), características de trombo e causas alternativas de êmbolos. O ETE tridimensional é sugerido quando disponível, pois pode detectar trombos protéticos que são perdidos ou apenas parcialmente visualizados pelo ETE bidimensional.

A ETE é útil na avaliação das válvulas mitrais mecânicas porque o trombo está frequentemente localizado no lado atrial esquerdo da válvula e, portanto, pode ser visto na imagem da ETE. No entanto, o ETE é menos útil para avaliação de próteses valvares aórticas mecânicas (particularmente válvulas de folheto duplo e quando há mais de uma prótese mecânica instalada) porque a face posterior da válvula sombreia a própria válvula nas visualizações esofágicas. As visualizações transgástricas costumam ser mais úteis para avaliar o movimento protético do disco aórtico.

Tomografia computadorizada por multidetectores (TCMD)

A tomografia computadorizada por multidetectores (TCMD) desempenha um papel fundamental na avaliação da aparência e movimento do disco valvar protético, bem como nas características do trombo. Esta técnica é especialmente eficaz na avaliação de massas paravalvares, fornecendo informações precisas sobre o movimento restrito do disco. Além disso, a TCMD é uma ferramenta essencial para identificação de diagnósticos alternativos, apresentando resultados consistentes com vegetações e trombos atriais em níveis de precisão comparáveis aos da ecocardiografia transesofágica (ETE).

A TCMD também se correlaciona bem com a fluoroscopia na identificação de movimentos restritos do disco valvar, oferecendo uma avaliação abrangente da função protética. No entanto, é importante observar que a TCMD pode enfrentar desafios na detecção de massas finas e altamente móveis devido à sua resolução temporal.

Fluoroscopia

A fluoroscopia é uma técnica usada para avaliar o movimento mecânico do disco valvar protético, sendo especialmente útil para detectar o movimento do disco em próteses como as monodisco de Bjork-Shiley ou Sorin. No entanto, é importante observar que a fluoroscopia não permite a avaliação de tecidos moles, como trombo ou pannus, associados à válvula.

Geralmente realizada no laboratório de cateterismo por um operador experiente, a fluoroscopia fornece uma avaliação confiável do movimento do disco valvar, complementando outras técnicas de imagem. Quando se trata de avaliar o movimento monodisco de próteses específicas, como as mencionadas anteriormente, tanto a fluoroscopia quanto a ecocardiografia transesofágica (ETE) podem ser utilizadas, sendo o ETE geralmente preferido devido à sua capacidade de visualização adicional de massas no disco valvar.

Portanto, a combinação de fluoroscopia com outras modalidades de imagem, como ETE e tomografia computadorizada por multidetectores (TCMD), proporciona uma avaliação abrangente e precisa do funcionamento das próteses valvares cardíacas.

Tratamento da trombose de prótese mecânica

Para pacientes com válvula cardíaca protética mecânica do lado esquerdo trombosada e sintomas moderados a graves, é essencial buscar ajuda médica imediata. Nesse contexto, pacientes classificados como classe funcional III ou IV da New York Heart Association (NYHA), devem ser encaminhados a uma equipe especializada em válvulas cardíacas para avaliação e consideração de tratamentos como infusão lenta, terapia fibrinolítica de baixa dose ou cirurgia de emergência.

A escolha entre cirurgia ou fibrinolíticos depende de diversos fatores, incluindo a:

  • Experiência cirúrgica local disponível
  • Características clínicas do paciente
  • Contraindicações específicas, como contraindicação à fibrinólise
  • Além do tamanho e localização do trombo.

Pacientes graves

Para pacientes com sintomas graves, intervenção urgente é necessária, sendo a cirurgia geralmente preferida em vez de fibrinólise. Esta decisão é baseada na gravidade dos sintomas e na urgência da situação.

Durante o período pré-operatório, o paciente recebe tratamento com heparina não fracionada (HNF) intravenosa, visando um tempo de tromboplastina parcial ativada entre 2 a 2,5 vezes o controle.

Assim, para casos específicos, como trombo grande ou móvel, a intervenção urgente é recomendada, geralmente por meio de cirurgia. Pacientes com trombose valvar mecânica do lado esquerdo com trombo móvel de determinado diâmetro também requerem ação imediata, frequentemente optando-se pela cirurgia como tratamento.

Para pacientes com obstrução valvar leve a moderadamente sintomática, uma tentativa de anticoagulação terapêutica pode ser feita inicialmente, com o uso de heparina não fracionada intravenosa (IV) e aspirina. Se não houver melhora após esse período, terapia fibrinolítica pode ser considerada.

Pannus obstrutivo ou para pacientes sintomáticos refratários à fibrinólise

Em casos de pannus obstrutivo ou para pacientes sintomáticos refratários à fibrinólise, a cirurgia valvar é sugerida como a melhor opção. Assim, para situações onde há incerteza no diagnóstico entre trombo ou pannus, o manejo geralmente segue o protocolo para pannus, a menos que as características clínicas indiquem fortemente o contrário. Lembrando que o pannus se refere a um tecido fibroso que cresce sobre ou ao redor de uma prótese valvar cardíaca.

Essas medidas, baseadas em diretrizes e recomendações atualizadas, visam proporcionar o melhor cuidado possível para pacientes com trombose de prótese mecânica, garantindo uma abordagem eficaz e personalizada para cada caso.

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Referência bibliográfica

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