Posted on

Entenda como diagnosticar e fazer o acompanhamento dos casos da restrição de crescimento fetal seletiva

Aprenda sobre a restrição de crescimento fetal seletiva, as opções de diagnóstico da condição e como realizar um acompanhamento dos casos de RCFS. Boa leitura! 

A restrição do crescimento fetal seletiva (RCFS) é uma condição rara, porém significativa, em gestações gemelares monocoriônicas ou diamnióticas, caracterizada pelo crescimento desigual dos fetos, resultando em restrição de crescimento em apenas um dos gêmeos. Este distúrbio pode apresentar complicações sérias, como parto prematuro, óbito fetal e complicações neurológicas para o feto afetado. 

É crucial que os médicos estejam familiarizados com a RCFS, pois o diagnóstico precoce e o manejo adequado são essenciais para orientar o acompanhamento pré-natal, tomar decisões terapêuticas oportunas e oferecer suporte às famílias afetadas, visando reduzir riscos e otimizar os desfechos neonatais.

Incidência da restrição do crescimento fetal seletiva (RCFS) na prática clínica 

A restrição do crescimento fetal seletiva é definida como o peso fetal de um dos fetos abaixo do percentil 10 para a idade gestacional, sendo documentada em pelo menos 10% das gestações gemelares monocoriônicas. 

É importante ressaltar que não é necessário a discordância de líquido entre os fetos, a sua fisiopatologia parece ser diferente da síndrome de transfusão feto fetal, apesar de que, não é possível descartar algum nível de sobreposição entre estas condições. 

Acredita-se que a restrição seletiva do crescimento fetal ocorra devido a um desequilíbrio na divisão placentária, em que um dos fetos será perfundido por uma pequena fração da placenta compartilhada, enquanto o segundo terá disponível uma superfície placentária muito maior para a sua perfusão.

Apesar da desproporção na distribuição dos territórios placentários entre os gêmeos parecer ser a causa primária para a restrição de crescimento seletivo, a presença de comunicações vasculares apresenta papel importante no resultado perinatal e isso fica bastante evidente nos casos em que ocorre óbito de um dos fetos. 

Após o óbito fetal haverá uma redistribuição súbita de fluxo através destas comunicações placentárias, podendo levar a hipotensão súbita no feto sobrevivente. Dessa forma, tem-se um aumento do risco de comprometimento do desenvolvimento neuromotor e até mesmo de óbito do segundo feto.

Imagem representativa da pesquisa sobre Restrição de Crescimento Fetal Seletiva
Restrição do crescimento seletivo. Fonte: Miller et al., 2023.
Leia também: 10 estudos que melhoram o atendimento dos ginecologistas

Estadiamento da restrição do crescimento fetal seletivo

Um sistema de estadiamento foi proposto por Gratacos e colaboradores com base nos achados do Doppler da artéria umbilical. Classifica-se em restrição do tipo: 

  • I: fluxo diastólico final na artéria umbilical é normal; 
  • II: há diástole reversa ou ausente de forma permanente;
  • III: existe diástole reversa ou ausente de maneira intermitente. 

Cada um destes tipos está associado com padrões diferentes de anastomoses vasculares e a diferentes cursos clínicos, que podem influenciar durante o pré-natal no monitoramento e condução do caso.

É possível, ainda, dividir esses tipos de restrição seletiva em outros dois grupos, sendo:

  • o primeiro contendo a restrição do tipo I, que possui bom prognostico;
  • o segundo contendo as restrições do tipo II e III, que apresentam graus diferentes de severidade

Alguns sinais de gravidade que podem ser encontrados nos tipos II e III são:

  • idade gestacional < 24 semanas;
  • discordância de peso > 35%;
  • oligoâmnio, diástole reversa e ducto venoso com IP > p95.

Tais sinais indicam prognóstico muito pior quando presentes. A condução destes casos deve, pois, ser avaliada em seus diversos aspectos, incluindo severidade da doença, vontade dos pais e condições técnicas disponíveis.

Descubra também: Como avaliar a ultrassonografia transvaginal e conduzir o atendimento

Fatores de risco associados à restrição do crescimento fetal seletiva 

A restrição do crescimento fetal seletiva (RCFS) é uma condição complexa e multifatorial, e diversos fatores de risco podem estar associados ao seu desenvolvimento, incluindo:

  • Gestação múltipla monocoriônica ou diamniótica;
  • Complicações placentárias, como placenta prévia, descolamento prematuro da placenta e insuficiência placentária;
  • Fatores maternos, como hipertensão arterial, pré-eclâmpsia, diabete, doença autoimune e infecção;
  • Alterações no fluxo sanguíneo uteroplacentário, como detectado por dopplerfluxometria;
  • Tabagismo e consumo de álcool ou drogas;
  • Idade materna avançada ou jovem;
  • Histórico obstétrico prévio de RCFS;
  • Deficiências nutricionais.
Banner promocional: Conheça os cursos de especialização e pós-graduação no Cetrus.

Diagnóstico pré-natal da restrição do crescimento fetal seletiva

Ultrassonografia

O diagnóstico de restrição de crescimento fetal seletiva (RCFS) é geralmente estabelecido durante o segundo trimestre da gestação, utilizando medidas biométricas do feto, discrepância de crescimento e parâmetros do Doppler da artéria umbilical (AU)

Identificar essa condição no terceiro trimestre é menos frequente e tende a apresentar desfechos mais positivos. O peso fetal estimado (PFE) abaixo do percentil 3 para um feto é um indicativo. Além disso, são considerados pelo menos dois dos seguintes quatro critérios:

  • peso fetal estimado abaixo do percentil 10 para um dos gêmeos;
  • circunferência abdominal abaixo do percentil 10 para um dos gêmeos;
  • índice de pulsatilidade da artéria umbilical acima do percentil 95 para o gêmeo de menor peso;
  • discrepância de peso de pelo menos 25 por cento entre os gêmeos.

Dopplerfluxometria 

É essencial notar que a interpretação do Doppler da artéria umbilical (AU) difere em gestações únicas ou em múltiplos dicoriônicos. Isso ocorre já que ela não apenas reflete as diferenças de tamanho relativo na participação placentária, mas também a magnitude das comunicações vasculares entre os gêmeos.

Garantindo o resultado adequado da forma de onda da AU

A reprodutibilidade das medidas é mais consistente quando obtidas na porção livre do cordão umbilical, com um ângulo de insonação próximo a 0 graus, durante a tranquilidade fetal. Ajustes na zona focal, ganho e frequência de repetição de pulso são necessários para maximizar a qualidade das imagens.

A velocidade de varredura inicial deve permitir a visualização de quatro a seis formas de onda, ocupando cerca de 75% da tela Doppler. Para avaliar a variação da velocidade diastólica final na AU, é necessário reduzir a velocidade de varredura para mostrar o padrão clássico em mais de seis formas de onda (conhecido como forma de onda 1).

Em algumas situações, a mãe pode precisar reter a respiração para evitar interferências durante a medição da forma de onda. 

É recomendado visualizar ambas as artérias umbilicais, pois o padrão de fluxo pode variar. No entanto, anastomoses interarteriais, se presentes, podem equalizar o fluxo sanguíneo, mesmo que os territórios placentários supridos pelas artérias umbilicais sejam distintos.

Identificação eficaz das formas de onda da UA

Identificar as formas de onda da UA é mais eficaz próximo à inserção do cordão placentário, onde as anastomoses entre os gêmeos na placenta têm um impacto maior nos fluxos ao Doppler da artéria umbilical. 

É prudente avaliar a inserção próxima do cordão placentário com uma distância entre as inserções do cordão abaixo do quinto percentil, ou 3,3 a 4,0 cm durante a gestação. Isso porque certos padrões, como a velocidade diastólica final intermitente ausente ou invertida, observada no tipo 3 de sFGR, são mais comuns nesse contexto específico.

Confira: Guia sobre como ingressar no programa Mais Médicos

Diagnóstico diferencial da restrição de crescimento fetal seletiva 

O diagnóstico diferencial da restrição de crescimento fetal seletiva (RCFS) envolve a distinção dessa condição de outras causas de restrição de crescimento fetal, já que os sinais clínicos podem se sobrepor em algumas situações.

Restrição de crescimento fetal não seletiva

O primeiro diagnóstico diferencial é a restrição de crescimento fetal não seletiva, em que a restrição afeta ambos os fetos em uma gestação gemelar, diferente da RCFS, em que apenas um feto é afetado.

Malformações fetais

Outro diagnóstico é o de malformações fetais, em que anomalias congênitas levam a medidas biométricas menores, mas não existe necessariamente uma restrição de crescimento isolada. 

Mola hidatiforme parcial

Ainda, a mola hidatiforme parcial também pode sugerir um crescimento restrito, devido à presença de tecido fetal intrauterino. Porém, não é necessário um estudo para identificar a condição. 

Condições maternas

Ainda, condições maternas, como hipertensão, diabete gestacional, entre outras, podem impactar o crescimento fetal de maneira geral. No entanto, é importante diferenciar esses casos da RCFS por meio de exames específicos e acompanhamento detalhado.

Leia também: Como conduzir o exame do ultrassom transvaginal com excelência e dicas sobre o posicionamento do aparelho

Protocolos de seguimento da avaliação do crescimento fetal ao longo da gestação

Os protocolos de seguimento dependem de qual tipo de RCFS apresenta a paciente. No tipo 1, identificado pelo fluxo persistente direto no UA, devem ser iniciadas séries semanais de avaliação do perfil biofísico de 28 a 32 semanas.

Em caso de estabilidade, o parto pode ocorrer entre a 23ª e a 36ª semana ou mesmo antes, a depender dos padrões apresentados também pela mãe. Por outro lado, em caso de progresso da restrição, deve-se instaurar uma vigilância aumentada com avaliações duas vezes por semana e incluir a avaliação do ducto venoso

Quanto ao protocolo de seguimento do tipo 2 e 3, recomenda-se o seguinte: 

Imagem representativa do Protocolo de Seguimento Tipo 2 e 3 para Restrição de Crescimento Fetal Seletiva
Protocolo de seguimento para o RCFS tipos 2 ou 3. Fonte: Miller et al., 2023.
Descubra também: Pós em Medicina Fetal ou US Obstétrica?

Manejo e tratamento da restrição do crescimento fetal seletiva (RCFS)

O manejo da restrição do crescimento fetal seletiva (RCFS) geralmente envolve uma abordagem multidisciplinar e cuidadosa, visando monitorar o bem-estar fetal, prevenir complicações e tomar decisões terapêuticas quando necessário.

Inicialmente, o acompanhamento regular com ultrassonografias detalhadas, avaliação do fluxo sanguíneo fetal por Doppler e medição do crescimento fetal são cruciais para detectar alterações precoces e acompanhar a progressão da condição.

Ainda, monitorar os movimentos fetais, frequência cardíaca fetal e testes não estressantes podem ajudar a avaliar o bem-estar do feto afetado. Acompanhado disso, deve haver um controle rigoroso de condições maternas, como hipertensão, diabete ou outras complicações médicas, sendo essa prática essencial para minimizar impactos adicionais ao feto.

Em casos graves de RCFS, o momento do nascimento pode ser uma consideração crítica. A avaliação do obstetra determinará se é mais benéfico realizar o parto prematuro ou continuar a gestação com monitoramento intensivo. Pensando nisso, o uso de medicamentos para melhorar a circulação sanguínea no feto pode ser necessário.

Como médico, ainda, é importante ter em mente que a restrição do crescimento fetal seletiva pode ser emocionalmente desafiadora para os pais. Oferecer suporte emocional, informações claras sobre a condição e o plano de tratamento é fundamental.

Entenda também: Por que fazer uma especialização médica com o Cetrus?

Descubra como se especializar na Ultrassonografia em Ginecologia e Obstetrícia (GO)

Descubra como se especializar na Ultrassonografia em Ginecologia e Obstetrícia (GO) para aprimorar suas habilidades na avaliação de pacientes gestantes e fetos. Os exames ultrassonográficos em GO têm papel fundamental no diagnóstico, monitoramento e avaliação de condições ginecológicas e obstétricas.

Ao investir na capacitação nessa área, o médico adquire a habilidade de captar imagens nítidas e precisas, essenciais para diagnósticos precisos e tomada de decisões clínicas assertivas. Além disso, a educação continuada não apenas aprimora suas habilidades, mas também abre portas para oportunidades de trabalho mais atrativas.

Explore os cursos oferecidos pelo Cetrus, centro de ensino médico referência em Ultrassonografia e diagnósticos de imagem. Invista no seu desenvolvimento profissional e destaque-se na área. Conheça os cursos do Cetrus para impulsionar sua carreira médica na Ultrassonografia em Ginecologia e Obstetrícia.

Referências