Encefalopatia crônica: como conduzir a terapia nutricional na prática médica?
Encefalopatia crônica: aprenda a conduzir a terapia nutricional na prática médica!
A encefalopatia crônica refere-se a um conjunto de distúrbios cerebrais crônicos que afetam as funções cognitivas e neurológicas. Esses distúrbios podem ser causados por uma variedade de condições subjacentes, como doença hepática crônica, insuficiência renal crônica, distúrbios metabólicos, doenças neurodegenerativas ou exposição a toxinas.
Cada uma dessas condições clínicas afeta o cérebro de maneira variada, resultando em distúrbios na circulação sanguínea, na transmissão de sinais entre os neurônios e no metabolismo cerebral. Esses distúrbios se manifestam de maneira diversa, dependendo da gravidade e da duração da lesão.
Etiologia da encefalopatia crônica
Esse distúrbio pode ser desencadeados por uma variedade de fatores, cada um com suas próprias implicações e mecanismos.
Doença hepática crônica
A encefalopatia hepática é uma complicação frequente em pacientes com doença hepática crônica, como cirrose. A disfunção hepática resulta na acumulação de toxinas no sangue, especialmente amônia, que pode atravessar a barreira hematoencefálica e afetar o funcionamento cerebral.
Esse acúmulo de toxinas compromete a neurotransmissão e o metabolismo cerebral, levando a sintomas característicos da encefalopatia crônica.
Insuficiência renal crônica
A encefalopatia urêmica é uma complicação comum em pacientes com insuficiência renal crônica avançada. Nesse contexto, a ureia e outras toxinas acumuladas na corrente sanguínea afetam diretamente o cérebro, levando a disfunções neurológicas.
Além disso, distúrbios eletrolíticos associados à insuficiência renal podem desempenhar um papel significativo na patogênese da encefalopatia crônica.
Distúrbios metabólicos
Distúrbios metabólicos como hipoglicemia, hiponatremia e desequilíbrios eletrolíticos podem causar encefalopatia crônica, especialmente em casos graves e prolongados.
A alteração do equilíbrio metabólico compromete a função celular e interfere nos processos neuroquímicos essenciais para o funcionamento cerebral adequado.
Doenças neurodegenerativas
Certas doenças neurodegenerativas, como Alzheimer, Parkinson e demência vascular, estão associadas a uma forma específica de encefalopatia crônica. A progressão dessas condições resulta na deterioração gradual do tecido cerebral, afetando a cognição, o comportamento e as funções motoras.
A encefalopatia crônica nessas circunstâncias é uma manifestação direta da degeneração cerebral subjacente.
Exposição a toxinas
A exposição crônica a toxinas ambientais, como:
- Álcool
- Drogas ilícitas
- Metais pesados
- Produtos químicos industriais
Pode desencadear encefalopatia crônica. Essas substâncias exercem efeitos neurotóxicos diretos, interferindo na integridade estrutural e funcional do cérebro.
Tipos de encefalopatias
Alguns dos tipos de encefalopatias mais frequentes são:
- Encefalopatia hipertensiva
- Encefalopatia hipóxico-isquêmica
- Hepática
- Encefalopatia de Wernicke-KorsaKoff
Encefalopatia hipertensiva
A encefalopatia hipertensiva é caracterizada por sintomas neurológicos transitórios e migratórios, que estão associados ao estado de hipertensão maligna em situações de emergência hipertensiva.
Os pacientes frequentemente têm histórico de hipertensão arterial e geralmente estão em tratamento com uma variedade de fármacos anti-hipertensivos. Eles relatam episódios de:
- Cefaleia
- Confusão mental
- Zumbido
- Alterações visuais
- Convulsões
- Náuseas
- Vômitos.
Além disso, alguns sintomas associados a lesões nos órgãos-alvo incluem dores torácicas lancinantes devido à dissecção aórtica, insuficiência cardíaca congestiva, angina, palpitação, arritmia, dispneia e sintomas relacionados à insuficiência renal aguda. Em geral, esses sintomas são reversíveis, desde que o tratamento seja iniciado prontamente.
A morbimortalidade das encefalopatias hipertensivas está diretamente relacionada à gravidade da lesão nos órgãos-alvo. Para o tratamento desses pacientes, o principal objetivo é reduzir os níveis de pressão arterial, e o nitroprussiato de sódio é geralmente o fármaco de primeira escolha em emergências hipertensivas. Alternativamente, bloqueadores alfa1-adrenérgicos, bloqueadores de canal de cálcio, bloqueadores de receptores beta-adrenérgicos e vasodilatadores coronarianos podem ser indicados, dependendo do caso específico.
Encefalopatia hipóxico-isquêmica
A Encefalopatia Hipóxico-Isquêmica (EHI) representa uma condição clínica grave que leva à hipoperfusão cerebral, acidose e hipóxia, resultando em lesões intraparenquimatosas, frequentemente irreversíveis. Isso geralmente se manifesta com uma alta taxa de morbimortalidade.
Em casos mais severos, a mortalidade pode atingir entre 55% e 75%, com óbitos frequentemente ocorrendo dentro do primeiro mês de evolução. Aqueles que sobrevivem à fase aguda da lesão podem apresentar sequelas significativas, incluindo retardo mental, paralisia cerebral e epilepsia.
Na abordagem inicial, é essencial priorizar a manutenção das vias aéreas, ventilação, circulação e pressão arterial sistêmica (PAS).
Mesmo que as convulsões sejam assintomáticas e detectadas apenas pelo eletroencefalograma (EEG), é necessário tratá-las. Deve-se ter cuidado para evitar a hiperventilação do paciente, pois isso pode levar à hipoperfusão devido aos efeitos secundários dessa manobra.
Hepática
As encefalopatias hepáticas representam complicações graves e comuns da cirrose hepática. A classificação da encefalopatia hepática varia conforme a gravidade dos sintomas neurológicos, podendo ser episódica, persistente ou mínima. Dessa forma, a amônia continua a ser o principal fator responsável pela patogênese da encefalopatia hepática.
Uma opção a ser considerada é o transplante hepático, dado que a taxa de mortalidade desses pacientes dentro de um ano é superior a 50%. Outros alvos terapêuticos incluem agentes que visam diminuir os níveis séricos de amônia, como L-ornitina-L-aspartato e L-ornitina fenilacetato (LOLA).
Encefalopatia de Wernicke-KorsaKoff
A encefalopatia de Wernicke-Korsakoff é uma condição neurológica grave que resulta de deficiência de tiamina (vitamina B1). Caracteriza-se por uma tríade clássica de sintomas que incluem confusão mental, ataxia e oftalmoplegia.
Outros sintomas podem incluir nistagmo, fraqueza muscular, comprometimento da memória de curto prazo e mudanças no estado mental. A principal causa da encefalopatia de Wernicke-Korsakoff é o consumo crônico de álcool, que pode levar a uma dieta pobre em tiamina, bem como à interferência na absorção e utilização da tiamina pelo organismo.
O tratamento da Encefalopatia de Wernicke-Korsakoff envolve a administração de tiamina por via intravenosa para reverter a deficiência e prevenir complicações neurológicas.
Encefalopatia traumática
É importante observar que a encefalopatia pode ser desencadeada por um golpe de forte intensidade. Os sintomas geralmente começam com síndromes motoras, incluindo sintomas cerebelares e piramidais. À medida que a doença progride e seus efeitos se acumulam, podem surgir síndromes extrapiramidais, cognitivas e comportamentais.
Sintomas como:
- Estados amnésicos
- Demência
- Desorientação têmporo-espacial
- Alterações de personalidade com episódios de raiva e
- Síndrome do ciúme mórbido tendem a se manifestar em estágios mais avançados da doença.
Diagnostico da encefalopatia crônica
O diagnóstico da encefalopatia crônica geralmente é feito com base em uma combinação de história clínica detalhada, exame físico, avaliação neurológica e testes complementares.
O médico irá entrevistar o paciente e/ou seus cuidadores para obter informações detalhadas sobre os:
- Sintomas apresentados
- Duração e a progressão dos sintomas
- Histórico médico preexistente
- Uso de medicamentos
- Histórico de exposição a toxinas
- Outros fatores relevantes.
No exame neurológico o médico irá avaliar os sinais vitais, o estado mental, a função neurológica, a coordenação motora, os reflexos e outras funções cerebrais. Isso pode ajudar a identificar sinais de comprometimento neurológico associados à encefalopatia crônica.
Exames complementares
Diversos testes laboratoriais podem ser realizados para avaliar a função hepática, renal e metabólica, bem como para verificar os níveis de eletrólitos, glicose, amônia e outros parâmetros sanguíneos que podem estar relacionados à causa subjacente da encefalopatia crônica.
A ressonância magnética e a tomografia computadorizada podem ser solicitados para:
- Avaliar a estrutura cerebral
- Identificar lesões, anomalias ou alterações estruturais que possam estar contribuindo para os sintomas neurológicos.
Na imagem abaixo é possível observar um paciente com Síndrome de Wernicke. Os cortes Coronal FLAIR (A) e axial T2 (B,C) mostram focos de hipersinal na substância cinzenta periaquedutal, tálamos em região paramediana, corpos mamilares (setas), tecto e tegmento do mesencéfalo. Em T1 após contraste (D) observa-se realce em corpos mamilares (setas) e tecto do mesencéfalo.
Fonte: http://www.rb.org.br/
Como manejar um paciente com encefalopatia crônica?
O manejo de um paciente com encefalopatia crônica visa controlar os sintomas, melhorar a qualidade de vida e tratar a causa subjacente sempre que possível.
Tratamento da causa subjacente
Identificar e tratar a condição subjacente que está causando a encefalopatia crônica é fundamental. Isso pode envolver o controle da doença hepática, renal ou metabólica, ou o tratamento de distúrbios neurodegenerativos, dependendo do caso.
Tratamento medicamentoso
Podem ser prescritos medicamentos para controlar sintomas específicos, como anti-epilépticos para convulsões, agentes psicotrópicos para sintomas comportamentais ou terapia hormonal para distúrbios endócrinos associados.
Suporte psicossocial
Pacientes com encefalopatia crônica e seus cuidadores muitas vezes enfrentam desafios emocionais e sociais significativos. Oferecer apoio psicológico, grupos de apoio e recursos comunitários pode ajudar a lidar com esses aspectos.
Como conduzir a terapia nutricional na encefalopatia crônica?
A terapia nutricional desempenha um papel essencial no manejo da encefalopatia crônica, especialmente em casos associados a condições como doença hepática crônica ou desnutrição.
O primeiro passo é realizar uma avaliação nutricional abrangente para determinar as necessidades nutricionais específicas do paciente. Isso pode incluir a:
- Medição do estado nutricional
- Avaliação da ingestão alimentar
- Análise de exames laboratoriais
- Risco de desnutrição.
Se forem identificadas deficiências nutricionais, como baixos níveis de vitaminas, minerais ou proteínas, é importante corrigi-las por meio da suplementação dietética adequada ou, se necessário, por via intravenosa. Em pacientes com encefalopatia hepática, é preciso evitar substâncias tóxicas para o fígado, como álcool e determinados medicamentos.
Suplementação de vitaminas
A suplementação de vitaminas, especialmente tiamina, pode ser necessária, especialmente em pacientes com Encefalopatia de Wernicke-Korsakoff ou outras condições associadas à deficiência de tiamina.
Dieta com restrição de proteínas
Em casos de encefalopatia hepática, uma dieta com restrição de proteínas pode ser recomendada para reduzir a produção de amônia no intestino, que é um fator contribuinte para a encefalopatia.
Além disso, uma dieta rica em fibras pode ajudar a prevenir a constipação, que é comum em pacientes com encefalopatia hepática. No entanto, em casos de diarreia grave, pode ser necessário limitar a ingestão de fibras.
É importante monitorar regularmente a ingestão alimentar, o peso corporal e os parâmetros bioquímicos para garantir que o paciente esteja recebendo a quantidade adequada de nutrientes e para ajustar o plano nutricional conforme necessário.
Prognóstico da encefalopatia crônica
O prognóstico da encefalopatia crônica pode variar significativamente dependendo da causa subjacente, da gravidade dos sintomas e da resposta ao tratamento.
A gravidade dos sintomas neurológicos e cognitivos pode impactar significativamente o prognóstico. Pacientes com sintomas leves a moderados podem ter um prognóstico melhor em comparação com aqueles com sintomas graves e incapacitantes. Além disso, complicações associadas à encefalopatia crônica, como infecções secundárias, complicações metabólicas ou deterioração neurológica progressiva, podem afetar o prognóstico e a sobrevida.
Outro fator que auxilia no bom prognóstico é a adesão do paciente ao tratamento prescrito e às recomendações de estilo de vida pode influenciar significativamente o prognóstico. Pacientes que seguem as orientações médicas têm maior probabilidade de alcançar melhores resultados.
Ultrassonografia neurológica Point Of Care em emergência e UTI
Na emergência e na unidade de terapia intensiva, a deterioração neurológica pode ocorrer rapidamente, sendo preciso uma tomada de decisão precisa que pode impactar significativamente o resultado clínico do paciente. Através da avaliação e monitoramento ultrassonográfico, o médico tem a capacidade de identificar alterações na pressão intracraniana, desvio da linha média e comprometimento hemodinâmico, o que auxilia no raciocínio clínico e na definição da conduta a ser adotada.
Referência bibliográfica
- Chalela, JA. Acute toxic-metabolic encephalopathy in adults. UpToDate. 2020. Disponível aqui. Acesso em 13 de Fevereiro de 2024.
- Piovesana AMSG. Encefalopatia crônica, paralisia cerebral. In: Fonseca LF, Pianetti G, Xavier CC, editores.Compêndio de neurologia infantil. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002. p. 825-38.