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Coração de atleta: Conheça as principais alterações fisiológicas

Tudo que você precisa saber sobre o “coração de atleta”: conheça as principais alterações fisiológicas cardíaca. 

O coração humano é uma máquina notável, adaptando-se e respondendo de maneira singular às demandas físicas impostas pelo exercício. Assim, “coração de atleta” é o nome dado à remodelação estrutural, funcional e elétrica que acompanha o treinamento atlético regular.

Esta é, por sua vez, uma adaptação fisiológica importante que ajuda os esportistas a ter um desempenho melhor em tarefas físicas do que os não atletas e uma das mudanças fisiológicas que podem tornar um bom atleta excelente.

O coração: revisão anatômica e fisiológica

O coração, órgão central do sistema cardiovascular, desempenha um papel crucial na circulação sanguínea e no fornecimento de oxigênio e nutrientes para todo o corpo. Assim, antes de falarmos sobre as alterações cardiovasculares sofridas com a prática da atividade física, é importante fazermos uma breve revisão da sua anatomia e fisiologia. 

Anatomia do coração

O coração humano é um órgão muscular oco, localizado no mediastino, entre os pulmões. Ele é dividido em quatro câmaras, sendo dois átrios (direito e esquerdo) e dois ventrículos (direito e esquerdo), funcionando assim como uma bomba dupla. 

O átrio direito recebe sangue venoso, enquanto o átrio esquerdo recebe sangue arterial oxigenado. Os ventrículos, por sua vez, bombeiam o sangue para os pulmões e para o resto do corpo.

Entre as câmeras, temos as válvulas cardíacas. Estas, por sua vez, desempenham um papel crucial na regulação do fluxo sanguíneo unidirecional. Assim, as válvulas atrioventriculares (tricúspide à direita e mitral à esquerda) separam os átrios dos ventrículos, enquanto as válvulas semilunares (pulmonar à direita e aórtica à esquerda) controlam a saída de sangue dos ventrículos para os vasos sanguíneos.

Ciclo cardíaco

O ciclo cardíaco é dividido em sístole e diástole. Durante a sístole, os ventrículos se contraem, impulsionando o sangue para a circulação. Já, na diástole, os ventrículos relaxam, permitindo que as câmaras cardíacas se encham novamente.

Assim, de forma contínua, esse ciclo mantém o fluxo sanguíneo adequado para atender às demandas metabólicas do corpo.

Fisiologia do sistema cardiovascular

O sistema cardiovascular é responsável pelo transporte eficiente de oxigênio, nutrientes e produtos de resíduos em todo o corpo. O sangue, composto por células sanguíneas e plasma, é impulsionado pelo coração através de um intrincado sistema de vasos sanguíneos.

Existem dois tipos de circulação: 

  • Pulmonar: O lado direito do coração recebe sangue venoso do corpo e o bombeia para os pulmões através da artéria pulmonar. Nos pulmões, ocorre a hematose, onde o sangue libera dióxido de carbono e absorve oxigênio. Assim, o sangue arterializado retorna ao coração através das veias pulmonares para iniciar o ciclo novamente.
  • Sistêmica: Já o lado esquerdo do coração recebe o sangue arterializado dos pulmões e o bombeia para o resto do corpo através da aorta. Os vasos sanguíneos arteriais, arteríolas e capilares garantem a entrega de oxigênio e nutrientes aos tecidos. Assim, o sangue desoxigenado retorna ao coração através das veias cavas, reiniciando o ciclo circulatório.

Regulação neuronal e hormonal 

O sistema responsável pela regulação da frequência cardíaca e da força de contração é o sistema nervoso autônomo. O nervo vago diminui a frequência cardíaca, enquanto os nervos simpáticos a aumentam. 

Em relação à regulação hormonal, temos que hormônios como a adrenalina influenciam a atividade cardíaca.

Controle da pressão arterial

A pressão arterial é mantida pela interação complexa entre o débito cardíaco, a resistência vascular periférica e o volume sanguíneo. Assim, mecanismos renais, hormonais e neurais trabalham em conjunto para regular a pressão arterial e garantir um fluxo sanguíneo adequado aos órgãos vitais.

Atividade física e os benefícios na saúde cardiovascular

Já está bem consolidado, em toda a classe médica e órgãos regulares de saúde, que a atividade física possui benefícios cardiovasculares, reduzindo os riscos e complicações cardíacas. Está na Diretriz de Hipertensão, Diabetes e da Dislipidemia, por exemplo, mostrando o impacto que o exercício físico provoca na saúde dos pacientes. 

Assim, a atividade física melhora a sensibilidade à insulina, facilitando a captação de glicose pelas células e auxiliando no controle glicêmico. Além disso, promove a redução da resistência vascular periférica, contribuindo para a diminuição da pressão arterial. Ela ainda auxilia na manutenção do peso corporal adequado, reduzindo a adiposidade visceral, um fator de risco para complicações cardiovasculares em pacientes diabéticos.

Para os atletas, que geralmente fazem em média 20h de exercícios semanais, além dos benefícios cardiovasculares, o coração passa por adaptações estruturais, eletrofisiológicas, bioquímicas, metabólicas e neurogênicas.  

Alterações fisiológicas no coração dos atletas

Segundo a literatura, existem dois tipos de exercício: o isotônico, que envolve movimento articular e alteração do comprimento muscular com contrações rítmicas de intensidade relativamente pequena, e isométrico, que exige um aumento marcado do tónus muscular, sem alteração significativa do comprimento dos músculos ou da mobilidade articular, envolvendo principalmente a realização de força sem movimento significativo.

Além disso, existe ainda os graus de intensidade, que pode ser leve, moderado e intenso. Assim, as alterações estruturais do “coração de atleta” variam de acordo com a prática esportiva praticada. Além de que, vai sofrer influência também do tempo de treinamento que essas pessoas costumam realizar. 

Entre as principais alterações de acordo com o exercício físico pratica são:

  • Hipertrofia ventricular esquerda predominantemente excêntrica é observada em esportes com alta dinâmica e baixa demanda estática (por exemplo, corrida);
  • Esportes com altas demandas estáticas (por exemplo, levantamento de peso) levam à hipertrofia predominantemente concêntrica;
  • Em esportes com altas demandas dinâmicas e estáticas (por exemplo, ciclismo), a hipertrofia é mista. 

No geral, essas adaptações fisiológicas acontecem no coração de quem treina mais de uma hora por dia na maioria dos dias. 

Além disso, em relação ao sexo, essas alterações são mais intensas no sexo masculino do no feminino, se compararmos pessoas com a mesma idade, dimensões corporias e níveis de treinamento. 

As alterações mais comuns são: 

  • Aumento da massa muscular, espessura da parede e tamanho da câmara do ventrículo esquerdo (VE), devido à maior carga de volume e pressão;
  • Aumento do volume de ejeção e débito cardíaco máximo;
  • Bradicardia (frequência cardíaca de repouso baixa);
  • Aumento do tempo de enchimento diastólico; 
  • Aumento do tônus vagal, que resulta em uma menor demanda de oxigênio pelo miórcio;
  • Aumento da hemoglobina e do volume sanguíneo. 

Apesar das mudanças, as funções diastólica e sistólica permanecem iguais.

Sinais e sintomas do coração do atleta

O coração de atleta, por se tratar de alterações fisiológicas e geralmente benignas, são assintomáticas. Enfrentando, o paciente pode se apresentar com bradicardia, sopro sistólico e sons extracardíacos, como o desdobramento fisiológico do 2ª bulha durante a inspiração e e 4ª bulha, por exemplo. Por isso, é importante uma anamnese e um exame físico bem feito.

Além disso, nos exames complementares, como o eletrocardiograma, é possível encontrar algumas alterações que serão vistas abaixo. 

Alterações eletrocardiográficas 

As principais alterações que são encontradas nas eletrocardiográficas de atletas são: 

Distúrbios de ritmo

  • Bradicardia sinusal
  • Arritmia sinusal, principalmente relacionada à respiração
  • Parada sinusal, com batimento ou ritmo de escape ectópico ou retomada do ritmo sinusal
  • Marcapasso atrial ectópico
  • Outros ritmos, como ritmo juncional.

Bloqueio atrioventricular

  • Bloqueio atrioventricular de primeiro grau
  • Bloqueio atrioventricular (AV) de segundo grau, Möbitz tipo I ou tipo Wenckebach
  • Dissociação atrioventricular.
  • Bloqueios AV de alto grau raramente foram observados em atletas; eles podem ser indicativos de doença cardíaca subjacente e são uma indicação para avaliação posterior.

Alterações morfológicas

  • Aumento da amplitude e o entalhe da onda P
  • Aumento de voltagem QRS:
    • Evidência de HVE – por exemplo, índice de Sokolow e Lyon aumentado (SV1 + RV5)
    • Evidência de RVH – por exemplo, RV1 + SV5 aumentado
    • Bloqueio de ramo direito incompleto (atraso final de condunção ventricular)
    • O eixo frontal QRS está geralmente entre 0–90° e é em média normal.

Anormalidades de repolarização

Segmento ST

  • Elevação do ponto J
  • Elevação do segmento ST
  • Depressão do segmento ST

Onda T

  • Ondas T altas e pontiagudas
  • Ondas T entalhadas
  • Baixa amplitude ou ondas T isoelétricas
  • Ondas T bifásicas
  • Ondas T bifásicas com negatividade terminal
  • E ondas T invertidas.

Diagnósticos diferenciais das alterações do coração de atleta

Apesar de as alterações do coração de atleta serem fisiológicas, é importante que o médico consiga diferenciá-las de patologias cardíacas. Para isso, é importante conhecer os diagnósticos diferenciais possíveis. Dentre eles, os dois principais são cardiopatia dilatada e a cardiomiopatia hipertrófica.  

Dentre as principais causas de morte súbita entre atletas, a cardiomiopatia hipertrófica está presente como a principal anomalia cardíaca estrutural. Ele pode levar à palpitações e até mesmo casos de fibrilação atrial, devendo ter uma atenção especial a esta causa.  

Cardiomiopatia hipertensiva

A cardiomiopatia hipertrófica é uma doença genética, caracterizada por uma hipertrofia ventricular esquerda, sem dilatação ventricular. Ela pode ser classificada em obstrutiva (subaórtica e médio-ventricular) ou em não-obstrutiva (subaórtico-apical, concêntrica, apical e tipo músculo papilar). 

Pacientes com essa patologia podem desenvolver obstrução na saída do ventrículo esquerdo, disfunção diastólica, isquemia do miocárdio e ainda insuficiência mitral. E como consequências dessas alterações, podem desenvolver sintomas como fadiga, dispneia, dor torácica e palpitações. 

Para os médicos, é preciso se atentar às semelhanças e diferenças e diferenças entre esta patologia e o coração de atleta. Abaixo, na tabela, é possível observar alguns padrões clínicos para distinguir as formas não obstrutivas da cardiomiopatia hipertrófica e o coração de atleta: 

Tabela I: Critérios clínicos utilizados para distinguir as formas não obstrutivas da MCH do Coração de Atleta, em indivíduos com espessura da parede miocárdica entre os 13-15 mm. [Adaptado de Maron BJ, (2)] – Fonte: EMANUEL, s/d

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Referências

  1. Fagard, R. Athlete’sheart. Heart. 2003 Dec; 89(12): 1455–1461.
  2. FERREIRA, E. F. E. Coração de Atleta. Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, Tese de Mestrado, S/d. Disponível em: https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/18510/2/TESE%20EMANUEL%20FERREIRA%20FMUC.pdf 
  3. GHORAYEB, N.; BATLOUNI, M; PINTO, I.M.F.; DIOGUARDI, G.S. Hipertrofia ventricular esquerda do atleta: resposta adaptativa fisiológica do coração. Artigo Original • Arq. Bras. Cardiol. 85 (3) • Set 2005, https://doi.org/10.1590/S0066-782X2005001600008  
  4. MARON, M. S. Hypertrophic cardiomyopathy: Clinical manifestations, diagnosis, and evaluation. UpToDate, 2023. 
  5. MACHADO, M.; SILVA, M. V. Alterações eletrocardiográficas benignas e patológicas em atletas. Rev Port Cardiol. 2015; 34(12) :753—770. Disponível em: https://revportcardiol.org/pt-pdf-S0870255115002395 

2 Replies to “Coração de atleta: Conheça as principais alterações fisiológicas”

  1. Muito importante essas anotações sobre o coração do atleta. Explicações de forma didática. Parabéns aos envolvidos.

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