Ecocardiografia e o diagnóstico de insuficiência mitral
Entenda os principais parâmetros que a ecocardiografia pode fornecer e qual a melhor técnica a se utilizar
A insuficiência mitral (IM) é um quadro em que a válvula mitral não funciona adequadamente. Isso pode ocorrer devido a problemas em um ou mais dos cinco componentes funcionais dessa estrutura: cúspides, anel, cordas tendíneas, músculos papilares ou miocárdio subjacente.
Tais falhas podem fazer com que haja a regurgitação nessa válvula, ou seja, o sangue volta, o que muitas vezes acarreta na dilatação do ventrículo e átrio esquerdos
O quadro é classificado do seguinte modo:
IM Aguda
Sintomática, costuma ser causada por quadros como:
- Estenose mitral;
- Traumatismo torácico;
- Ruptura do músculo papilar (após um infarto agudo do miocárdio);
- Ruptura das cordas tendíneas;
- Instabilidade das cúspides.
IM Crônica
Muitas vezes assintomática, esse quadro pode ser causado por:
- Degeneração mixomatosa (PVM, doença de Barlow, forma frusta);
- Febre reumática;
- EI (cicatrizada);
- Congênita (fenda, canal AV);
- Radiação;
- Miocardiopatia isquêmica;
- Miocardiopatia dilatada;
- Miocardiopatia hipertrófica obstrutiva com movimento sistólico anterior;
- Fibrilação atrial crônica com aumento do AE e dilatação do anel;
- Calcificação do anel.
A ausência de sintomas ocorre pois o aumento dos ventrículo e átrio esquerdos acomodam o volume regurgitante, o que reduz as pressões e o paciente pode permanecer assim por anos.
Diagnóstico da insuficiência mitral
Normalmente o diagnóstico é feito por exame físico e ecocardiografia. Em pacientes com insuficiência mitral aguda, o ecocardiograma transesofágico deve ser feito caso não seja possível ver pela via transtorácia qual é a gravidade da lesão. Ele também permite avaliar melhor a anatomia da valva e as causas da regurgitação. Confira a seguir quais as indicações para cada um dos métodos de ecocardiograma, tanto para IM aguda quanto crônica.
Recomendações para a ecocardiografia transtorácica na insuficiência mitral:
- Como avaliação inicial para quantificar a gravidade da IM e a função de VE em qualquer paciente com suspeita de IM;
- Para definir os mecanismos de IM;
- Para avaliação anual ou semestral da função de VE (estimadas pela FE e dimensão sistólica final do VE) em IM grave e assintomática;
- Para avaliar pacientes com modificações de seus sintomas;
- Avaliação após a cirurgia para troca ou plastia mitral para estabelecer o padrão basal;
- Avaliação rotineira de IM leve com função de VE normal.
Recomendações para a ecocardiografia transesofágica na insuficiência mitral:
- Durante a cirurgia para estabelecer a base anatômica da insuficiência mitral e guiar o reparo;
- Para avaliação de pacientes com insuficiência mitral nos quais a ecocardiografia transtorácica nao é capaz de fornecer imagens diagnósticas sobre gravidade e/ou mecanismo da insuficiência mitral ou sobre a função de VE;
- Uso rotineiro para avaliação de pacientes com IM de valva nativa.
Existem alguns métodos que podem ser utilizados, como:
Vena contracta
É a medição da porção mais estreita do fluxo regurgitante que ocorre no orifício ou logo abaixo dele, e quanto maior sua largura, mais grave. A insuficiência mitral é leve quando for menor do que 3 mm e grave quando for maior do que 7 mm. Mas esse método pode subestimar a gravidade quando há múltiplos jatos ou orifício elíptico.
Doppler pulsátil
Fluxo anterógrado:
- Aumento do stroke volume na válvula durante o ciclo cardíaco
- Onda E precoce aumentada (E > 1,2 m/s)
- Cuidado na IM secundária
- O pico E velocidade também é afetado até por graus discretos de estenose mitral
- Onda E com baixa velocidade e onda A dominante → virtualmente exclui IM grave
Razão VTI mitral/aórtico:
- Índice de fácil aquisição nos casos de IM orgânica isolada
- Volume amostra na ponta das cúspides da mitral e abaixo do anel aórtico
- Razão >1,4 é severo // Razão <1 é leve
Avaliação quantitativa
3 métodos para quantificar a regurgitação→ os métodos derivam 3 medidas da gravidade:
- Área do orifício regurgitante efetivo (ERO): medida fundamental da gravidade
- Volume regurgitante (VR) por batimento: fornece uma medida da gravidade da sobrecarga volumétrica
- Fração regurgitante (FR) fornece a razão entre o volume regurgitante e o stroke volume específico para o paciente
Grau | ERO | VR | FR |
I (leve) | < 0,2 cm² | < 30 ml | < 30% |
II (moderada) | 0,2 – 0,29 cm² | 30 – 44 ml | 30 – 39% |
III (moderada – grave) | 0,3 – 0,39 cm² | 45 – 59 ml | 40 – 49% |
IV (grave) | ≥ 0,4 cm² | ≥ 60 ml | ≥ 50% |
PISA (Área da superfície proximal de isovelocidade)
Tempo das medidas→ Taxa de fluxo instantânea
- Medida do fluxo e velocidade devem ser realizadas em momentos simultâneos da fase de refluxo
- Medida do PISA mais representativa do ERO médio é realizada simultaneamente com o pico de velocidade do refluxo
- Natureza dinâmica dos jatos pode levar à subestimação no caso de IM funcional tipicamente bimodal ou superestimação no caso de IM primária telessistólica
Duração da regurgitação:
- Refluxos “parciais” (ex: IM mixomatosa confinada à telessístole ou IM funcional em sístole precoce e relaxamento isovolumétrico) → VR pode ser aproximado ao multiplicar o ERO máximo pelo VTI da parte mais densa do traçado de CW
- O volume regurgitante deve ser tomado como o índice mais apropriado
- Métodos volumétricos podem fornecer esses parâmetros de regurgitação sem suposições sobre a variação do ERRO
Formato do orifício regurgitante:
- A área do orifício regurgitante nos quadros funcionais geralmente é alongada ao longo da linha de coaptação (orifício elíptico)
- O fluxo pode ser subestimado (formato da elipse 8 – 35%)
Referências
- Resumo das indicações de exames e procedimentos em lesões orovalvares mitrais e aórticas publicados pela American Heart Associarion e American College of Cardiology no Circulation. SOCERJ. Disponível em: http://sociedades.cardiol.br/socerj/area-cientifica/resumo_indicacoes04.asp. Acessado em: 21/12/2022
- Regurgitação mitral. Manual MSD Versão para Profissionais de Saúde. Disponível em: https://www.msdmanuals.com/pt-br/profissional/doen%C3%A7as-cardiovasculares/valvopatias/regurgita%C3%A7%C3%A3o-mitral. Acessado em: 21/12/2022