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Uso de andrógenos por atletas: o que sabemos até hoje?

por Larrie Laporte

Em 30 de março de 2023, o Conselho Federal de Medicina (CFM) divulgou no Diário Oficial da União que está proibida a prescrição de terapias hormonais com esteroides androgênicos e anabolizantes com finalidade estética ou para melhora do desempenho esportivo. A medida foi tomada porque não existem estudos clínicos randomizados de boa qualidade metodológica que demonstre eficácia da prática. Além disso, carecem estudos mais aprofundados sobre os riscos associados ao uso de terapia hormonal androgênica em níveis acima dos fisiológicos, tanto para homens quanto para mulheres. 

O uso de andrógenos, como os esteroides androgênicos, tem se expandido além dos esportes competitivos e alcançado esportes de lazer e fitness. Muitos fisiculturistas e não-atletas usam essas drogas para aumentar a massa muscular, melhorar o desempenho e a aparência física. Estudos mostram que a prevalência do uso dessas drogas varia por região, mas é mais comum entre homens e atletas recreacionais.

No entanto, o uso de esteroides androgênicos se tornou um sério problema de saúde pública global. Um terço dos usuários pode desenvolver dependência, com uma taxa maior entre homens. Estima-se que, apenas nos Estados Unidos, um milhão de homens tenham experimentado a dependência de esteroides androgênicos. 

Nesse texto, abordaremos o que já se sabe sobre o uso de hormônios em relação a sua eficácia e efeitos colaterais. A maioria dos estudos trata de relatos de caso e estudos observacionais com um baixo nível de evidência. Vale lembrar que a World Anti-Doping Agency (WADA) proíbe o uso de hormônios peptídios, fatores de crescimento e substâncias relacionadas pelos atletas.

Eficácia

Parece lógico que os hormônios andrógenos aumentem a massa e força muscular, dadas as diferenças óbvias entre homens e mulheres. No entanto, ensaios clínicos não demonstram evidências claras de eficácia, nem de segurança do tratamento. Além disso, os estudos existentes ainda possuem um baixo tamanho amostral e metodologia frágil, necessitando de mais investigações sobre o tema.

Sobre as evidências existentes, foi publicado um estudo randomizado e controlado por placebo com androstenediona em homens saudáveis, a administração de 100 mg três vezes ao dia por oito semanas não resultou em aumento da força muscular. De maneira semelhante, em outro estudo controlado por placebo com 50 homens saudáveis com idades entre 35 e 65 anos, recebendo androstenediona ou androstanediol (200 mg/dia), nenhum dos hormônios alterou a composição corporal ou a força muscular em comparação com o placebo.

Em um estudo com 40 homens que receberam desidroepiandrosterona (dehydroepiandrosterone, DHEA) (100 mg/dia), androstenediona ou placebo, não foram encontradas diferenças na massa livre de gordura e massa muscular entre os dois grupos de drogas e o grupo placebo. Em outro paper, 9 homens e 10 mulheres foram randomizados para receber 100 mg de DHEA ou placebo diariamente por seis meses, e depois cruzados por mais seis meses. Nos homens, mas não nas mulheres, em uma análise de subgrupo, a força do joelho e das costas lombares aumentou durante o tratamento com DHEA em comparação com o placebo.

LEIA MAIS: Medicina do esporte: entenda onde você pode atuar após essa especialização

Efeitos colaterais

Neuropsiquiátrico

É comum observar anormalidades psicológicas em homens que tomam altas doses de andrógenos na literatura médica. Por exemplo, em um estudo com cento e sessenta homens recrutados em academias, foi possível comparar homens que tomam e não tomam andrógenos. Os resultados mostraram que sintomas psiquiátricos, como transtornos de humor e comportamento agressivo, foram mais comuns nos homens que haviam tomado essas substâncias. Além disso, entre eles, os sintomas eram mais comuns durante o período de uso.

O uso para fins estéticos e melhora de desempenho também associa-se a comportamento arriscado ou até criminoso. Em pesquisas por correspondência com aproximadamente 10 a 15 mil estudantes universitários de 1993 a 2001, o uso não médico de andrógenos foi associado a comportamentos como tabagismo, uso de outras drogas ilícitas, direção sob efeito de álcool e transtornos do uso de álcool.

Mulheres que usam esteroides anabolizantes também podem apresentar sintomas hipomaníacos ou depressivos, bem como práticas dietéticas rígidas e insatisfação/preocupação com seus corpos. Essas práticas são referidas como “transtorno alimentar, tipo fisiculturista” e “disforia muscular”.

Reprodutivo

Efeitos dos andrógenos no sistema reprodutor feminino incluem acne, hirsutismo, retração capilar temporal em padrão masculino, clitomegalia e mudança no tom de voz de maneira irreversível. Muitas mulheres também podem desenvolver oligomenorreia ou amenorreia, além de atrofia mamária.

Já no sistema reprodutor masculino, o uso de andrógenos exógenos pode levar ao hipogonadismo devido à supressão da secreção de gonadotrofinas e da produção endógena de testosterona e espermatozoides. Embora não se saiba a prevalência de hipogonadismo em usuários de andrógenos exógenos, um estudo constatou que 21% de 382 homens com hipogonadismo prévio haviam usado essas drogas. 

Após a interrupção do uso de andrógenos, a contagem de espermatozoides geralmente retorna ao normal em até quatro meses ou até mais de um ano. Isso ocorre porque a secreção de gonadotrofinas e testosterona permanece suprimida por um tempo, mesmo após a interrupção dos andrógenos. Alguns homens solicitam hCG durante a recuperação, mas essa prática não é recomendada, pois não há evidências de que acelere o processo.

Outro efeito colateral muito comum em homens é a ginecomastia. Isso ocorre porque a testosterona, hormônio masculino, é convertida em estradiol por meio da ação da enzima aromatase. Altas doses de testosterona resultam em altas concentrações séricas de estradiol, o que pode levar ao desenvolvimento de ginecomastia.

Cardiovascular

A teoria que o uso crônico de andrógenos pode levar a cardiomegalia ainda não é bem estabelecida. Essa hipótese vem de relatos de caso da década de 1990 que descreveram morte súbita em jovens atletas sadios que usam andrógenos, em que autópsias mostraram que muitos desses atletas tinham hipertrofia cardíaca ou miocardite. Alguns fisiculturistas e levantadores de peso também apresentaram hipertrofia ventricular esquerda, mas a maioria desses estudos não foi randomizada ou controlada pelo grau de exercício, que pode afetar a hipertrofia cardíaca. No entanto, a causalidade não pode ser estabelecida nesses casos esporádicos. 

Em relação aos níveis de colesterol, doses fisiológicas de testosterona não têm efeitos consistentes nas concentrações séricas de lipídios. Entretanto, doses farmacológicas de andrógenos, especialmente alquilados em 17-alfa administrados por via oral, diminuem o colesterol de lipoproteína de alta densidade (HDL) e aumentam as concentrações de colesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL). Em um estudo com homens entre 30 e 56 anos que receberam androstenediona (300 mg/dia por 28 dias), as concentrações séricas de HDL colesterol diminuíram em 15%, uma mudança que, na população em geral, prediz um aumento no risco de doença coronariana.

Quando é permitido prescrever

A resolução do CFM, defende que a prescrição de esteroides androgênicos e anabolizantes é justificada para tratar doenças como hipogonadismo, puberdade tardia, micropênis neonatal e caquexia. Além disso, essa classe de medicamentos pode ser indicada para terapia hormonal cruzada em transgêneros e, a curto prazo, em mulheres diagnosticadas com desejo sexual hipoativo.

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Dra. Larrie Laporte

Médica pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. Estatística pela Universidade Salvador. Formação em pesquisa clínica pela Harvard T.H. Chan School of Public Health. Possui interesse em medicina intensiva, cuidados paliativos, bioestatística e metodologia científica.

One Reply to “Proibição do uso de esteroides: saiba mais”

  1. Gostaríamos de receber trabalhos sobre os “chips da beleza “ e “chips da menopausa “
    Gratos !

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