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Corredores de rua: como diagnosticas e tratar lesões

por Larrie Laporte

A corrida de rua é uma atividade física que tem se popularizado cada vez mais entre os brasileiros. Além de ser uma prática de baixo custo, ela pode trazer diversos benefícios para a saúde, como a melhora da capacidade cardiorrespiratória, redução do risco de doenças crônicas e melhora na qualidade de vida. No entanto, como toda atividade física, a corrida pode provocar lesões, especialmente se não for praticada com cuidado e orientação adequada.

Dentre as lesões mais comuns na corrida de rua, destacam-se:

É importante estar atento aos sintomas e proporcionar tratamento adequado, a fim de evitar que essas lesões se tornem crônicas e comprometam o dia a dia do corredor. Neste artigo, abordaremos algumas dessas lesões e as possibilidades de tratamento para cada uma delas:

Fascite plantar

A dor no calcanhar e retropé pode ser causada pela fascite plantar. O risco de inflamação da fáscia plantar aumenta em condições relacionadas à diminuição da flexibilidade e do movimento do primeiro metatarso, como hálux valgo, e em condições anatômicas que sobrecarregam a fixação da fáscia plantar no calcâneo medial, como pé cavo alto ou pé plano com pronação. 

Fatores não anatômicos, como excesso de peso, ganho rápido de peso, ficar em pé por longos períodos em superfícies duras e uso de calçados inadequados também podem predispor à inflamação da fáscia plantar.

Diagnóstico

A grande maioria dos pacientes que sofrem com fascite plantar relatam sentir uma dor forte quando dão os primeiros passos fora da cama pela manhã. A dor costuma acontecer na parte interna da inserção da fáscia plantar no osso calcâneo. 

A dor é mais forte quando o paciente começa a andar ou correr, mas com o tempo, ela diminui. Embora uma dor fraca possa persistir durante todo o dia, geralmente ela melhora quando a pessoa se senta, mas piora novamente quando volta a ficar em pé ou andar. Se o paciente tiver dor à noite, pode ser um sinal de que algo mais sério está acontecendo, como uma fratura por estresse no osso calcâneo.

Durante o exame físico, detecta-se uma sensibilidade na parte interna da inserção da fáscia plantar no osso calcâneo. Para isso, flexiona-se os dedos do paciente com uma mão para esticar a fáscia plantar e, em seguida, com a outra mão, aperta-se suavemente a sola do pé, do calcanhar à ponta dos dedos.

Como a fáscia plantar envolve o osso calcâneo em muitos pacientes, os padrões de dor podem variar. Às vezes, pode haver um inchaço localizado perto da inserção da fáscia. O exame por ultrassom pode mostrar algumas alterações na fáscia plantar, como espessamento, nódulos ou rasgos parciais, ou completos.

Tratamento

Para a terapia inicial, é importante fornecer educação sobre a condição, incluindo possíveis causas e garantias sobre sua história natural favorável. É crucial explicar que o tratamento é, na maioria, sintomático e que não existem tratamentos comprovados para aliviar significativamente a dor ou encurtar a duração do problema. Exercícios de alongamento para a fáscia plantar e músculos da panturrilha podem ser recomendados para o paciente fazer em casa.

Exercício com bolinha para fascite plantar

Algumas mudanças no estilo de vida incluem:

  • Evitar sapatos planos e andar descalço.
  • Usar inserções de silicone para suporte de arco e/ou almofadas de calcanhar.
  • Diminuir atividades físicas que possam ser causativas ou agravantes, como corrida excessiva.

Para a dor pode ser prescrito um teste de curta duração (duas a três semanas) de medicamentos anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs). Em pacientes em que a dor e a incapacidade persistem, apesar das medidas conservadoras por três a quatro semanas, uma única injeção de glicocorticoide pode ser considerada, embora o valor dessa conduta seja incerto.

Se nenhum dos tratamentos acima produzir melhora suficiente, são ocasionalmente prescritas inserções de sapato moldadas (ortopedia) ou imobilização em uma bota de caminhada almofadada. No entanto, evidências crescentes sugerem que as órteses têm baixo valor e as botas de caminhada almofadadas permanecem sem estudos em ensaios randomizados. Não se utiliza mais terapia por ondas de choque extracorpóreas, que é cara e ineficaz, ou injeções autólogas de sangue total, ou plasma rico em plaquetas, que são caras e sem benefícios comprovados.

Em geral, a grande maioria dos pacientes com fascite plantar melhora com ou sem terapia ativa. A cirurgia é uma opção para pacientes com sintomas graves persistentes após pelo menos 6 a 12 meses de terapia não operatória, embora seu valor permaneça altamente incerto.

Entorse de tornozelo 

As lesões do tornozelo são uma condição bastante comum em consultórios de atenção primária e departamentos de emergência. Os pacientes com entorse de tornozelo — que envolve estiramento, ruptura parcial ou completa de pelo menos um ligamento — representam uma grande porcentagem dessas lesões. O mecanismo de grande parte das entorses de tornozelo envolve a inversão do pé em flexão plantar e danos aos ligamentos laterais.

Diagnóstico

Para avaliar pacientes com esse tipo de lesão, é imprescindível realizar uma anamnese minuciosa para determinar o mecanismo da lesão. Deve-se questionar se o paciente pode caminhar após a lesão (um fator importante para as regras de tornozelo de Ottawa) e se o tornozelo já foi lesado anteriormente (uma história de entorse de tornozelo aumenta o risco de lesões subsequentes).

O exame físico deve englobar a palpação de:

  • Toda a fíbula,
  • Tíbia distal,
  • Linha articular, 
  • Ligamentos do tornozelo lateral e medial, 
  • Tendão de Aquiles 
  • Áreas cobertas pelas regras de tornozelo de Ottawa (borda posterior ou ponta do maléolo lateral, borda posterior ou ponta do maléolo medial, base do quinto metatarso, osso navicular).

Testes como o de gaveta anterior e inclinação do tálus podem ser úteis para identificar lesões ligamentares mais graves.

Teste de Gaveta Anterior e de Inclinação do Talus. Fonte: Roteiro de Aula Prática – Tornozelo e Pé (Fisioterapia USP-RP)

Conforme os critérios desenvolvidos pelos pesquisadores do Ottawa Health Research Institute, a solicitação de radiografia é indicada apenas caso o paciente tenha pelo menos um dos seguintes achados:

  1. Dor reprodutível ao exame físico nos 6 cm distais do maléolo lateral da fíbula.
  2. Dor reprodutível ao exame físico nos 6 cm distais do maléolo medial da tíbia.
  3. Dor reprodutível ao exame físico na base do 5º metatarso.
  4. Dor reprodutível ao exame físico sobre o osso navicular.
  5. Incapacidade de andar quatro passos imediatamente após o trauma e durante o exame.

Tratamento

Logo após uma lesão no tornozelo, o tratamento padrão inclui proteção (por exemplo, bandagem, tala, bota), repouso, gelo, compressão com uma bandagem elástica, não apoiar totalmente o peso do corpo e elevar a perna. Assim que a dor aguda e o inchaço diminuírem, exercícios de amplitude de movimento devem ser iniciados, como flexão plantar, dorsiflexão e círculos com o pé.

Quanto à imobilização e uso de talas, a indicação varia com o grau da lesão. As lesões leves (grau I) não precisam de imobilização, o suporte com uma bandagem elástica é suficiente. Lesões moderadas (grau II) podem necessitar de suporte com uma bandagem elástica e uma tala Aircast ou similar, uma tala macia estabilizadora ou uma braçadeira em oito por várias semanas. Atletas ou trabalhadores pesados com lesões de grau I ou II geralmente continuam usando suporte ao tornozelo por vários meses dependendo do nível de dor.

O tratamento de lesões graves (grau III) é controverso e pode exigir cirurgia ou reabilitação funcional. Especialmente se a mobilização for dolorosa e a conformidade provavelmente difícil, é razoável iniciar o tratamento com um breve período de imobilização sem apoio de peso em uma tala ou combinação de tala rígida e bandagem elástica. Em seguida, suportes de tornozelo semirrígidos são usados ​​geralmente por várias semanas a meses, seguidos pela transição para uma braçadeira em oito.

Após a redução dos sintomas e inchaço, é introduzida a reabilitação funcional com exercícios para recuperar e melhorar o equilíbrio, mobilidade e força. A intensidade é aumentada gradualmente à medida que a função melhora e o programa continua por semanas a meses, dependendo principalmente da gravidade da lesão. Programas de reabilitação com foco em exercícios de equilíbrio, propriocepção e força geralmente ajudam aqueles com instabilidade crônica do tornozelo. 

A maioria dos pacientes que se recuperam de uma entorse lateral do tornozelo que não envolve ruptura completa do ligamento retorna ao trabalho sedentário dentro de alguns dias. Lesões mais graves requerem de três a seis semanas, enquanto até oito semanas ou mais podem ser necessárias antes que esportes e trabalhos pesados possam ser retomados com segurança, dependendo da extensão da lesão e adesão à fisioterapia.

Síndrome do estresse tibial medial

A síndrome do estresse tibial medial, também conhecida como “canelite”, é uma causa comum de dor em membros inferiores induzida pelo exercício em corredores. É causada por lesões repetitivas de estresse mecânico na região medial da tíbia, e embora geralmente não seja grave, se não for tratada adequadamente, pode levar a lesões incapacitantes. Vários fatores de risco podem contribuir para o desenvolvimento da patologia, como técnicas de treinamento inadequadas, condições do terreno e tipo de calçado utilizado, sexo feminino, obesidade e mobilidade limitada do tornozelo e quadril 

Diagnóstico

O papel principal dos profissionais da área médica que atendem corredores que apresentam dor na tíbia é diferenciar se a causa é uma fratura por estresse da tíbia ou a síndrome do estresse medial da tíbia (SEMT). Embora a história clínica possa ser semelhante, os pacientes com fraturas por estresse geralmente apresentam uma área palpável e focal de dor, enquanto aqueles com SEMT apresentam dor mais difusa, sem lesões palpáveis. 

Usualmente o diagnóstico é feito por meio da anamnese e exame físico, já que radiografias são úteis apenas para descartar fraturas por estresse da tíbia e exames de imagem mais caros não são justificados.

Tratamento

O diagnóstico correto é importante para determinar o tratamento adequado: um corredor com fratura por estresse deve evitar corridas e praticar atividades de baixo impacto, como natação ou ciclismo, enquanto a fratura cicatriza, enquanto um corredor com SEMT pode continuar correndo, mas deve reduzir a distância percorrida e realizar fisioterapia. No entanto, em ambas patologias, o tempo de recuperação pode ser prolongado. Uma revisão sistemática mostrou que palmilhas absorvedoras de choque podem ajudar a reduzir os sintomas e prevenir a recorrência de SEMT. 

Saiba como tratar lesões esportivas em atletas profissionais e amadores

Com o aumento da prática de atividades físicas pela população (houve um crescimento de 165% nas capitais brasileiras nos últimos 10 anos), cada vez mais vez mais pacientes apresentam queixas relacionadas ao esporte, e entender como lidar especificamente com elas é importante. Na Pós-Graduação em Medicina do Esporte e Exercício do Cetrus, você:

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Referências

Fascite plantar
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Dra. Larrie Laporte

Médica pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. Estatística pela Universidade Salvador. Formação em pesquisa clínica pela Harvard T.H. Chan School of Public Health. Possui interesse em medicina intensiva, cuidados paliativos, bioestatística e metodologia científica.

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