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Desvendando o ecocardiograma à beira-leito: uma ferramenta essencial para os intensivistas

No campo da medicina intensiva, o ecocardiograma se estabeleceu como uma ferramenta fundamental. Hoje é praticamente parte integrante do exame físico realizado em pacientes graves. 

Com essa valiosa ferramenta, é possível diagnosticar rapidamente e de forma qualitativa o tipo de choque apresentado. Além disso, o ecocardiograma desempenha um papel crucial na monitorização hemodinâmica, permitindo a avaliação do débito cardíaco, acompanhando a evolução dos pacientes e auxiliando na indicação e avaliação dos resultados de intervenções médicas.

Por que usar ecocardiograma na UTI?

É importante ressaltar que o ecocardiograma é um exame que depende da habilidade e experiência do operador e sua utilidade está intrinsecamente ligada a esse fator. No entanto, há diversos pontos favoráveis que justificam o uso do ecocardiograma à beira-leito:

  1. Compreensão além do histórico clínico e exame físico: Apenas a história clínica e o exame físico muitas vezes são imprecisos e insuficientes para realizar avaliações mais detalhadas. O ecocardiograma possibilita uma visualização direta das estruturas cardíacas e do fluxo sanguíneo, fornecendo informações essenciais para um diagnóstico mais preciso;
  2. Disponibilidade imediata: Nem sempre é possível contar com a disponibilidade imediata de um especialista para realizar o exame. O ecocardiograma à beira-leito permite que a avaliação cardíaca seja realizada de forma ágil, sem a necessidade de esperar por um profissional específico, o que é especialmente importante em situações de emergência;
  3. Alternativa menos invasiva: O cateter de artéria pulmonar, método invasivo comumente utilizado para monitorização hemodinâmica, pode não estar prontamente disponível em todas as situações. O ecocardiograma, por sua vez, é um método não invasivo, o que reduz os riscos associados a procedimentos invasivos e o torna mais acessível para a maioria dos pacientes;
  4. Agilidade, tempo real e baixo custo: O ecocardiograma à beira-leito pode ser realizado rapidamente, proporcionando avaliações em tempo real. Isso é crucial para monitorar a evolução dos pacientes e ajustar as intervenções conforme necessário. Além disso, em comparação com outros métodos de imagem cardíaca, o ecocardiograma é considerado um exame de baixo custo, tornando-o uma opção viável em termos econômicos.

Materiais necessários

Para realizar um ecocardiograma, são necessários os seguintes materiais:

  • Aparelho de ultrassonografia: Utilize o aparelho disponível na unidade em que está atuando. É preferível que o aparelho seja portátil e ligue rapidamente, facilitando a realização do exame;
  • Transdutor/Probe Setorial: O transdutor utilizado deve ser do tipo setorial e apresentar um índice (index) indicador de orientação. Certifique-se de que a marcação do índice esteja posicionada na direção cranial do paciente;
  • Gel transdutor: Utilize gel transdutor para garantir a adequada propagação das ondas sonoras durante o exame.
  • Solução de desinfecção: É necessário utilizar uma solução de desinfecção adequada para limpar o transdutor antes e após o uso, garantindo a biossegurança do procedimento.

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Posicionamento do paciente

O posicionamento correto do paciente é fundamental para garantir a obtenção de imagens claras e de alta qualidade durante o ecocardiograma. Idealmente, o paciente deve ser colocado em decúbito lateral esquerdo. Nessa posição, o operador pode posicionar-se à direita do paciente, segurando o transdutor com a mão direita, ou à esquerda do paciente, segurando o transdutor com a mão esquerda. Essa escolha depende da preferência e habilidade do operador.

No entanto, em pacientes graves, é mais comum que o paciente esteja em decúbito dorsal. Nesses casos, pode-se utilizar coxins para tentar lateralizar o paciente levemente, facilitando a obtenção das imagens necessárias.

Sequência de janelas

Janelas do ecocardiograma. Fonte: Nephropocus
Janelas do ecocardiograma. Fonte: Nephropocus

Durante o ecocardiograma, é importante seguir uma sequência adequada de janelas para uma avaliação completa do coração. A sequência tradicionalmente utilizada é:

  1. Janela paraesternal (eixo longo): Iniciamos o exame com a janela paraesternal, no espaço intercostal adequado, com o índice do transdutor voltado para o ombro direito do paciente. Essa posição permite a obtenção de imagens do coração no eixo longo;
  2. Janela paraesternal (eixo curto): Após a avaliação do eixo longo, rotacionamos o índice do transdutor para o ombro esquerdo do paciente, obtendo a janela paraesternal no eixo curto. Essa posição proporciona imagens transversais do coração;
  3. Janela apical (4 ou 5 câmaras): Em seguida, colocamos o transdutor no 5º espaço intercostal, na altura do ictus cordis (ponto de máximo impacto cardíaco), para obter a janela apical de 4 ou 5 câmaras. Essa janela oferece uma visualização mais completa das câmaras cardíacas;
  4. Janela subcostal: Por fim, reposicionamos o transdutor abaixo do apêndice xifoide para obter a janela subcostal. Essa posição permite uma visão mais clara das estruturas cardíacas na região inferior do coração.

Seguir essa sequência de janelas durante o ecocardiograma garante uma avaliação abrangente das estruturas cardíacas e do fluxo sanguíneo, permitindo um diagnóstico mais preciso e uma melhor compreensão do funcionamento do coração.

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Avaliação subjetiva

Os quatro principais pontos a serem considerados na avaliação ecocardiográfica subjetiva são contratilidade, dimensões das câmaras, derrame pericárdico e veia cava inferior (VCI).

Contratilidade

A avaliação da contratilidade é essencial para identificar possíveis disfunções cardíacas. Nos diferentes tipos de choque, podemos observar as seguintes variações na contratilidade:

  • Choque distributivo: Contratilidade normal ou elevada.
  • Choque hipovolêmico: Contratilidade elevada.
  • Choque cardiogênico: Contratilidade reduzida.
  • Choque obstrutivo (TEP): Contratilidade do ventrículo direito (VD) reduzida.
  • Choque obstrutivo (tamponamento cardíaco): Contratilidade normal.

Dimensões das câmaras

As dimensões das câmaras cardíacas também fornecem informações valiosas sobre a função cardíaca:

  • Choque distributivo: Câmaras normais.
  • Choque hipovolêmico: Câmaras reduzidas, com as “paredes se tocando” (kissing walls).
  • Choque cardiogênico: Câmaras grandes.
  • Choque obstrutivo (tamponamento cardíaco): Câmaras reduzidas.

Derrame pericárdico

A presença de derrame pericárdico pode indicar certos tipos de choque:

  • Choque distributivo: Sem derrame.
  • Choque hipovolêmico: Sem derrame.
  • Choque obstrutivo (tamponamento cardíaco): Derrame pericárdico.

Veia cava inferior (VCI)

A avaliação da VCI fornece informações sobre a pressão venosa central e o volume sanguíneo:

  • Choque distributivo: VCI com diâmetro normal e variabilidade.
  • Choque hipovolêmico: VCI com diâmetro reduzido e variabilidade.
  • Choque cardiogênico: VCI túrgida (distendida) e sem variabilidade.
  • Choque obstrutivo (tamponamento cardíaco): VCI túrgida e sem variabilidade.

Tamanho veia cava inferiorVariação com a respiraçãoPressão de AD geralmente encontrada
< 1,5 cm100%0 a 5 mmHg
Entre 1,5 a 2,5 cm> 50%5 a 10 mmHg
Entre 1,5 a 2,5 cm< 50%10 a 15 mmHg
> 2,5 cm< 50%15 a 20 mmHg
> 2,5 cmSem alterações> 20 mmHg

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Avaliação quantitativa

O débito cardíaco é um parâmetro essencial para entender o desempenho do coração e sua capacidade de bombear sangue pelo organismo. A fórmula do débito cardíaco é simples: 

Débito Cardíaco (DC) = Volume Sistólico (VS) x Frequência Cardíaca (FC) 

O volume sistólico representa a quantidade de sangue que é ejetada pelo ventrículo esquerdo durante a sístole, enquanto a frequência cardíaca (FC) indica o número de vezes que o coração se contrai por minuto. Multiplicando esses dois valores, obtemos o débito cardíaco, que é a quantidade de sangue bombeada pelo coração em um minuto.

Medida do fluxo da via de saída do ventrículo esquerdo (TVI da VSVE)

Posicionamos o transdutor na região apical do paciente e, a partir do corte convencional de 4 câmaras, realizamos uma leve rotação no sentido horário e anteriorização do transdutor, o que nos leva ao corte de 5 câmaras. Deste modo podemos visualizar a via de saída do ventrículo esquerdo, a valva aórtica e a porção proximal da aorta.

Após posicionar o transdutor adequadamente, aplicamos o Doppler pulsado (PW) na área correspondente à via de saída do ventrículo esquerdo. O fluxo sanguíneo capturado abaixo da linha de base representa o fluxo sistólico que passa por essa região. Verificamos o fluxo laminar, com o centro escuro e a periferia clara, e selecionamos a região de interesse.

Mensurações ecocardiográficas de um paciente representativo. A figura mostra: (A) mensuração do diâmetro da LVOT nas cúspides da válvula aórtica por meio da visão do eixo longo paraesternal (indicada por seta amarela) e (B) mensuração da integral de velocidade‐tempo com o uso da visão apical de cinco câmaras (indicada como FVIA em nosso ultrassonógrafo). RV, ventrículo direito; VE, ventrículo esquerdo; LA, átrio esquerdo; LVOT, via de saída do ventrículo esquerdo; FVIA, integral de velocidade-fluxo (aorta). Fonte: Bergamaschi V, Vignazia GL, Messina A, Colombo D, Cammarota G, Corte FD, Traversi E, Navalesi P. Avaliação ecocardiográfica transtorácica do débito cardíaco feita por médicos da unidade de terapia intensiva em pacientes críticos sob ventilação mecânica. Braz J Anesthesiol. 2019 Jan-Feb;69(1):20-26.

Ao selecionarmos essa curva, o aparelho calcula automaticamente as velocidades e gradientes máximos e médios, além de fornecer o integral da velocidade, conhecido como TVI. O TVI é proporcional ao fluxo total que atravessa essa região e, portanto, está diretamente relacionado ao débito cardíaco.

É possível estimar com precisão o volume sistólico ejetado usando o VTI. Basta multiplicar o VTI da via de saída do ventrículo esquerdo (VSVE) pela área correspondente em cm² (lembrando que a área = πR²). A VSVE é medida na janela paraesternal eixo longo durante a sístole, com o cursor paralelo ao fluxo. O normal é próximo de 2 cm.

Tricuspid Anular Plane Systolic Excursion (TAPSE)

Além do volume sistólico, o TAPSE é outra medida importante para avaliar a função cardíaca. O TAPSE representa o movimento do anel tricúspide em direção ao ápice do ventrículo direito durante a sístole. Valores ≤ 16 mm sugerem disfunção do ventrículo direito. Para avaliar o TAPSE, utilizamos o modo M, uma técnica de ultrassom que fornece uma representação gráfica do movimento das estruturas cardíacas.

TAPSE. Fonte: Scientific Figure on ResearchGate. Available from: https://www.researchgate.net/figure/Measurement-of-tricuspid-annular-plane-systolic-excursion-TAPSE_fig1_282890522 [accessed 1 Jun, 2023]

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Dra. Larrie Laporte

Médica pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. Estatística pela Universidade Salvador. Formação em pesquisa clínica pela Harvard T.H. Chan School of Public Health. Possui interesse em medicina intensiva, cuidados paliativos, bioestatística e metodologia científica.

3 Replies to “Ecocardiograma à Beira-Leito: tudo que você precisa saber”

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