Posted on

Reposição hormonal em caso de hipotireoidismo

Aprenda como orientar a sua paciente com hipotireoidismo na realização de reposição hormonal, as medicações escolhidas e os cuidados no manejo do paciente. Boa leitura! 

O hipotireoidismo é uma doença multifacetada que pode levar a um grande comprometimento da qualidade de vida do paciente. Pensando nisso, é fundamental que o médico esteja familiarizado com a condição e esteja apto a realizar um manejo oportuno.

Definição e causas comuns do hipotireoidismo

O hipotireoidismo é uma condição médica caracterizada pela insuficiente produção de hormônios tireoidianos, incluindo a tiroxina (T4) e a triiodotironina (T3), pela glândula tireoide, porém, com uma alta concentração do hormônio estimulador da tireoide (TSH). Esse é o quadro clássico do hipotireoidismo primário.

Esses hormônios desempenham um papel fundamental na regulação do metabolismo e em diversas funções corporais. Quando a produção desses hormônios é inadequada, uma série de sintomas e problemas de saúde podem surgir. 

Por outro lado, o hipotireoidismo pode não ser apenas reduzido a esse quadro, especialmente quando falamos do hipotireoidismo subclínico e do hipotireoidismo central. 

No subclínico a concentração sérica elevada de TSH e uma concentração sérica normal de T4 livre. A maioria dos pacientes é assintomática e o diagnóstico e o tratamento do hipotireoidismo subclínico são revisados ​​separadamente.

O hipotireoidismo central, por outro lado, é caracterizado por uma doença hipotalâmica ou hipofisária, o que leva a uma baixa concentração sérica de T4 acompanhado, porém, de um TSH que não é adequadamente alterado, podendo variar desde baixo a ligeiramente elevado. O TSH pode alcançar valores de até no máximo 10 mU/L. 

Em resumo, o hipotireoidismo se divide em:  

  • Primário: baixa de T3 e T4 e alta de TSH, com sintomas;
  • Subclínico: basal de T4 e elevada de TSH, sem sintomas;
  • Central: baixa de T4 e TSH variando de normal a ligeiramente elevado (até 10 um/L e mesmos sintomas do primário. 

Causas mais comuns do hipotireoidismo

A doença de Hashimoto (Tireoidite Autoimune) é a causa mais comum de hipotireoidismo não apenas no Brasil, mas em muitas regiões do mundo. Nesse caso, o sistema imunológico ataca a glândula tireoide, comprometendo seu funcionamento. 

Uma segunda possível causa de hipotireoidismo é comum nos pacientes que já tiveram achados positivos em região de tireoide e foram submetidos a procedimentos como terapia com iodo ou tireoidectomia

A deficiência de iodo na dieta também pode causar hipotireoidismo, especialmente em áreas onde o solo é pobre em iodo e a ingestão dietética é inadequada. Ainda, certos medicamentos, como amiodarona, interferon alfa e lítio, podem interferir na função tireoidiana e levar ao hipotireoidismo.

Interpretando os resultados dos testes de função tireoidiana 

Os resultados dos testes de função tireoidiana incluem várias medidas que refletem o funcionamento da glândula tireoide. 

É importante notar que os valores de referência podem variar de laboratório para laboratório e de acordo com a região. 

1. TSH (Hormônio Estimulante da Tireoide):

  • Referência normal: 0,4 a 4,0 mUI/L
  • Acima do intervalo normal podem indicar hipotireoidismo.
  • Abaixo do intervalo normal podem indicar hipertireoidismo.

2. T4 Total (Tiroxina Total):

  • Referência normal: 4,5 a 11,2 μg/dL
  • Abaixo do intervalo normal podem indicar hipotireoidismo.
  • Acima do intervalo normal podem indicar hipertireoidismo.

3. T4 Livre (Tiroxina Livre):

  • Referência normal: 0,8 a 1,8 ng/dL
  • Abaixo do intervalo normal podem indicar hipotireoidismo.
  • Acima do intervalo normal podem indicar hipertireoidismo.

4. T3 Total (Triiodotironina Total):

  • Referência normal: 80 a 200 ng/dL
  • Abaixo do intervalo normal podem indicar hipotireoidismo.
  • Acima do intervalo normal podem indicar hipertireoidismo.

É importante observar que a interpretação dos resultados de testes de função tireoidiana deve levar em consideração o quadro clínico do paciente, incluindo sintomas, histórico médico e outros fatores. Além disso, os intervalos de referência podem variar, então é fundamental utilizar os valores específicos do laboratório onde os testes foram realizados para uma avaliação precisa.

Leia também: aprenda sobre os aspectos clínicos e ultrassonográficos da tireoide

Reposição hormonal: quais são as opções pra essas pacientes?

Antes de prescrever a reposição hormonal, é importante saber se o paciente tem real indicação para isso. 

Embora praticamente todos os especialistas recomendem o tratamento de pacientes com concentrações séricas de TSH >10 mU/L, o tratamento de rotina de pacientes assintomáticos com valores de TSH entre 4,5 e 10 mU/L permanece controverso. 

Indicações para reposição hormonal tireoidiana em adultos não grávidas com hipotireoidismo subclínico. Fonte: Ross et al., 2023.

Conforme Ross et al., 2023 consistente com um grupo de consenso clínico composto por representantes da American Thyroid Association (ATA), a American Association of Clinical Endocrinologists (AACE) e com as diretrizes da European Thyroid Association, TSH de valores: 

  • ≥10 mU/L: tratar o paciente, considerando especialmente o risco aumentado do hipotireoidismo subclínico com aterosclerose e infarto agudo do miocárdio, 
  • 7,0 a 9,9 mU/L: tratar a maioria dos pacientes com idade inferior a 65 anos a 70 anos com sintomas convincentes sugestivos de hipotireoidismo. 
  •  ≤6,9 mU/L e acima do limite superior do intervalo de referência: tratar pacientes de 65 a 70 anos com sintomas sugestivos, pacientes com anticorpos anti-TPO que podem progredir rapidamente para hipotireoidismo evidente e paciente com bócio. 
  • Infertilidade ou tentativa de gravidez: iniciar a reposição de T4 em mulheres com hipotireoidismo subclínico que estão tentando engravidar e que apresentam disfunção ovulatória ou infertilidade.

Levo-tiroxina (T4) como terapia padrão 

A levo-tiroxina (T4) é o tratamento mais comum e padrão para hipotireoidismo. Ela fornece a forma sintética do hormônio T4, substituindo o que a tireoide não produz em quantidade suficiente.

Embora estudos tenham demonstrado que a farmacocinética da cápsula de gel mole era semelhante à dos comprimidos em indivíduos saudáveis, em outras pesquisas, a cápsula de gel mole demonstrou ser menos sensível ao pH gástrico em comparação com comprimidos de marca. Portanto, o uso de comprimidos é superior à cápsula mole

Portanto, a cápsula mole ou líquida pode ser considerada como uma alternativa para pacientes com suspeita de má absorção dos comprimidos sólidos convencionais, especialmente na presença de gastrite atrófica.

Ela também pode ser uma opção mais eficaz após cirurgia bariátrica. No entanto, outra alternativa, de menor custo, é aumentar a dose de comprimidos genéricos de T4 com monitorização do TSH.

A dose inicial em adultos pode variar entre 50 a até 200 mcg/dia. Essa dose deve ser individualizada e, em adultos, é calculada por 1,6 mcg/kg do paciente em questão, recomendado para pacientes jovens e saudáveis. Isso pode variar conforme o seguinte: 

  • Adultos jovens e saudáveis:
    • 1,6 mcg/kg;
  • Idosos acima de 60 anos ou com doença coronariana e com duração de hipotireoidismo desconhecida:
    • 25 a 50 mcg/dia;
    • Em caso de hipotireoidismo de curta duração (menos de 2 meses), recomenda-se reduzir essa dose a dois terços ou três quartos para atingir um estado eutireoidiano. 

Orientações importantes quanto a reposição do T4 

Para a eficácia do tratamento é importante que o paciente seja orientado quanto ao uso da medicação e o monitoramento. 

  1. O T4, independente se comprimido, cápsula de gel ou líquido, deve ser ingerido de estômago vazio tanto de comida quanto de água;
  2. Preferencialmente de 30 a 60 minutos antes do café da manhã;
  3. Não consumi-lo com outras medicações que possam interferir na sua absorção, como:
    1. Carbonato de cálcio;
    2. Sulfato ferroso;
    3. Resinas de ácidos biliares.
  4. Alguns pacientes tomam o T4 ao deitar-se (pelo menos duas horas após a última refeição e de preferência mais tempo).

O tempo desde a tomada da medicação e a ingestão de alimentos pode ser um desafio para alguns pacientes. No entanto, mais importante do que o horário do dia é a proximidade da alimentação.

 Isso foi demonstrado em uma meta-análise que não apresentou diferença na eficácia da dosagem matinal versus antes de dormir. Lembrando que a eficácia é avaliada baseando-se na dosagem de TSH do paciente. 

A melhora dos sintomas costuma acontecer dentro de 2 semanas, embora os níveis de TSH possam se manter estacionários por mais de seis semanas. Em pacientes com hipotireoidismo grave a completa recuperação pode levar meses. 

As concentrações séricas de hormônio tireoidiano aumentam primeiro e depois a secreção de TSH começa a cair devido à ação de feedback negativo do T4 na hipófise e no hipotálamo.

Dosagem hormonal e monitoramento do tratamento 

O objetivo da terapia é normalizar a concentração sérica de TSH do paciente. Muitos especialistas recomendam uma meta terapêutica de TSH entre 0,5 e 2,5 mU/L em pacientes jovens e de meia-idade.

Em pacientes mais idosos, com idade ≥65 a 70 anos, que foram tratados e apresentavam níveis séricos iniciais de TSH elevados (ou seja, acima de 10 mU/L ou entre 7 e 9,9 mU/L), um alvo de TSH entre 3 e 6 mU/L pode ser apropriado, levando em conta o aumento normal do TSH relacionado à idade.

A avaliação do TSH sérico deve ser realizada aproximadamente seis semanas após o início da terapia. Se a meta de TSH não for alcançada, a dose de T4 deve ser ajustada aumentando em 12,5 a 25 mcg por dia

Se o TSH sérico estiver abaixo da faixa desejada, a dose de T4 deve ser reduzida na mesma quantidade. Após qualquer modificação na dose de T4, o TSH sérico deve ser reavaliado após cerca de seis semanas. Uma vez que a dose correta seja determinada, os níveis séricos de TSH podem ser avaliados anualmente.

Para pacientes com hipotireoidismo subclínico que não recebem reposição hormonal tireoidiana, repetimos os testes de função tireoidiana (TSH, T4 livre) inicialmente aos seis meses e, se estáveis, anualmente a partir de então.

Interações medicamentosas e alimentares

Interações medicamentosas e alimentares na reposição hormonal com T4 são importantes considerações que podem afetar a eficácia do tratamento e a absorção dos hormônios tireoidianos.

Alguns medicamentos, como antiácidos, suplementos de cálcio, ferro e magnésio, podem reduzir a absorção do T4 quando tomados simultaneamente. É importante monitorar o horário de administração para evitar essa interferência.

Por outro lado, algumas drogas, como rifampicina e fenitoína, podem acelerar o metabolismo do T4, levando à necessidade de doses mais elevadas do hormônio. Eles competem com o T4 para se ligar a proteínas transportadoras no sangue, o que pode afetar a disponibilidade.

A interferência alimentar é algo muito importante na reposição hormonal, como alimentos ricos em cálcio e ferro, que também podem diminuir a absorção de T4. A ingestão de T4 deve ser feita com o estômago vazio e evitar o consumo desses alimentos imediatamente após a medicação, como já comentamos. 

Complicações e efeitos colaterais: supertratamento 

O supertratamento na reposição hormonal para hipotireoidismo é uma situação importante a ser abordada devido aos potenciais efeitos adversos e complicações que podem surgir. 

Algumas complicações e efeitos colaterais que podem ocorrer durante o tratamento para hipotireoidismo com reposição hormonal são: 

  1. Hipertireoidismo Subclínico:
    1. Supertratamento pode resultar em hipertireoidismo subclínico. Isso pode levar a sintomas como ansiedade, insônia, irritabilidade e perda de peso não intencional.
  2. Arritmias Cardíacas:
    1. Níveis excessivos de hormônios tireoidianos podem afetar o ritmo cardíaco, resultando em arritmias cardíacas, como taquicardia.
  3. Osteoporose:
    1. O supertratamento de longo prazo com hormônios tireoidianos pode aumentar o risco de osteoporose, devido à perda de densidade mineral óssea.
  4. Perda de Massa Muscular:
    1. Em casos graves, o supertratamento crônico pode levar à perda de massa muscular.
  5. Ansiedade e Nervosismo: 
    1. Pacientes supertratados podem experimentar sintomas de ansiedade, nervosismo e agitação.
  6. Agravamento de Doenças Cardíacas Preexistentes:
    1. Pacientes com doenças cardíacas pré-existentes podem ter seus sintomas cardíacos agravados pelo supertratamento.
  7. Hipoglicemia:
    1. O supertratamento com hormônios tireoidianos pode levar à hipoglicemia, especialmente em pacientes com diabetes.
  8. Perda de Peso Não Intencional:
    1. Supertratamento pode resultar em perda de peso não intencional devido ao aumento do metabolismo.

A monitorização regular da função tireoidiana e a colaboração com um médico especializado em endocrinologia ou tireoidologia são essenciais para ajustar a dosagem do medicamento e garantir que os níveis de hormônios tireoidianos estejam dentro da faixa normal. 

A gestão do tratamento deve ser cuidadosamente supervisionada para evitar o supertratamento e seus possíveis efeitos adversos.

Leia também: Por que fazer uma especialização médica com o Cetrus?

Quer continuar se capacitando neste tema?

Nódulos na tireoide são comuns e por isso é muito importante conhecer a anatomia da região e os protocolos de análise desta estrutura para classificá-los corretamente. Em caso de suspeita de um tumor, é imprescindível também fazer a biópsia com técnica apurada.

No curso de Ultrassonografia em Tireoide, Cervical e Glândulas Salivares do Cetrus, o aluno aprenderá a:

  • Identificar, descrever e diferenciar as patologias difusas da tireoide;
  • Descrever os nódulos de tireoide identificando aqueles com maior risco de malignidade;
  • Identificar e descrever as patologias de glândulas salivares; Localizar linfonodos em níveis e identificar aqueles suspeitos de malignidade;
  • Realizar PAAF de tireoide guiada por ultrassom.

Aproveite para conhecer todas as opções de cursos oferecidas pelo Cetrus:

Referências 

  1. Treatment of primary hypothyroidism in adults. Douglas S Ross, MD. UpToDate
  2. Subclinical hypothyroidism in nonpregnant adults. Douglas S Ross, MD. UpToDate

Conteúdo extra

O médico ultrassonografista Dr. Lucas Gadioli preparou um gráfico reunindo informações valiosas para você relembrar os mecanismos de regulação hormonal. Confira: