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Doenças do fígado: como fazer um diagnóstico preciso?

Saiba quais os principais exames utilizados no diagnóstico das doenças do fígado. Descubra os principais sinais e sintomas.

As doenças do fígado representam um desafio diagnóstico significativo devido à sua variedade de apresentações clínicas, complexidade fisiológica e a natureza multifatorial de suas etiologias. Além disso, a maior parte dos pacientes com essas doenças geralmente apresentam sintomas evidentes apenas em fases avançadas. 

Entretanto, apesar de existem diversas hepatopatias crônicas, a maior parte delas evolui de forma muito semelhante: se não forem diagnosticadas precocemente, podem evoluir para cirrose e, posteriormente, para um câncer de fígado.

A detecção precoce é fundamental, mesmo que o quadro inicial seja benigno. Por exemplo, estima-se que 20% dos casos de esteatose hepática, um quadro bastante comum, evoluem para cirrose quando o paciente não é tratado precocemente.

Assim, um diagnóstico preciso é fundamental para orientar o tratamento adequado e melhorar os resultados clínicos para os pacientes afetados. 

O fígado

O fígado é um órgão vital do corpo humano, desempenhando uma variedade de funções essenciais para a manutenção da saúde. Localizado no quadrante superior direito do abdômen, abaixo do diafragma e à direita do estômago, o fígado é a maior glândula do corpo humano, pesando aproximadamente 1,5 kg em adultos saudáveis. Sua anatomia complexa inclui diferentes lobos, vasos sanguíneos e ductos biliares, permitindo a execução de suas diversas funções.

Funções hepáticas

O fígado desempenha diversas funções fisiológicas essenciais para o funcionamento adequado do organismo. 

O fígado regula os níveis de glicose no sangue, armazenando glicose na forma de glicogênio quando os níveis estão altos e liberando glicose na corrente sanguínea quando os níveis estão baixos. Ele também converte outros substratos, como lactato e aminoácidos, em glicose por meio da gliconeogênese.

É o órgão responsável pela síntese de lipoproteínas, que transportam lipídios, como colesterol, pelo corpo. Além disso, ele regula a síntese e a decomposição de ácidos graxos, ajudando a manter os níveis adequados de lipídios no sangue. 

Produz ainda a bile, um líquido que é armazenado na vesícula biliar e liberado no intestino delgado para auxiliar na digestão e absorção de gorduras e vitaminas lipossolúveis.

Ainda sintetiza várias proteínas plasmáticas, incluindo albumina, que desempenha um papel crucial na manutenção da pressão osmótica do sangue, e fatores de coagulação, que são essenciais para a coagulação sanguínea.

É responsável por atuar como um filtro do sangue, metabolizando e eliminando toxinas e substâncias nocivas do corpo. Ele converte produtos tóxicos, como amônia resultante do metabolismo de proteínas, em ureia, que é excretada na urina.

O fígado ainda tem a função de armazenar vitaminas lipossolúveis (A, D, E e K) e minerais, como ferro e cobre, que são essenciais para diversas funções metabólicas do corpo.

Doenças do fígado

Existem uma gama de doenças que afetam o fígado. A maioria delas são doenças agudas, que com o passar do tempo, sem tratamento e acompanhamento, podem se tornar crônicas e levar à fibrose e à cirrose. 

As principais doenças são: 

  • Hepatite B 
  • Hepatite C 
  • Excesso de álcool
  • Carcinoma hepatocelular
  • Doença hepática gordurosa não alcoólica
  • Hepatite autoimune
  • Colangite biliar primária 
  • Colangite esclerosante primária
  • Deficiência de alfa-1-antitripsia
  • Doença de Wilson
  • Hemocromatose

Saiba mais sobre as doenças hepáticas no artigo completo –> Hepatopatias: o que são, sintomas, diagnóstico e mais 

Diagnóstico das doenças do fígado

O diagnóstico é um tanto quanto complexo uma vez que a fase inicial das doenças agudas são marcados por ser assintomática ou sintomas sistêmicos. Assim, anamnese, exame físico e exames complementares são a base para um bom diagnóstico. 

História clínica e exame físico no diagnóstico das doenças do fígado

Uma anamnese detalhada é o primeiro passo crucial na avaliação de pacientes com suspeita de doenças hepáticas. História médica pregressa, incluindo exposição a fatores de risco devem ser minuciosamente explorados. 

Deve-se questionar sobre:

  • Consumo de álcool, >210g por semana por homens e >140g por mulheres por semana;
  • Uso de medicamentos hepatotóxicos;
  • Alimentação;
  • Doenças como as síndromes metabólicas;
  • Uso drogas injetáveis;
  • Realização de transfusão sanguínea;
  • Viagens recentes para áreas de endêmicas de hepatite;
  • Exposição ocupacional ou recreativa a hepatotoxinas. 

É importante ainda questionar sobre a vacinação e histórico familiar de doenças do fígado e de doenças autoimunes. 

Os pacientes devem ser questionados também sobre condições associadas à doença hepatobiliar como: 

  • Insuficiência cardíaca direita, pensando em hepatopatia congestiva
  • Diabetes mellitus, pigmentação da pele, artrite, hipogonadismo e cardiomiopatia dilatada (hemocromatose) e obesidade (doença hepática gordurosa não alcoólica);
  • Gravidez (cálculos biliares);
  • Doença inflamatória intestinal (colangite esclerosante primária, cálculos biliares);
  • Enfisema de início precoce (deficiência de alfa-1 antitripsina);
  • Doença celíaca e doença da tireoide. 

Sintomas presentes no diagnóstico das doenças do fígado

Em relação aos sintomas, pensando em doenças hepáticas agudas, questionar sobre:

  • Icterícia
  • Astenia
  • Inapetência 
  • Náuseas
  • Desconforto abdominal
  • Febre baixa
  • Perda de peso
  • Prurido. 

No caso das doenças crônicas, a presença de ascite, sangramento digestivo, sinais de encefalopatia hepática. 

É preciso ainda pesquisar sobre evidências de colestase, que é uma uma condição caracterizada pela diminuição ou interrupção do fluxo biliar, resultando no acúmulo de bile dentro do fígado. Existem várias evidências clínicas que podem sugerir a presença de colestase: 

  • Icterícia
  • Colúria 
  • Acolia fecal ou hipocolia fecal
  • Prurido.

Exame físico no diagnóstico das doenças do fígado

O exame físico também é essencial, com foco na avaliação de sinais como:

  • Hepatomegalia
  • Esplenomegalia
  • Ascite
  • Eritema palmar
  • Ginecomastia
  • Encefalopatia hepática
  • Nódulo de Virchow
  • Nódulo periumbilical

Além disso, é importante observar o peso e a perda de massa muscular, que pode ser um indicativo de doença de longo curso, tamanho e consistência do fígado se for palpável. Isso porque um fígado nodular, duro e grosseiramente aumentado ou uma massa abdominal evidente sugerem malignidade. Caso ele esteja aumentado e sensível pode ser devido a hepatite viral ou alcoólica ou, menos frequentemente, a um fígado agudamente congestionado secundário à insuficiência cardíaca direita ou à síndrome de Budd-Chiari. 

Sensibilidade grave no quadrante superior direito com sinal de Murphy positivo sugere colecistite ou, ocasionalmente, colangite ascendente. Ascite na presença de icterícia sugere cirrose ou malignidade com disseminação peritoneal.

Exames laboratoriais

Os exames laboratoriais podem ser divididos em marcadores bioquímicos de lesão hepática (perfil hepático) e os marcadores de função hepática. São eles:

  • Lesão hepática: Alanina aminotransferase (ALT), aspartato aminotransferase (AST), fosfatase alcalina (FA), bilirrubina, gama-glutamil transpeptidase (GGT), 5’-nucleotidase, lactato desidrogenase (LDH).
  • Função hepática: Albumina, bilirrubina e tempo de protrombina.

É importante ter ciência que muitas enzimas são produzidas em outros órgãos e não somente no fígado. Então, é importante fazer a associação entre sinais e sintomas, bem como exames de imagem antes de confirmar o diagnóstico. A ALT é o marcador mais específico de lesão hepatocelular. 

Segundo Friedman (2024), podemos agrupar as alterações dos exames laboratoriais em 3 grupos: 

  1. Padrão hepatocelular: em que ocorre elevação desproporcional (10x o limite superior do normal) nas aminotransferases séricas em comparação com a FA. A bilirrubina pode estar elevada. 
  2. Padrão colestático: elevação desproporcional (10x o limite superior do normal) da FA  em comparação com as aminotransferases séricas. A bilirrubina sérica pode estar elevada
  3. Hiperbilirrubinemia isolada: bilirrubinas aumentadas e aminotransferases e FA normais. 

Algumas outras doenças apresentam alterações que ajudam no raciocínio diagnóstico: 

  • Doença hepática alcoólica: AST para ALT aumentado em 2:1 + GGT aumentada
  • Doença hepática gordurosa alcoólica: AST <8 vezes o limite superior do normal; ALT <5 vezes o limite superior do normal.
  • Hepatite viral aguda ou hepatite relacionada a toxinas com icterícia: AST e ALT >25 vezes o limite superior do normal.
  • Doença hepática gordurosa não alcoólica: AST e ALT <4 vezes o limite superior do normal.

É importante, após as suspeitas, continuar a investigação. Dependendo do contexto clínico, testes especializados podem ser indicados para investigar causas específicas de doenças hepáticas. Estes podem incluir ensaios para avaliar o metabolismo do ferro (ferritina, transferrina, saturação de transferrina), marcadores genéticos para hemocromatose, marcadores de doenças autoimunes, sorologias, entre outros. 

Exames de imagem no diagnóstico das doenças do fígado

A ultrassonografia abdominal é geralmente o exame de imagem inicial para avaliação hepática devido à sua ampla disponibilidade, segurança e capacidade de detectar alterações morfológicas como hepatomegalia, esteatose hepática, cálculos biliares e lesões focais. 

Atualmente tem se utilizado o ultrassom com contraste (CEUS) para avaliar o fígado. Sua indicação é a seguinte:

  • Avaliar lesões hepáticas focais;
  • Orientar a amostragem de tecidos;
  • Ajudar a planejar e monitorar o tratamento em pacientes com tumores ou abscessos hepáticos;
  • Avaliar trauma hepático;
  • E ainda avaliar pacientes submetidos a transplante de fígado.

Diagnóstico das doenças hepáticas crônicas

No caso da doença hepática crônica, o diagnóstico da fibrose hepática/cirrose, considera-se a biópsia hepática como padrão ouro. Ela proporciona informações essenciais sobre a gravidade da lesão hepática, grau de fibrose, presença de inflamação, esteatose e possível etiologia. No entanto, seu uso é limitado em algumas situações devido a preocupações com segurança, especialmente em pacientes com distúrbios de coagulação ou ascite significativa.

Por isso, cada vez mais realiza-se o diagnóstico de fibrose hepática pela elastografia hepática baseada no ultrassom. De forma não invasiva, ela consegue determinar o estágio da doença, avaliar o prognóstico do paciente e prever respostas ao tratamento. 

Este exame ainda consegue prever complicações como o desenvolvimento de grandes varizes e o carcinoma hepatocelular. 

Vantagens do ultrassom no acompanhamento das hepatopatias crônicas

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Referências

  1. DIETRICH, C.F. Noninvasive assessment of hepatic fibrosis: Ultrasound-based elastography. Uptodate, 2024. 
  2. DIETRICH, C.F. Contrast-enhanced ultrasound for the evaluation of liver lesions. Uptodate, 2024. 
  3. ELIAS Jr, J. Diagnóstico por imagem das doenças difusas hepáticas. Disponível aqui.
  4. FRIEDMAN, L.S. Approach to the patient with abnormal liver biochemical and function tests. UpToDate, 2024. 

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